Quais os limites para o uso da internet no trabalho? Em uma época em que os profissionais precisam estar muito conectados e bem informados, saber como utilizar a rede mundial sem abusos é uma tarefa das mais complicadas. Nem sempre as empresas se preocupam em estabelecer uma política transparente do que pode e do que não pode ser feito na rede. E nem sempre os funcionários têm elementos para se autopoliciar no dia-a-dia do trabalho. É aceitável acessar o e-mail pessoal, por exemplo? Tudo bem colocar os familiares mais próximos no MSN? As liberdades variam de acordo com a empresa e seu tipo de atividade, assim como a profissão e o cargo. Em empresas de telemarketing, não é permitido usar a web durante o expediente. Em bancos, só tem acesso quem precisa da rede para exercer sua função. E, mesmo assim, com bloqueios. Em agências de publicidade, quase tudo é liberado, até sites pessoais, mas, se o usuário perder produtividade, está frito. Em empresas de comunicação, usar a internet é uma questão de sobrevivência, mas há limites para acessar sites pornográficos, fazer downloads ou enviar correntes por e-mail. Muitas empresas simplesmente bloqueiam o acesso a sites e programas. Ao tentar acessar o Orkut ou o MSN, por exemplo, o funcionário recebe uma mensagem de erro. Tradução: o empregador não quer que o funcionário acesse esse tipo de conteúdo, que não teria a ver com o trabalho.
Segundo um estudo do instituto Qualibest, 53% das companhias brasileiras impõem bloqueios ao uso da rede, mesmo aquelas que buscam conscientizar os funcionários, como a Petrobras. “É para assegurar que não estejamos expostos a riscos de segurança, como vírus, e que se mantenha o código de ética da empresa, que é não tolerar pornografia, envio de correntes de e-mail e atividades político-partidárias”, diz Pedro Arruda, gerente de segurança empresarial da companhia de petróleo. MSN e Orkut, por exemplo, estão fora.
A assistente de gerência Hilária de Menezes, de 32 anos, trabalha em uma editora onde tudo é liberado. “Uso MSN, acesso tudo o que quiser, mas tenho de me programar. Quando estou com muito trabalho, não posso perder tempo com isso porque não consigo terminar o que estou fazendo”, diz.
Já a Petroquímica União, em Santo André, onde trabalha o operador de processo Wellington Torneloto, de 37 anos, permite que os funcionários leiam e-mails e naveguem na internet, mas fora do horário de expediente.
Na fábrica, há quiosques com PCs conectados à rede. “É bom porque assim não atraso minhas contas”, diz Torneloto.
JEITINHO Há, entretanto, quem burle as regras. Mesmo quando um determinado site é bloqueado, há serviços, chamados proxies, que permitem enganar os sistemas de segurança para acessar, por exemplo, o Orkut. “Onde trabalho, quase tudo é bloqueado. Não consigo nem ler notícias. Como não tenho conexão em casa, dou um jeitinho”, diz o técnico em eletrônica Henrique (ele não quis informar o sobrenome), de 26 anos. Em outros casos, os funcionários têm acesso à web, mas a empresa os orienta a não acessar determinados sites ou serviços. Funciona? Algumasvezes sim, outras não. Ou, quem sabe, mais ou menos. “Dou uma entradinha de manhã no Orkut, só para checar. Mas é rápido e não deixo ninguém ver”, diz a redatora publicitária Eliana Loureiro, de 29 anos. “Nunca vi ninguém ser punido por isso.” Quando as restrições são grandes, é melhor se conformar ou encontrar uma maneira de burlar a proibição? Uma boa dica é se informar sobre os limites, conhecer os motivos e, se for o caso, argumentar sobre a importância de ter acesso a esse ou àquele serviço.
“Procure conhecer os limites impostos pelas empresas”, sugere Patrícia Resch, diretora da consultoria de RH Resch. “Se o funcionário não é informado sobre as restrições quando é admitido, deve tomar a iniciativa e perguntar. Se não houver uma regra ou for tudo liberado, mesmo assim deve usar o bom senso”, diz. É importante saber que certos abusos podem resultar em demissão por justa causa.
O micro é da empresa, assim como a conexão à internet. Os empregados precisam respeitar as regras. Se isso não acontecer, a Justiça entende que o funcionário cometeu falta grave”, diz Patrícia Peck, advogada especialista em direito digital. Nesse caso, o funcionário demitido não recebe os direitos trabalhistas. Nesta edição, o Link discute a fundo a questão do uso da internet no trabalho, a partir de entrevistas com funcionários, gerentes de empresas e especialistas. Informe-se e chegue às suas próprias conclusões.
Web: empresa deve ter regras claras
Decisão de proibir, liberar parcialmente ou totalmente depende do ramo de atividade e do trabalho do funcionário
As empresas não querem que os funcionários percam valioso tempo de trabalho para satisfazer curiosidades e resolver assuntos pessoais na internet. Os profissionais se sentem tolhidos ou até invadidos quando há limites ou monitoramento do uso da rede. Quem tem razão? Não espere encontrar nesta reportagem uma resposta definitiva. No caso de uma empresa, depende do tipo de atividade que exerce. E as necessidades de cada cargo precisam ser levadas em consideração. A questão central está em equilibrar vantagens e desvantagens. Afinal, a internet pode agilizar a comunicação e ser uma fonte valiosa de informações. Mas pode causar queda de produtividade e, com freqüência, envolve segurança.
POLÍTICAS CLARAS
A multinacional farmacêutica Merck Sharp & Dohme libera parcialmente sua rede para os funcionários acessarem a internet. “Desde que haja bom senso e não atrapalhe a produtividade”, ressalta Sandro Gonçalves Pinto, diretor de recursos humanos. “O importante é que nossa política é bem conhecida de todos os funcionários.”
Segundo William Bull, da Mercer, empresa de consultoria de RH, “muitas companhias estão adicionando regras de uso da internet e e-mail aos contratos para evitar argumentos de que o funcionário não foi avisado caso faça mau uso”. No entanto, cada vez mais, a internet se transforma em uma importante (senão essencial) ferramenta. E mesmo os segmentos mais fechados começam a perceber a necessidade do profissional de se comunicar com rapidez e estar informado sobre o que acontece no mundo.
É O QUE DIZ ABEL REIS, VICE-PRESIDENTE DE TECNOLOGIA E PROJETOS DA AGÊNCIA CLICK, ESPECIALIZADA EM MARKETING VIA WEB.
Para ele, empresas e pessoas vivem em tempo real e proibir totalmente o acesso à internet demonstra um grande atraso. “O melhor é usar essas tecnologias a favor da empresa. O Messenger, por exemplo, pode ser um acelerador de atividades”. PRODUTIVIDADE No Unibanco, o acesso à internet depende da função. “Orientamos os funcionários com acesso à rede a não usá-la para fins particulares. Se não houver controle, há perda de produtividade”, diz Cristóvão Martins, diretor-adjunto de tecnologia. Em empresas onde o trabalho é menos criativo e com horários mais rígidos, os limites são maiores. Na empresa de telemarketing Atento, 80% dos funcionários não têm acesso à internet. Quem tem é porque trabalha com produtos como chat. Fora do horário de trabalho, os funcionários podem usar a internet por 15 minutos, em um espaço disponível para quem não tem computador em casa. “Queremos que eles tenham acesso à informação”, diz Luiz Alcubierre, diretor de marketing e comunicação. AMPLA LIBERDADE No outro extremo estão empresas que lidam com informação e criatividade, como as de comunicação e propaganda. Em geral, os funcionários têm ampla liberdade, inclusive para misturar um pouco trabalho e vida pessoal, já que não têm horários rígidos. Mas precisam apresentar resultado. “Há funcionários que levam trabalho para casa e compromissos pessoais para o trabalho. Contanto que respeitem os prazos, têm mais flexibilidade”, diz Willian Bull, da Mercer RH. “O coração do nosso negócio é comunicação. Seria um contra-senso restringir. As pessoas se comportam melhor com liberdade”, diz Adriana Cury, presidente da McCann. Mesmo nessas empresas há limites. Na MTV, os funcionários se comprometem por escrito a não acessar pornografia ou enviar correntes por e-mail. Na IBM, empresa do setor de tecnologia, não é permitido usar o Skype e fazer downloads de músicas e vídeos. SEGURANÇA É A PREOCUPAÇÃO Um dos principais motivos de preocupação é a segurança. “Isso é muito sério, pois trabalhamos com dados confidenciais”, diz Luiz Bertoni, supervisor de planejamento de estratégia de recursos humanos do Itaú, onde internet e e-mail externo são restritos a quem precisa. “O Itaú investe na conscientização do funcionário por meio de palestras que alertam sobre os perigos. Mas já houve casos de abuso punidos até com demissões”, diz. Na corretora de ações Ágora, e-mail, mensageiro instantâneo e telefonemas são monitorados. Sites acessados são gravados e as portas USB das máquinas, desabilitadas. “Não podemos deixar vazar nada”, diz Guilherme Horn, diretor de tecnologia e informação. PRECONCEITO Para Anatália Saraiva Martins Ramos, pesquisadora de gestão da informação e inovação na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, existe um certo preconceito em relação a cargos menos elevados na hierarquia das empresas. “As empresas ainda não estão maduras. Ao contrário, são medievais. Bloqueiam o acesso à informação principalmente dos cargos mais baixos. Deveriam ser mais flexíveis”, afirma.
Leis amparam ‘Big Brother’ no trabalho
Bloquear o acesso a sites e programas, monitorar a navegação dos funcionários e até espionar e-mails enviados e recebidos. Perante a lei, as empresas têm o direito de fazer isso? Ou é invasão de privacidade? De acordo com a advogada especialista em direito digital Patrícia Peck, tanto os computadores como a internet e a conta de e-mail corporativa pertencem à empresa e, portanto, podem ser monitorados e controlados. “A Justiça já reconhece isso. O funcionário deve estar ciente que está sendo vigiado. Uma ‘boa prática’ é avisar isso aos empregados.” Cada vez mais, as empresas fazem com que os empregados assinem termos de compromisso quando são admitidos. “Pela visão das empresas, é uma forma de se resguardar judicialmente, uma vez que o funcionário não poderá, em tese, reverter uma demissão ‘porque não sabia'”, explica o advogado especializado em direito digital Omar Kaminski. “E o funcionário não tem escolha e nem pode discordar desses termos. Se não quiser aceitar, é melhor procurar outra empresa para trabalhar.” Quando o funcionário é flagrado infringindo as normas – que ele assinou – corre o risco de ser demitido por justa causa, ou seja, sem receber parte dos direitos trabalhistas a que teria acesso no caso de ser dispensado por decisão da empresa. “Existe uma certa tolerância das empresas”, diz Kaminski. “Mas já existem centenas de demissões. Geralmente acontece quando o empregado fica o dia inteiro na internet, quando ele falou mal da empresa pela web ou vazou alguma informação sigilosa.”
Fonte: Jornal O Estadão