Liminares: uma solução ou um problema?

O país amanheceu estarrecido alguns dias atrás com a notícia das operações Furacão e Têmis, ambas envolvendo juízes, advogados, empresários e contraventores em formação de quadrilhas com o objetivo de obter liminares na Justiça, liberando equipamentos de jogos de azar.

Embora a Polícia Federal tenha conseguido encontrar vasto material implicando aquelas pessoas, o fato concreto é que as liminares foram requeridas e concedidas em processos os mais diversos, chegando, em alguns casos, ao ponto de anteceder o “direito” da parte, numa situação inédita e absurda, como se ninguém soubesse nada acerca do assunto.

Ocorre que os pedidos foram apresentados ao Judiciário e encaminhados diretamente às autoridades envolvidas, num “golpe de sorte” na distribuição dos processos, que, como é do conhecimento geral, não podem “escolher a Vara”.

Tais liminares, embora concedidas irregularmente, produziram os efeitos desejados, causando vantagem ilícita aos interessados, sem que fosse cassadas ou revogadas, o que deveria evidentemente acontecer.

O mecanismo é tão singelo, que resolvi tratá-lo num processo igualmente simples: as liminares nos processos cautelares ou especiais.

Como se sabe, a liminar pode ser concedida de plano, sem ouvida da parte contrária e sem justificação prévia, quando a petição inicial estiver devidamente instruída, isto é, quando a pretensão deduzida estiver acompanhada de provas suficientes para autorizar o juiz a concedê-la.

É evidente que essa prova não é, ainda, a prova que se desenvolve normalmente no curso do processo, devendo, porém, ser o bastante para provocar o convencimento da autoridade judiciária.

Não se confunde essa prova “initio-litis”, por exemplo, com a prova testemunhal, por meio da qual o requerente do provimento especial procura instruir a petição com declaração firmada pela testemunha, que não tem o condão de suprir a audiência prévia de justificação, sem a qual, nesse caso, não há como o juiz conceder a liminar.

Contra pessoas jurídicas de direito público a liminar não será concedida sem ouvida da parte contrária, mesmo quando a inicial estiver perfeitamente instruída, devendo o juiz mandar ouví-la como efeito processual para, em seguida, conceder a liminar, se for o caso.

Se a inicial não estiver corretamente instruída, o juiz não poderá conceder a liminar, devendo, se for o caso, designar audiência de justificação prévia, na qual serão ouvidas testemunhas do requerente, com a presença do requerido, se lhe aprouver, que poderá contraditá-las ou formular reperguntas, mas não poderá arrolar suas próprias testemunhas, até porque o objetivo da prova é sumário, “initio litis”, para efeito unicamente de apreciação da liminar pleiteada.

Podem ser concedidas liminares em outras ações, como as possessórias de manutenção e de reintegração, bem como em procedimento especial, como nos embargos de terceiro.

Em qualquer hipótese, porém, a prova inicial é a mesma, cabendo ao interessado instruir suficientemente sua petição, mostrando que o requerimento é, de certo modo, verossímil com o provimento final almejado, devendo o juiz, se for o caso, exigir a prestação de caução idônea, de acordo com a lei.

Pode ocorrer, todavia, de a liminar ser concedida, e o pedido, ao final, ser julgado improcedente, hipótese em que aquele provimento será revogado. O juiz, assim, profere duas decisões: a primeira, de conhecimento sumário, para o efeito de conceder ou não a liminar pleiteada; e, a segunda, depois de formado o contraditório, para julgar o mérito do pedido, ocasião em que poderá confirmar ou revogar a liminar, neste caso cassando seus efeitos.

É óbvio que na sentença de mérito não haverá possibilidade de o juiz conceder liminar, cuja oportunidade, como se disse, é “initio litis”, mas poderá revogar a liminar então concedida, de modo expresso, não existindo revogação tácita, o que, nessa última hipótese até parece viável, já que a improcedência do pedido resultará necessariamente na cassação dos efeitos da liminar, que não poderá mais persistir, sob pena de conflitar frontalmente com o próprio mérito do julgado.

Se o requerido transgredir a liminar concedida o juiz poderá aplicar-lhe pena pecuniária que reverterá a benefício do requerente, sem obrigação de restituição futura, mesmo em caso de improcedência do pedido, como sanção a ato ofensivo à dignidade da Justiça, sendo possível, inclusive, que a pena perdure indefinitivamente, até o efetivo cumprimento da ordem judicial.

Esse processo simples e razoável foi desvirtuado e utilizado para fins inidôneos por alguns que se valeram de suas privilegiadas posições na estrutura da sociedade brasileira. Aquilo que foi criado para solucionar prontamente uma situação de bom direito submetido a risco virou um problema, porque também usado para satisfação do contraventor.

Não se pode generalizar contudo, imaginando que “todo”o Judiciário se acha assim envolvido na contravenção, o que absolutamente não corresponde à verdade, até porque as operações da Polícia Federal contaram com o necessário e indispensável suporte do próprio Judiciário, cioso de que precisa participar da moralização geral das instituições nacionais.

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Jeremias Alves Pereira Filho, advogado em São Paulo, é especialista em direito empresarial, mestre pela PUC-SP e doutorando pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, professor de direito processual civil e decano da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie

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