A pena de morte não é a solução

De forma recente, por meio da divulgação de uma reportagem que realizou uma pesquisa em segmento da população brasileira, verificamos que mais da metade deste contingente, ávida pelo desejo da vingança, busca que o retorno célere da vetusta regra do “olho por olho”, “dente por dente”, “sangue por sangue”, seja estabelecido imediatamente em nosso país, via da utilização da pena de morte que seria impingida aos acusados de crimes bárbaros e chocantes.

Pois bem, em alusão aos inúmeros relatos de acontecimentos criminosos brutais e que geraram a morte fria de vítimas infantes até, em destaque, o caso onde uma criança foi queimada viva, ou outro tanto quanto pior, quando soubemos que um menino de seis anos foi arrastado por quilômetros em um carro, não restaria dúvida que quando solicitada a opinião da sociedade sobre a imposição de pena de morte, esta tenderia a pender, como de fato o foi, todavia, cremos, de forma errônea, de que esta sanção seria a panacéia para o fim de todos estes atos infames.

Antes de chegarmos ao cerne da questão, para aqueles que não militam na área do direito, deve ser lembrado que a pena capital no Brasil em verdade já existe, conforme está previsto na Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso XLVII, que diz que “não haverá penas de morte, salvo em casos de guerra declarada”, ou seja, havendo guerra declarada, a medida pode ser adotada no país, por meio de julgamentos militares.

Temos, por certo, que o recrudescimento da violência em todo o país tem provocado a adoção de medidas legislativas açodadas e dissociadas do objetivo declarado, pois modestamente entendemos que a violência somente será eficazmente combatida, mediante a efetiva apuração dos fatos sob o manto dos princípios constitucionais pátrios, o que nos leva a concluir que o fim da impunidade está diretamente relacionado à queda dos índices de criminalidade.

Deixemos claro aqui que concordamos que seja evidente a sensação de insegurança das pessoas que vivem nos grandes centros de nosso país, todavia, também pensamos que não basta ao legislador tipificar a cada dia mais e mais delitos ou agravar a pena dos já existentes, e sim, compreender as causas desenhadas no fenômeno da violência, para se definir as políticas criminais corretas a serem seguidas.

É bem certo que não há quem não concorde, e aqui estamos nós incluídos, que existem determinadas pessoas que não são dignas de viver em sociedade, seja por um ou vários motivos e que são identificados na materialização de suas diversas atitudes cruéis. Por outro lado, embora admitamos que esta não seja a vontade de maioria, e por isso aqui colocamos o debate, cremos que o banimento perene destas pessoas de nosso convívio, sem executá-los como eles assim fizeram com suas vítimas, poderia ser discutido pela sociedade como alternativa de um novo uso da função da pena, que poderia ser viável na sua natureza perpétua.

Do contrário, isto é, se tão somente analisarmos e anuirmos que o almejado castigo fatal possa vigorar logo em nosso país, temos de igual forma que admitir a franca possibilidade de acontecimento de inúmeros erros judiciais, pois, se condenarmos um acusado, qualquer que seja, à pena capital e, verificada posteriormente a sua condição de inocente, não poderemos remediar em valor algum, a dor dos parentes que terão visto injustamente um ente querido ter sido condenado à uma sanção fatal e imutável.

E no estágio atual que o Poder Judiciário brasileiro dormita, onde vários equívocos judiciais são noticiados e muitos outros são “abafados”, com certeza, já podemos aqui vaticinar que o surgimento da imposição deste tipo de pena, tal qual o seu próprio nome, já nascerá sem vida, vez que a nosso sentir, esse resultado poderia ser alcançado menos com alterações normativas e mais com o aparelhamento adequado dos órgãos estatais incumbidos da repressão ao crime, pois resta clarividente que cada vez mais, a incerteza quanto à cominação de pena em concreto fomenta a impunidade e assola o convívio social.

A solução, por óbvia há muito tempo, passa pela existência de um Estado muito mais presente e participativo, fornecedor de saúde, educação e, é claro, segurança, esta, que possa inibir a sensação de impunidade vigente em todo o país, onde sabemos que seja indiscutível que não é a dureza da pena que desestimula o bandido, e sim, a sensação de impunidade, seja para crimes de violência imediata, mas principalmente para os que causam danos ainda maiores, como os crimes de colarinho branco e de desvio de verba pública.

Assim, combatendo esta inércia estatal, vinda desde o século passado, ao invés de recrudescer penas, que pelo menos façamos cumprir as sanções já existentes em nossa legislação penal, obviamente sempre tendo respeitados os basilares direitos ao contraditório e à ampla defesa, para que não mais apareçam, vez por outra, aquelas notórias soluções mágicas ou únicas para acabar com o avanço, vigência e especialização de atos criminosos violentos, e que erroneamente nos levam a moldar um estado policial que acredita que a solução será majorar ou criar novas penas que acabarão com a violência.

Dentro deste breve contexto, nosso entendimento é de que a aplicação da pena como mera vingança estatal deve ainda passar por detida e profunda reflexão de todos, em especial, àqueles que manifestaram de afogadilho ser a favor da sanção mortal, pois, se ainda não conseguimos atingir o elevado estágio do perdão incondicional a quem nos causa dor e sofrimento indizíveis, como bem nos ensinou Jesus Cristo, que ao menos não nos tornemos iguais ou até piores que nossos algozes, retribuindo a violência que nos é endereçada com a concretização de mais violência que, com certeza, em nada irá resolver para arrefecer a barbárie que vige com vigor em nosso país.

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Marcelo Di Rezende Bernardes é advogado, sócio da Rezende & Almeida Advogados Associados e especializado em direito empresarial pela FGV (Fundação Getúlio Vargas)

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