O Presidente Lula sancionou a Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 1, que disciplina a informatização do processo judicial. A nova Lei faculta aos órgãos do Poder Judiciário informatizarem total ou parcialmente o processo judicial, para torná-lo acessível pela Internet. Dentre os atos do processo judicial que podem ser informatizados, destacam-se aqueles que são realizados pelas partes, a exemplo do envio de petições eletrônicas. As partes poderão produzir documentos eletrônicos e enviá-los para os sistemas informáticos dos órgãos judiciários. Com efeito, o art. 1º. da nova Lei admite “o uso do meio eletrônico na tramitação de processos judiciais, comunicação de atos e transmissão de peças processuais”. Esse dispositivo é complementado por uma série de outros, que regulam especificamente a transmissão de peças processuais (arts. 2º. e 3º.), como um dos aspectos da informatização do processo judicial.
A partir do momento em que a Lei autoriza as partes a produzir documentos eletronicamente e a enviá-los (para serem anexados a um processo judicial eletrônico) ao órgão judicial, utilizando-se de redes de comunicação de tecnologia aberta (dentre elas a Internet) 2, surge a necessidade de os órgãos judiciários desenvolverem sistemas capazes de autenticar essas transmissões e documentos, de forma a garantir a segurança dos atos processuais que são realizados dessa maneira. As comunicações eletrônicas de um modo geral encontram nos problemas relacionados à segurança o grande empecilho ao seu pleno desenvolvimento. As pessoas precisam ter segurança quanto à identidade dos interlocutores, os outros usuários com quem se comunicam através de redes telemáticas, e quanto à autenticidade e integridade dos documentos que transmitem. Especificamente no que diz respeito a um sistema informático para tramitação de ações judiciais, a segurança está intimamente relacionada com a questão da identificação das partes (usuários do sistema). É indispensável que o sistema informático seja capaz de garantir a identidade dos seus usuários.
O legislador ordinário, atento a essa necessidade, incluiu dispositivo na Lei 11.419/06 (art. 2º) estabelecendo que “o envio de petições, de recursos e a prática de atos processuais em geral por meio eletrônico serão admitidos mediante o uso de assinatura eletrônica”. Também no § único do art. 8º da mesma Lei, foi inserida a regra de que obrigatoriamente “todos os atos processuais do processo eletrônico serão assinados eletronicamente”. A assinatura eletrônica, portanto, foi o método de autenticação escolhido pelo legislador pátrio para a transmissão eletrônica de petições e armazenamento de documentos e arquivos digitais integrantes de um processo judicial eletrônico.
No inc. III do § 2º do art. 1º, o legislador consagrou dois tipos de assinatura eletrônica, que podem ser utilizados pelos órgãos do Poder Judiciário nos seus sistemas informáticos: a) a assinatura digital, “baseada em certificado digital emitido por Autoridade Certificadora credenciada”; e b) o cadastro do usuário no Poder Judiciário. A escolha do legislador por esses dois tipos de assinatura eletrônica pode ser explicada na circunstância de que, durante a tramitação do projeto de lei, diversos tribunais e juízos já os haviam implantado em seus respectivos sistemas informatizados de processamento e acompanhamento de ações judiciais. O legislador, portanto, preferiu não desautorizar as experiências tecnológicas já em funcionamento e bem sucedidas.
Assinatura eletrônica não avançada
O segundo tipo de assinatura eletrônica, a que é gerada mediante cadastro perante o tribunal ou juízo (prevista na alínea b do inc. III), é a forma mais conhecida e que primordialmente foi desenvolvida pelos tribunais e juízos que implantaram tecnologias de transmissão eletrônica e autos virtuais (processo eletrônico). Ao advogado que se cadastra no sistema é fornecida uma senha, que, para todos os efeitos legais, equivale à sua assinatura eletrônica nas peças processuais e documentos que envia. Como exemplo de órgãos judiciários que fizeram opção por esse método de identificação, podem ser citados os Juizados Especiais Federais, que empregam essa tecnologia no “e-Proc”, plataforma de processo eletrônico cujo acesso é disponibilizado aos advogados em site específico na Internet 3.
A Lei 11.419/06 deixa ao completo arbítrio dos órgãos judiciários a disciplina do procedimento de cadastramento do usuário, para efeito de geração da assinatura eletrônica e utilização do sistema de envio de petições e prática de atos processuais em meio eletrônico (inc. III, b, do § 1º do art. 1º, e caput, parte final, do art. 2º). A única exigência legal é que o cadastramento no sistema seja feito pessoalmente, isto é, o advogado ou interessado tem que comparecer à unidade judiciária respectiva. O § 1º do art. 2º é explícito a esse respeito, quando prediz que “o credenciamento no Poder Judiciário será realizado mediante procedimento no qual esteja assegurada a adequada identificação presencial do interessado”. Essa exigência não é despicienda, uma vez que somente o comparecimento pessoal, por ocasião do credenciamento, pode garantir a identidade do usuário. Por ocasião do credenciamento, o usuário é identificado mediante apresentação de algum tipo de documento, perante servidor designado para a tarefa de checagem da identificação e coleta de informações pessoais do usuário. O simples credenciamento em site próprio, sem identificação presencial prévia, colocaria em risco a confiabilidade do sistema, pois qualquer pessoa poderia acessar a página eletrônica utilizando dados alheios e fazer o cadastramento em nome de outra. A confiabilidade do sistema, nos tribunais e juízos que utilizam o método de assinatura eletrônica mediante simples cadastro do usuário, depende de identificação presencial.
Assinatura eletrônica avançada (assinatura digital)
O outro modelo de assinatura eletrônica, que permite a identificação de usuário de um sistema informático judiciário para tramitação e acompanhamento de ações judiciais, consiste na assinatura digital. Espécie da assinatura eletrônica, a assinatura digital, na definição da Lei 11.419/06 (alínea a do inc. III do § 1º do art. 1º), é aquela “baseada em certificado digital emitido por Autoridade Certificadora credenciada, na forma de lei específica”. Trata-se de um tipo especial de assinatura eletrônica, qualificada pela utilização da tecnologia de certificados digitais emitidos e gerenciados por uma autoridade certificadora.
A Lei 11.419/06 limita-se a dizer que o certificado digital deve ser “emitido por Autoridade Certificadora credenciada, na forma da lei específica”, mas é claro que somente quem tiver certificado expedido por entidade credenciada junto à ICP-Brasil (Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira) pode se cadastrar perante os órgãos da Justiça. Várias razões levam a essa conclusão. A primeira delas reside na circunstância de que o seu art. 20, na parte em que atribuía nova redação ao parágrafo único do art. 154 do CPC, foi vetado 4. Na sua redação atual, conferida pela Lei 11.280/06, o art. 154 do CPC contém previsão de que os tribunais podem disciplinar a prática e a comunicação de atos processuais por meios eletrônicos desde que “atendidos os requisitos de autenticidade, integridade, validade jurídica e interoperabilidade da Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil”. Nas razões do veto, o Presidente da República acentuou que “a norma já em vigor é de suma importância por deixar expressa a obrigatoriedade de uso da ICP-Brasil na prática de atos processuais”. Logo, permanecendo em vigor o § único do art. 154, na redação que lhe deu a Lei 11.280/06, a realização de atos processuais judiciais em meio eletrônico, para ser válida, necessita da certificação de entidade credenciada à ICP-Brasil. A segunda razão deriva do fato de que, na alínea a do inc. III do § 1º do art. 1º, onde o legislador oferece o conceito de assinatura digital, ele indica que o status de autoridade certificadora credenciada a emitir certificado digital é regulado “na forma de lei específica”. A legislação que trata especificamente da utilização de certificados digitais para garantir a autenticidade e validade jurídica de documentos e transações em forma eletrônica é a Medida Provisória n. 2.200, que instituiu a ICP-Brasil 5. A terceira razão que pode também ser citada, em complemento aos dois argumentos anteriores, consiste no fato de que, nos termos do art. 10 (e seus parágrafos) da citada medida provisória, somente os documentos eletrônicos produzidos com processo de certificação da ICP-Brasil têm valor jurídico oponível contra todos.
Todas essas circunstâncias deixam claro que a implantação de sistema de transmissão de peças processuais, pelo método de identificação baseado na assinatura digital, pressupõe que os usuários adquiram certificados digitais junto a empresa credenciada à ICP-Brasil.
A tecnologia de assinaturas e certificados digitais utilizada pelas entidades vinculadas à ICP-Brasil baseia-se na criptografia de chaves públicas. Funciona mais ou menos assim: o remetente usa a chave pública (um programa gerador de um código de encriptação) do destinatário para “assinar” (codificar) sua mensagem de dados, que transita codificada até chegar ao endereço deste último, o qual, valendo-se da chave privada (uma espécie de contra-senha) fica habilitado a decodificá-la. Todo usuário do sistema tem duas chaves: uma pública e uma privada. A pública é de conhecimento de todas as outras pessoas, enquanto que a privada deve ser mantida sob seu uso e conhecimento exclusivos. A geração, distribuição e gerenciamento das chaves públicas e dos certificados digitais é feita por meio de entidades conhecidas como autoridades certificadoras (AC’s). São essas autoridades certificadoras que vão garantir, por exemplo, que uma chave pública ou certificado digital pertence realmente a uma determinada pessoa. São elas que formam a cadeia de confiança que dá segurança ao sistema. Fazem o papel desempenhado pelos notários no sistema de certificação tradicional. O conjunto ou modelo formado de autoridades certificadoras, políticas de certificação e protocolos técnicos compõe o que se convencionou chamar de “Infra-Estrutura de Chaves Públicas” ou simplesmente ICP 6.
Como exemplo de órgãos judiciários que fizeram opção pelo método de identificação e autenticação da assinatura digital, com utilização de certificados emitidos por entidade vinculada à ICP-Brasil, podem ser citados os tribunais e varas do trabalho, que desenvolveram a plataforma e-DOC, que vem a ser o “Sistema Integrado de Protocolização e Fluxo de documentos Eletrônicos da Justiça do Trabalho” 7. Trata-se de um sistema que permite o envio eletrônico de documentos referentes aos processos que tramitam nas Varas do Trabalho dos 24 TRT´s e no TST, através da Internet, sem necessidade da apresentação posterior dos documentos originais 8. Para ter acesso ao sistema e-DOC, o usuário necessita adquirir previamente um certificado emitido por qualquer empresa vinculada à ICP-Brasil. O cadastramento no sistema é feito em área específica do site de um dos tribunais do trabalho e, depois de concluído, o usuário não necessita de senha para entrar no sistema, pois sua identificação é realizada apenas através da leitura do certificado digital. Com efeito, o processo de identificação do usuário, nesse tipo de sistema, é feito através da leitura do certificado digital, daí que ele necessita, no momento do acesso, de ter o certificado disponível e instalado em seu computador 9.
Para o cadastro no sistema e-DOC, não é necessário o comparecimento presencial do usuário perante o órgão judiciário, podendo ser feito inteiramente de forma on line. O § 1º. do art. 2º. da Lei 11.419/06 exige que o credenciamento no Poder Judiciário seja “realizado mediante procedimento no qual esteja assegurada a adequada identificação presencial do interessado”. Essa exigência decorre da necessidade de garantir a identidade do usuário, pois, pelo menos uma única vez, tem que ser feita uma checagem presencial de sua pessoa em vista de seus documentos pessoais. Mas em se tratando do sistema e-DOC, como, aliás, qualquer outro baseado na tecnologia de certificados digitais, não é imperativo que o usuário compareça pessoalmente perante a sede da vara ou juízo. Isso porque quando da aquisição do certificado digital, junto à entidade emissora (autoridade certificadora), já houve o prévio comparecimento presencial, oportunidade em que foi realizada a identificação física do usuário 10. A regra do par. 1º. do art. 2º. já foi atendida quando do primeiro comparecimento presencial do usuário perante a entidade (autoridade certificadora) emissora do certificado, não sendo necessário um segundo comparecimento físico.
Validade das duas espécies de assinatura eletrônica
Em conclusão, os sistemas para a transmissão de petições e prática de atos processuais podem ser desenhados utilizando-se diferentes tecnologias. A identificação do usuário e autenticação do seu acesso pode ser feito através de uma assinatura digital, qualificada pela utilização de certificado digital fornecido por empresa vinculada à ICP-Brasil (inc. III, a, do § 2º. do art. 1º.), ou por meio de senha obtida mediante cadastro no sistema próprio do órgão judiciário (inc. III, b, do § 2º. do art. 1º.).
Ambas são espécies do gênero assinatura eletrônica, por constituírem “formas de identificação inequívoca do signatário” (na definição do inc. III do § 2º. do art. 1º.). Ambas atendem os requisitos da Lei, já que configuram métodos que atribuem registro ao usuário e meio de acesso ao sistema, garantindo a preservação do sigilo e a identificação e autenticidade de suas comunicações (§ 2º. do art. 2º.).
O primeiro tipo (assinatura digital) poderia ser chamado de assinatura eletrônica qualificada (ou avançada), já que se utiliza de uma tecnologia mais avançada – a das chaves e certificados digitais fornecidos por autoridades certificadoras. Mas os tribunais podem implantar qualquer dos dois tipos de assinatura eletrônica definidos nas alíneas a e b do inc. III § 2º do art. 1º Ao lado da assinatura eletrônica não avançada, a Lei estabeleceu um tipo especial de assinatura eletrônica, a assinatura digital (assinatura eletrônica avançada). As duas são formas de garantia de identificação inequívoca do usuário, permitindo a preservação do sigilo e autenticidade de suas comunicações (§ 2º do art. 2º). É suficiente que a assinatura esteja necessariamente associada ao signatário, permitindo sua identificação, e ser criada com meios que este possa manter sob seu controle exclusivo. Dentro do contexto da Lei 11.419/06, assinatura eletrônica é um dos dois métodos eletrônicos que visam autenticar o acesso do usuário ao sistema informático judiciário (desenvolvido para transmissão de peças e documentos processuais ou qualquer ato processual). O primeiro deles é o que é efetuado por meio de assinatura digital baseada em certificado digital (alínea a do inc. III) e, o segundo, é aquele realizado através de senha obtida em cadastro no órgão do Poder Judiciário (alínea b do inc. III).
Em havendo esses dois tipos válidos de assinatura eletrônica, como compatibilizar essa realidade com o art. 154 do CPC? Como já tivemos oportunidade de mencionar anteriormente, esse dispositivo (na redação que lhe foi conferida pela Lei 11.280/06) permanece em vigor e exige que, na disciplina da prática e da comunicação de atos processuais em meios eletrônicos, os tribunais devem atender “os requisitos de autenticidade, validade jurídica e interoperabilidade da Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil”. Cuida-se de artigo (154 do CPC) que necessita ser interpretado em combinação com o inc. III do § 2º do art. 1º e art. 2º da Lei 11.419/06.
Os tribunais não só podem implantar sistemas informáticos para a transmissão de petições e prática de atos processuais baseados em tecnologia de certificados digitais (gerenciados por empresa credenciada à ICP-Brasil), mas também podem adotar sistemas que utilizam a tecnologia de assinatura eletrônica proveniente de cadastro em unidade do Poder Judiciário, tal como já foi explicado. A Lei 11.419/06 é posterior à Lei 11.280/06 (que alterou a redação do art. 154 do CPC), e expressamente validou a realização de envio de peças e atos de comunicação com a utilização de assinatura eletrônica não baseada em certificados digitais (assinatura eletrônica não avançada). O método de cadastro em site judiciário para obtenção de senha é reconhecido pela lei como apto a validar atos processuais realizados em meio eletrônico (alínea b do inc. III do § 2º do art. 1º). O art. 154 do CPC, portanto, deve ser interpretado no seguinte sentido: uma vez optando um tribunal ou juízo pelo sistema da assinatura digital, a emissão de certificados digitais aos usuários somente poderá ser feita por empresa pública ou privada (autoridade certificadora) credenciada à ICP-Brasil. Não pode o Judiciário adquirir certificados digitais de empresa não integrante da ICP-Brasil, nem pode qualquer órgão desse Poder intentar desenvolver uma infra-estrutura de certificação (ICP) autônoma, de forma isolada ou em convênio com outras instituições. Mas se optar, por razões de orçamento ou qualquer outra, por desenvolver sistema baseado em assinatura eletrônica não avançada, não haverá qualquer problema, diante da faculdade que a Lei lhe confere. Nesse caso, não está obrigado a atender a exigência do art. 154 do CPC, que somente se refere aos sistemas de comunicação e prática de atos processuais eletrônicos baseados em assinatura eletrônica avançada (assinatura digital).
A tendência, no entanto, é que os tribunais desenvolvam sistemas de controle eletrônico de autoria e integridade de documentos eletrônicos baseados em certificados digitais da ICP-Brasil, por se tratar de tecnologia mais avançada e cujo uso está se disseminando rapidamente. O STJ inclusive já criou e credenciou uma autoridade certificadora própria – a AC-JUS 11, junto à ICP Brasil, a qual já aderiram o STF e outros tribunais superiores. A AC-JUS já começou a distribuir certificados e chaves a juízes federais e servidores.
Cadastro único nacional
O par. 3º. do art. 2º., da Lei 11.419/06, prevê a possibilidade de os órgãos do Poder Judiciário criarem um cadastro único, para efeito do credenciamento dos usuários dos serviços de envio de petições e prática de atos processuais em geral por meio eletrônico. O que é mais provável, no entanto, é que cada tribunal estadual ou ramo da Justiça Nacional desenvolva seu próprio sistema para realização de atos processuais em meio eletrônico. Na verdade, isso já vem acontecendo. Por exemplo, a Justiça do Trabalho já tem seu sistema informático para transmissão de petições (o “e-DOC”, baseado em assinatura digital), que foi desenvolvido para usuários que tenham interesse ou sejam partes em processos que tramitam nesse ramo da Justiça. A Justiça Federal, por sua vez, também já desenvolveu o seu próprio modelo de processo eletrônico para os Juizados Especiais (o “e-Proc”), cujo acesso, para credenciamento, é feito através dos sites dos respectivos tribunais regionais federais. Alguns tribunais estaduais também desenvolveram sistemas próprios para tramitação total ou parcial de ações judiciais em meio eletrônico.
O que é pior é que esses diversos sistemas não guardam interoperabilidade uns com os outros, já que os tribunais não estabeleceram um protocolo de comunicação único. A informatização dos tribunais brasileiros, ao contrário do que aconteceu na Itália 12, não foi feita com um planejamento centralizado, através de um órgão único que promovesse uma política de uniformização de padrões técnicos. Essa falta de uma política de padronização dos sistemas informáticos tem origem na própria realidade da organização judiciária no Brasil, cujo Poder Judiciário se divide entre as Justiças dos Estados e a Justiça Federal (com seus sub-ramos da Justiça especializada Trabalhista, Eleitoral e Militar). Cada um dos tribunais de cada ramo do Poder Judiciário nacional goza de autonomia administrativa e financeira, não havendo, nesse aspecto, hierarquia entre eles. Mesmo os tribunais superiores não interferem na gestão administrativa dos tribunais dos estados e tribunais regionais. Se essa autonomia, por um lado, é salutar, por outro também traz resultados negativos, como a falta de uma política única para a informatização dos órgãos judiciários.
Espera-se que esse problema da falta de uma política unificada de administração judiciária seja resolvido com a criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que tem, entre outras competências, poderes para regulamentar procedimentos administrativos dos tribunais. O CNJ aliás já desenvolveu um modelo de processo eletrônico, que pretende seja adotado por todos os órgãos da Justiça brasileira. O sistema, que vem sendo denominado de “Sistema Virtual Nacional”, foi desenvolvido em software livre e é baseado no sistema Pro-Jud, do Tribunal de Justiça da Paraíba 13. O CNJ está promovendo a divulgação desse sistema de processo eletrônico, incentivando os tribunais a adotá-lo 14, inclusive para os órgãos da Justiça do Trabalho 15, que já havia desenvolvido seu próprio sistema para tramitação de ações judiciais em meio eletrônico. É muito pouco provável, no entanto, que se consiga a proeza, pelo menos em curto espaço de tempo, de migrar os sistemas de todos os tribunais que já estejam em funcionamento para o modelo do CNJ. O sistema do CNJ é baseado em software livre, desenvolvido por seus técnicos, enquanto a maioria dos tribunais desenvolveu sistemas proprietários, mediante contratação com empresas privadas fornecedoras de serviços de informática. Certamente, a adoção do sistema do CNJ será feita por tribunais estaduais que não tenham ainda desenvolvido seus próprios sistemas de processo eletrônico. Mesmo que os tribunais estaduais se decidam pela implantação do modelo de processo eletrônico proposto pelo CNJ (o “Sistema Virtual Nacional”), é pouco provável que funcionem por meio de uma base de dados única, para efeito de cadastramento dos usuários. Possivelmente cada tribunal estadual vai ter o seu próprio cadastro, para ser usado pelas pessoas interessadas em processos sob sua jurisdição 16.
A previsão da lei, pelo visto, não vai se fácil de ser concretizada, pois envolveria a necessidade de uma padronização dos sistemas de transmissão de peças na forma eletrônica para todas unidades do Poder Judiciário, de qualquer um dos seus ramos.
Quando o legislador incluiu a regra do § 3º. do art. 2º. na Lei 11.419/06, certamente esteve atento à necessidade de facilitar o acesso ao sistema, por parte de advogados e outros usuários, que atuam em processos perante diversos tribunais ou órgãos de diferentes ramos da Justiça, para que não tenham que se deslocar a cada um deles, para fazer o cadastro presencial. Mas essa preocupação só seria justificável em se tratando de tribunais e órgãos que adotem sistemas informáticos baseados em assinaturas eletrônicas não avançadas. De fato, quanto aos sistemas e plataformas baseados na tecnologia de certificados digitais, o usuário não precisa comparecer fisicamente, para realizar seu cadastro 17. Um usuário que tenha certificado emitido por autoridade certificadora vinculada à ICP-Brasil, pode, de qualquer local, acessar um computador e, conectando-se à Internet, ingressar num sistema informático judiciário para efeito de credenciamento, sem necessidade de comparecimento presencial, em razão de que, quando da aquisição do certificado digital (perante a autoridade certificadora), já foi identificado fisicamente.
Por essas razões, talvez a solução do cadastro único não seja, diante da realidade da organização judiciária em nosso país, a mais viável. O ideal, isso sim, é que os órgãos dos diversos segmentos do Poder Judiciário implantem sistemas de transmissão de peças eletrônicas baseados em certificação digital, pois os usuários, nesse caso, já passaram pela identificação presencial no momento do registro perante a autoridade certificadora (autoridade vinculada à ICP-Brasil), podendo assim, dos computadores de suas residências e locais de trabalho, acessar os sistemas e fazer o cadastro (no site) em todo e qualquer tribunal, evitando as inconveniências de um (novo) deslocamento físico. A multiplicidade de credenciamentos, assim, não representará ônus excessivo para a classe dos advogados nem importará em dificuldade maior de acesso ao processo judicial eletrônico.
Momento da transmissão de petições
O art. 3º da Lei 11.419/06 estabelece que “consideram-se realizados os atos processuais por meio eletrônico no dia e hora do seu envio ao sistema do Poder Judiciário, do que deverá ser fornecido protocolo eletrônico”. Essa norma abrange os atos processuais que devem ser realizados pela parte, usuário do sistema informático de um tribunal para o envio de petições na forma eletrônica. Não alcança todo e qualquer ato processual, notadamente aqueles que devem ser realizados pela secretaria do juízo (pelo servidor) ou juiz. Por exemplo, para as intimações (ato processual da secretaria) que são feitas através da versão eletrônica do Diário da Justiça, existe uma regra específica sobre o momento da realização do ato, para possibilitar a contagem de prazos. De fato, o § 3º. do art. 4º. da mesma Lei estabelece que “considera-se como data da publicação o primeiro dia útil seguinte ao da disponibilização da informação” no sistema”. Portanto, o art. 3º. não é regra que normatiza o tempo dos termos e “atos em geral”, que constituem e integram o processo (total ou parcialmente) eletrônico, mas se destina exclusivamente a disciplinar os “atos da parte”. Regula o o tempo, o momento da realização, de um determinado ato processual em meio eletrônico a cargo da parte.
A parte final do art. 3º., onde prediz que “deverá ser fornecido protocolo eletrônico” do ato a cargo da parte, visa a municiá-la de algum meio de prova da efetiva realização do ato, para os fins que se fizerem necessários. Para o processo judicial tradicional (em meio físico), o art. 160 do CPC prevê que “poderão as partes exigir recibo de petições, arrazoados, papéis e documentos que entregarem em cartório”. Para o processo eletrônico, a Lei 11.419/06 trouxe essa regra do protocolo eletrônico (parte final do art. 3º.), que obriga os tribunais a desenvolverem sistemas informáticos capazes de expedir automaticamente comprovante eletrônico do recebimento da petição ou registro do ato, sob pena de não ter validade.
Uma grande vantagem para as partes, no processo eletrônico, será a extensão do horário para envio de petições e documentos até a meia-noite. Com efeito, o parágrafo único do art. 3º. da Lei 11.419/06 estabelece que: “quando a petição eletrônica for enviada para atender prazo processual, serão consideradas tempestivas as transmitidas até as 24 (vinte e quatro) horas do seu último dia”. Atualmente, os protocolos físicos para recebimento de petições existentes nas varas e unidades judiciárias, funcionam limitados a um determinado horário do dia, em regra correspondente ao horário do expediente forense. Essa restrição decorre do par. 3º. do art. 172 do CPC que estabelece que “quando o ato tiver que ser praticado em determinado prazo, por meio de petição, esta deverá ser apresentada no protocolo, dentro do horário de expediente, nos termos da lei de organização judiciária local” 18. Em geral o expediente forense nas diversas repartições judiciárias termina às 18:00 ou 19:00h, dependendo, como prevê o mencionado artigo do CPC, do que regular as respectivas leis de organização judiciária.
No processo eletrônico, quando a parte tiver que realizar algum ato processual através de petição, poderá fazê-lo até o último minuto do dia, não se limitando ao horário do expediente forense da repartição judiciária. Essa possibilidade é resultado da revolucionária acessibilidade do sistema eletrônico, sem as restrições do horário do expediente forense. O sistema fica disponível para utilização pelos usuários 24 horas por dia.
—————-
Demócrito Reinaldo Filho
Juiz de Direito no Recife (32ª Vara Cível)