Alteração contratual não registrada e lesão a terceiros

A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça acolheu recurso apresentado por uma instituição financeira contra uma empresa, para que a alteração de contrato social sem o respectivo arquivamento na Junta Comercial possa ser oposta aos demais quotistas da sociedade se ela é usada para lesar terceiros estranhos à sociedade.

O ponto controvertido residia no fato de somente um dos sócios ter agido na qualidade de sócio-gerente da empresa, tendo em vista alteração contratual apresentada à instituição financeira formalizada apenas por meio de instrumento particular e entregue ao banco, mas não registrada no órgão competente, no caso, na Junta Comercial.

Na hipótese em questão, a empresa efetuou vários negócios com a instituição financeira, contraindo empréstimos através de contratos de capital de giro, comparecendo para assinatura desses contratos dois sócios, comprovando, com isso, comunhão com os interesses da sociedade.

A instituição financeira justificou a legalidade de suas atitudes, pelo fato de ter sido feita alteração contratual na empresa admitindo um sócio, para atuar conjunta ou individualmente em nome e nos interesses da sociedade.

Todavia, surgiu o confronto entre a procuração outorgada anteriormente a um sócio, para agir especialmente perante instituições bancárias somente em conjunto com o sócio-gerente, e cláusula do instrumento da primeira alteração contratual feita após outorgada a procuração ao referido procurador, admitindo-o como membro da sociedade, com a gerência sendo exercida por todos os sócios, em conjunto ou individualmente.

A Turma decidiu que, em relação a terceiros, a situação de fato, real prevalece sobre a falta do arquivamento da alteração social, e que a sociedade deve responder pelos atos de seu sócio aparente.

O vocábulo aparência deriva do latim apparentia e significa “aquilo que se mostra à primeira vista, o aspecto exterior”; “probabilidade, exterioridade, ilusória” (Dicionário Lello Universal).

A aparência implica a existência de duas realidades, uma realidade exterior e outra realidade interior, e a aparência no direito se dá quando por meio de um fenômeno parece real aquilo que é irreal.

Os tribunais pátrios já vinham decidindo há algum tempo que se alguém, sem ter recebido poderes para tanto, age em nome de uma sociedade como se fora seu administrador, sem qualquer oposição da sociedade, esta responde pelos atos do falso diretor, ou falso gerente.

Isto se o falso administrador se comportar aos olhos de todos e para com terceiros como se realmente estivesse a exercer, por título legítimo, a administração da sociedade. Evidentemente, torna-se necessário que o comportamento do falso administrador incite o de terceiros, levando-os à crença de que tratam com alguém que exerce legitimamente a função.

O artigo 1.174 do atual Código Civil dá plena aplicação à teoria da aparência, segundo a qual presume-se competente para a prática do ato a pessoa que o praticou, exceto se houver prova em contrário.

Segundo esse dispositivo do Código Civil, as limitações contidas na outorga de poderes, para serem opostas a terceiros, dependem do arquivamento no registro competente, salvo se provado serem conhecidas da pessoa que tratou com o gerente.

A decisão da Turma inovou ao acolher a oposição de alteração de contrato social não arquivado na Junta Comercial perante os demais quotistas da sociedade, tendo em vista a sua utilização para lesar terceiros estranhos ao quadro social.

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Renata Soares Leal Ferrarezi é advogada especializada em imposto de renda e consultora da Verbanet

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