História de Sucesso – Damásio de Jesus

Nos tempos de faculdade, queria ser Juiz de Direito. Tanto que, na porta interna do guarda-roupa do quarto 31 do antigo Hotel Tapajós, hoje Terra Branca, no primeiro quarteirão da Av. Rodrigues Alves, em Bauru, onde morei por alguns anos, escrevi um pensamento sobre o meu ideal de ser Juiz de Direito, que esperava um dia transformar-se em realidade. Esse guarda-roupa ainda existe e foi adquirido, juntamente com todas as velhas mobílias do quarto (até a pia), pela minha filha Rosângela: pretende, no Complexo Jurídico Damásio de Jesus, montar uma sala de recordações. Apagada pelo tempo, lá ainda está a velha mensagem do meu sonho de estudante: “Serei Juiz de Direito”.

Em Bauru, morei em outros lugares: Pensão Excelsior, casa de aluguel, residência do Tiburcio de Matos etc.

Sempre estudei muito. Não havia diferença entre sábados, domingos e feriados. Quem passasse pelo hotel, de sábado para domingo, às 2 horas, veria uma luz de quarto acesa. Era eu estudando as Instituições de Direito Penal, de Basileu Garcia. Os colegas, que chegavam de madrugada de suas aventuras, diziam que eu estava desperdiçando a vida: só um louco, de sábado para domingo, fica estudando preso no quarto. Mas eu sabia que, para tornar-me alguém na vida, era preciso, naquelas madrugadas, ser um humilde e desconhecido estudante.

Há muitas histórias e lendas a respeito, algumas, verdadeiras; outras, não. Contou-me um colega do Ministério Público mais estas: que, na pensão, eu ia ao banheiro com a Revista dos Tribunais; trabalhando de dia e estudando à noite, nas madrugadas de frio, para não dormir, punha os pés numa bacia de água gelada. Consta que peguei algumas pneumonias…

No segundo ano da faculdade, meu pai comprou para mim parte da coleção da Revista dos Tribunais. No começo, não entendia nada. Com o estudo, pouco a pouco, fui entendendo a parte processual e de mérito dos acórdãos. No quinto ano, já entendia tudo.

Minha família morava em Marília, para onde eu ia nas férias da faculdade. Lá, conheci um grande advogado, Dr. Carlos Mastrofrancisco. Emprestou-me livros e revistas, que eu devorava com avidez. Sou-lhe grato.

Estudava mais as matérias importantes no Concurso da Magistratura. Pela ordem: Processo Civil, Civil, Processo Penal, Penal, Constitucional e Administrativo. As outras, estudava para passar. Com média 7, passava-se de ano sem exames finais. Por isso, cuidava de obter 7 em todas as matérias. Não fazendo exames finais (última prova e orais), sobrava-me mais tempo para estudar as matérias de relevância.

Um dia, passando pelo Foto Cabreúva, conheci uma morena muito bonita chamada Neuza. Ela, disfarçando arrumar coisas no ateliê – eu soube depois –, gostou daquele estudante de Direito que era a favor do casamento e discutia a respeito de divórcio e desquite. Eu a vi como a morena mais linda que já tinha encontrado em minha vida. Marcamos um encontro para a mesma noite. Foi o começo de uma longa história, calcada nas sólidas bases morais da bela família que construímos.

Formei-me e fiquei aguardando o edital do concurso no Diário Oficial. Ia todos os dias, religiosamente, ao Cartório do Sílvio Telles Nunes, mas eis que tive uma surpresa: a Lei do Interstício, exigindo, para concurso de Juiz de Direito, dois anos de exercício como advogado. Não os tinha. Procurei o Dr. Sílvio Marques Júnior, Promotor de Justiça e meu Professor de Introdução à Ciência do Direito, narrando-lhe meu infortúnio. Aconselhou-me a ingressar no Ministério Público, que não exigia o biênio, e, passados dois anos, tentar o meu sonho: a Magistratura.

Eu, que sabia mais Civil e Processo Civil, tive de estudar a fundo Penal e Processo Penal. Disseram-me, então, que havia uma obra nova com matérias que os autores clássicos, como Nélson Hungria, Magalhães Noronha e Basileu Garcia, não tratavam: Curso de Direito Penal, de José Frederico Marques. Estudei, pela primeira vez, tipicidade e tipo, especialmente a classificação dos elementos do tipo: objetivos, normativos e subjetivos. Enfrentei os elementos subjetivos do injusto. No Processo Penal, tomei emprestada uma revista de um advogado, a Revista de Processo, que trazia um artigo sobre a correlação entre a acusação e a sentença criminal.

Editais do concurso do Ministério Público: 20 vagas. Havia 10 interinos. Sobravam 10. Inscrevi-me e fui à luta. Prova escrita. Dissertação: Da correlação entre a acusação e a sentença! Uma das perguntas de Direito Penal: Conceito de elementos subjetivos e normativos do tipo! Nem era preciso fazer a prova. Já era Promotor de Justiça! Vontade de me levantar e perguntar ao fiscal da prova: “Qual é a minha comarca?”.

Fui aprovado e gostei do Ministério Público, onde fiquei por 26 anos: Itu, Igarapava, Lençóis Paulista, Bariri, Pirajuí, Bauru e São Paulo. Havia sido seduzido pela Magistratura e acabei me casando com a Promotoria.

Quando estava em Lençóis Paulista, fui convidado para ser Assistente de Direito Penal de José Frederico Marques. Um grande orgulho para os meus 27 anos de idade. Aprofundei-me no Direito Penal. Um motivo a mais para ficar no Ministério Público.

Não realizei meu antigo sonho de ser Juiz de Direito, mas tenho participado do ingresso de muitos candidatos na Magistratura.

Quer ser aprovado no concurso? Quer ser Juiz de Direito? Então faça, neste instante, uma opção de vida. A partir de agora, não há mais diferença entre dias comuns, sábados, domingos, feriados, Semana Santa, Carnaval, Semana da Pátria, Natal, 1.º de Ano, festinhas de sextas-feiras à noite, praia etc. Reduza o tempo de namoro, noivado, esporte, visitas, passeios etc. Em Bauru, nos meus tempos de estudo, noivo de Neuza, nosso namoro de sábado à noite era das 19 às 21 horas. Terminado o tempo regulamentar, era “beijinho, beijinho, tchau, tchau”. E lá ia o Damásio, da Av. Rodrigues Alves, n. 5-29, até o quarto 31 do Hotel Tapajós estudar o Basileu Garcia.

Estabeleça dois planos, de vida e de estudo, conjugados num só. Planifique seus dias, semanas e meses. Coloque no papel as matérias que já estudou e as que ainda precisa estudar. Não perca tempo. Dê maior carga horária de estudo às matérias que sabe menos. Estude mais Processo Civil, Civil, Processo Penal, Penal, Constitucional e Administrativo. Não descure das demais disciplinas.

O plano de estudo depende de sua disponibilidade: estabeleça-o de acordo com as suas condições de tempo, trabalho etc. Se você só estuda, o plano é um; se trabalha e estuda, é outro. O seu plano pode ser para seis meses, um ano, dois anos… depende.

Atente para o Português. O que mais reprova não é Processo Civil ou Civil. É o Português. Quantos bons alunos já tive que não superavam o escrito, tendo eu descoberto que era por causa da redação. No Ministério Público, quantas vezes examinadores já me disseram: “Damásio, tecnicamente a prova dele é excelente, mas veja a redação. Como podemos mandar esse rapaz para uma comarca? Já imaginou como serão suas denúncias, petições e alegações?”.

Seja organizado. Arrume a sala ou quarto onde estuda: a mesa, a cadeira, a direção da luz, o lápis e a caneta, o livro, os códigos e a régua. Tudo é importante. A cadeira, por exemplo. Se não for confortável, meses de estudo o levarão a ter problemas nas costas. Não fume. Perde-se muito tempo tomando conta da “bituca”.

Avise a família e os amigos: “Estou mudando o ritmo de minha vida. Quero que me compreendam e me ajudem”. Se não avisar e alterar repentinamente o modo de vida, vão dizer que ficou louco.

Seja humilde. Vou lhe contar duas pequenas histórias.

Há algum tempo, da fila para conseguir vaga em um curso preparatório, saiu um advogado e procurou o coordenador: “Esta fila é humilhante. Sou advogado conhecido em São Paulo e não vou me sujeitar a ficar nela. Ou me arranja uma vaga ou vou embora”. Ele foi embora. Naquela época, ficar na fila era o primeiro ato de humildade dos vitoriosos.

Um aluno me contou o seguinte fato: “Professor, um dia, procurei alguém e lhe pedi conselho e orientação: ‘Que devo fazer para ser Promotor de Justiça?’ E aquela pessoa me respondeu: ‘Vá para casa. Você está ‘condenado à cadeirinha’, com muita humildade, por dois anos.’ Pedi-lhe explicação. ‘ ‘Condenado à cadeirinha’? Que é isso?’ E veio a resposta: ‘Você não estuda num quarto ou numa sala? Não tem uma cadeira? Se quer ser Promotor, vá já para casa e, com muita humildade, estude. Daqui a dois anos, será Promotor.’ ” E o aluno prosseguiu: “Aquela pessoa era o Senhor, Prof. Damásio, e o fato ocorreu há dois anos e meio. Cumpri a ‘condenação’. Na próxima semana, sairá o resultado do concurso do Ministério Público de São Paulo. Eis o meu nome”, disse-me ele, entregando-me um papel com seu nome. “Estarei na lista dos aprovados.” E estava.

Estudar é “andar de caranguejo”. Não é só para frente. É para frente e para trás: estudar matérias novas e recordar as já estudadas. Faça um mapa com as matérias que já viu e das que precisa ver. Se você estuda “posse” hoje, daqui a seis meses, já esqueceu tudo. É necessário recordação constante.

Estudar quantas horas por dia?

Uma vez, perguntei a um velho Professor dos meus tempos de faculdade: “Que devo dizer aos meus alunos para que sejam aprovados nos concursos?”. “O que nós dois fizemos, Damásio, estudar, pelo menos durante seis meses, 24 horas por dia”, respondeu-me. “24 horas de estudo por dia” é maneira de dizer. Ele pretendia sugerir: durante pelo menos seis meses, “dê tudo de si”, “estude o máximo que puder”.

Como estudar?

Prefiro perguntas e respostas. Use régua e caneta ou lápis. Leia e sublinhe só o mais importante. Alguns autores colocam a questão e passam páginas e páginas demonstrando a sua posição quanto à resposta. Leia tudo isso apenas uma vez, meditando e guardando na memória. Depois, anote um número ao lado da questão. No rodapé da página, coloque o mesmo número e faça a pergunta. Quando for recordar a matéria, não será preciso ler o livro inteiro. Procure responder às perguntas numeradas. Não sabendo alguma, veja a resposta no número superior respectivo.

Em que livros estudar?

Aqui, você precisa de auxílio: alguém que conheça os concursos e saiba quais os autores preferidos. Em cada disciplina, há um autor (ou dois) que geralmente é o preferido de todas as comissões examinadoras. Certa vez, um aluno me consultou sobre uma coleção que havia comprado para estudar. Naquela altura, a coleção já tinha 55 volumes. Eu lhe disse: “Ninguém faz pergunta abrindo esses livros. Com eles, você poderá estudar 20 anos sem passar nos concursos”.

Não se espante com a quantidade de pontos que são publicados nos editais dos concursos. Daquilo, só caem 30%. Quer dizer que não é preciso estudar páginas e páginas dos pontos da relação de matéria? Isso mesmo, só 30%, mas como saber quais são os 30%?

Em primeiro lugar, estude os temas que estão em evidência em determinado momento. Em cada época, sempre existem matérias que estão sendo mais discutidas: divórcio, união estável, reforma do Código de Processo Civil, Código de Trânsito etc. Esses temas são de preferência do examinador, especialmente no oral. E há as novidades, como domínio do fato no concurso de pessoas, teoria do bem jurídico, princípio da insignificância, imputação objetiva etc.

Depois, pesquise a própria “preferência do examinador”. Procure saber se leciona, qual a matéria, do que ele mais gosta, se indica livro, se tem apostilas. Converse com os alunos dele: prefere a teoria clássica ou a finalista; é Barros Monteiro ou Sílvio Rodrigues? Certa vez, o examinador de Direito Civil do Concurso da Magistratura de São Paulo, ilustre Desembargador, lecionava em Sorocaba. Mandei alguém investigá-lo na Faculdade. Descobrimos que tinha preferência por certos pontos, inclusive divórcio e concubinato. Pedi ao meu Professor que, disfarçadamente, três dias antes da prova escrita, revisasse esses temas. Domingo, dia da prova, dissertação: Do concubinato.

Veja como a preferência funciona.

Leciono Direito Penal. Há alguns temas de minha preferência: tipicidade, erro de tipo e de proibição, dolo, elementos normativos do tipo, prescrição etc. E há pontos que não motivam as aulas, embora importantes: medidas de segurança, reabilitação, efeitos da condenação etc. Suponha-se que eu fosse examinador: pediria medidas de segurança na dissertação? Claro que não. Se houvesse 300 candidatos, teria que corrigir 300 provas sobre medidas de segurança! Se você fosse candidato e eu, examinador, deveria estudar erro de tipo, imputação objetiva, prescrição etc.

Não faça o primeiro concurso que aparecer. Alguns dizem que sabem que não vão ser aprovados; querem fazer o exame “só para ver como é”. Não aconselho. Não acredito que alguém goste de colecionar derrotas. É possível que objetivamente estejam dizendo “não faz mal, eu sabia que não ia passar” e seu subconsciente anote a derrota.

Recomendo aos meus alunos que aguardem o seu “momento histórico”: dia em que, abrindo a prova, você encontre a dissertação que estudou, a pergunta que viu, o tema que o Professor deu em aula… É quando surge aquela vontade de perguntar para o fiscal da prova: “Qual é a minha comarca?”.

Não já. Agora você precisa estudar para o concurso, mas, quando ingressar na carreira, não se esqueça de duas coisas: Inglês e Informática. São imprescindíveis para quem quer crescer. E, podendo, faça pós-graduação.

Nunca desista. Quem bate à porta da Magistratura, e ela não se abre, e continua batendo, “quer ser Juiz de Direito”. Quem bate uma vez, ela não se abre, e desiste: nunca quis ser Juiz de Direito. Nos concursos, “não há antecedentes”. A circunstância de prestar vários concursos não pesa contra o candidato. Ao contrário, revela seu ideal. Às vezes, a vitória está próxima, e o candidato não sabe. Vou-lhe contar duas outras histórias.

Um aluno de Rondônia, há alguns anos, no final de novembro, veio despedir-se de mim: “Fiz dois concursos este ano, Professor, e não passei. Estou voltando para casa. Vou desistir”. “Quero vê-lo novamente aqui em fevereiro do próximo ano. É uma ordem”, disse. Voltou. No final de novembro, novamente: “Professor, não deu. Fiz provas em três concursos e não passei. Estou desistindo”. “Não, senhor. Prossiga. Quero vê-lo no próximo ano, em fevereiro, no começo das aulas”, insisti. Em outubro, procurou-me: “Professor, sou Juiz de Direito em Rondônia! Se não fosse a sua insistência, teria desistido no primeiro fracasso”.

Certa vez, um nadador se pôs a atravessar o Canal da Mancha. Saindo de Calais, na França, na direção de Dover, na Inglaterra, faltavam-lhe apenas algumas centenas de metros para chegar à praia quando, sentindo-se cansado, voltou para a França… nadando. Não desista. É possível que lhe estejam faltando apenas algumas poucas centenas de metros para alcançar a sua aprovação.

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[1] Texto publicado originalmente em Temas de Direito Criminal – 1.ª série. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 82.

Fonte: www.damasio.com.br

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