A restrição ao uso da Internet é um assunto que vem sendo debatido em quase todos os países ocidentais. Nos Estados Unidos, desde o Patriot Act, o uso da Internet vem sendo monitorado com o objetivo de identificar qualquer relação com práticas criminosas e incitação a atos terroristas.
No Brasil, a prática de crimes via Internet não tem por finalidade fomentar o terror fundamentalista, e sim disseminar o medo de um terror urbano. Para combater esta prática, está para ser votado pelo Senado um projeto de lei que propõe o monitoramento do uso privado da Internet.
Pelo projeto, além do controle a ser exercido pelos técnicos de Tecnologia de Informação, os provedores passariam a ter o dever de informar à polícia e ao Ministério Público as condutas consideradas suspeitas dos usuários. Frise-se que os provedores são entidades privadas, que passam a exercer o controle do uso da Internet, assumindo, assim, uma função pública e custos enormes.
Nesse aspecto, o projeto de lei infringe textualmente as garantias constitucionais da privacidade e do acesso à informação. A criminalidade que invade a intimidade, os lares, invade indiscriminadamente também os PCs. Tal circunstância, que a muitos parece ser fruto de descontrole estatal, pode vir a autorizar uma conduta repressiva exacerbada por parte do Legislativo, que desconsidera o uso pacífico e informativo da Internet, caracterizando-a como arma potencial.
O uso particular da Internet passaria a ter seu monitoramento autorizado em nome da defesa da segurança de uma coletividade ameaçada. Os direitos fundamentais, tais como a privacidade e a informação, passam a ser sopesados diante de outro direito fundamental, que é a segurança pública.
Parece-me que o mais correto é garantir a privacidade e a informação ampla e democrática pela internet, combatendo-se a criminalidade com outros meios menos restritivos das liberdades públicas. Não se deve impor ao sujeito privado —vítima potencial da criminalidade urbana— o controle, ainda que indireto, do uso da Internet, por meio de mensagens, transações e acesso a informações.
O sopesar de valores, como quer parte da doutrina constitucionalista, assimila direitos distintos, que têm conteúdo, titulares e formas de efetivação distintas. O direito coletivo à segurança pública, deve ser realizado pelo Estado por meio de controle judicial adequado, que utiliza o monitoramento eletrônico somente como meio de prova.
A privacidade e o direito ao acesso à informação, por outro lado, são direitos individuais garantidos constitucionalmente, e não podem ser restringidos indistintamente. Como são direitos pertencentes a cada um, só podem ser limitados diante de situação concreta, desde que autorizada a exceção pelo órgão judiciário competente em cotejo com as circunstâncias fáticas do caso.
Senão, estaria de volta o controle público irrestrito dos atos privados, o que conduz à negação dos postulados insertos na Constituição, que protege e garante os direitos individuais.
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Brunela Vincenzi é advogada de Demarest e Almeida, com doutorado em direito civil pela universidade Johann Wolfgang Goethe, de Frankfurt (Alemanha)