Em 1995, foi editada a Lei 9.099, com o objetivo de simplificar alguns procedimentos judiciais, tornando a prestação jurisdicional mais célere e mais eficiente, alcançando todas as classes sociais, especialmente, as menos abastadas, cuja complexidade da causa seja simples.
Nesse enfoque, vários princípios processuais e constitucionais inerentes a Justiça Federal e Estadual foram observados e seguidos veementemente pelos Juizados Especiais, como não poderia ser diferente.
Não obstante, tenho observado na prática uma situação deveras adversa e diametralmente oposta.
E isto tem ocorrido em casos onde o credor busca reconhecimento de um crédito comercial outrora violado, contudo, apresentando uma simples deficiência em sua constituição. Explico.
Vamos supor que uma empresa A, de pequeno porte, como inúmeras neste país, vende um produto “y” ao comprador B e ajustam um preço pela aquisição do produto no valor de R$ 100,00 (cem reais).
Então, no dia da compra, o comprador B leva o produto, não assina absolutamente nada, face muitas vezes a amizade entre um vendedor da empresa A e o comprador B, e fica ajustado que o prazo de pagamento será de 30 (trinta) dias, oportunidade em que o comprador B irá até a loja efetuar o pagamento em dinheiro, sem contudo haver a emissão da nota fiscal. Mesmo sem a existência de um contrato assinado entre as partes e a emissão de uma nota fiscal, o contrato verbal de compra e venda está perfeito e acabado.
Nesta trilha, no dia aprazado, o comprador B não se dirige ao estabelecimento comercial da vendedora A e instado a tanto, através de notificação extrajudicial, deixa de pagar em momento oportuno.
Pois bem, diante do não pagamento, não resta outra alternativa à empresa A, empresa de pequeno porte, senão bater as portas do Poder Judiciário para tentar receber seu crédito de valor baixíssimo.
Neste caso específico, a credora A ajuíza uma reclamação contra o devedor B perante o Juizado Especial, utilizando apenas a notificação extrajudicial como documento hábil para instruir o feito, solicitando também a produção da prova testemunhal.
Seguindo os trâmites processuais, para surpresa da autora da ação e credora, ao receber a petição inicial o Magistrado exige a juntada aos autos da nota fiscal e após informada de sua inexistência, pela credora A, extingue o processo por inépcia da inicial, vez que a empresa de pequeno porte não colacionou aos autos com a inicial a nota fiscal que comprovaria a existência de uma compra e venda mercantil.
Vejam caros leitores que tal situação, numa visão superficial, parece correta, vez que a prova da compra e venda mercantil se demonstra através de nota fiscal e emissão da duplicata mercantil. Mas não parece ser a análise mais adequada e tampouco a nota fiscal é a única prova da dita operação mercantil.
Não há na Lei 5.474, de 18 de julho de 1968, menção alguma acerca de ser a única forma de provar a operação de compra e venda mercantil a emissão de nota fiscal.
Neste ponto, devem prevalecer o bom senso e as regras de hermenêutica jurídica, dependendo dos valores em litígio.
Ademais, vejamos o que dispõe os artigos 32 da Lei 9.099/95 e artigo 401 do Código de Processo Civil de 1973, respectivamente:
“art. 32) Todos os meios de prova moralmente legítimos, ainda que não especificados em lei, são hábeis para provar a veracidade dos fatos alegados pelas partes.”
“art. 401) A prova exclusivamente testemunhal só se admite nos contratos cujo valor não exceda o décuplo do maior salário mínimo vigente no país, ao tempo em que foram celebrados.”
Nem se alegue a existência do artigo 400, inciso II do Código de Processo Civil, que fala da impossibilidade da utilização da prova exclusivamente testemunhal nos casos expressos em lei, porque, simplesmente, como já dito acima, não há menção na Lei 5.474/68, que a única forma de se provar uma operação de compra e venda mercantil é com a emissão da nota fiscal.
Vale observar que determinada decisão em nada contribui para a melhor solução dos litígios e para a busca da verdade real, apenas servindo para tornar ainda mais difícil a vida das empresas de pequeno porte ou microempresas neste país, bem como fomentar a ação malévola dos maus pagadores.
Sob esta ótica, creio que a decisão que extingue o processo sem resolução do mérito, sob a batuta da não emissão da nota fiscal, é completamente equivocada, pelos seguintes motivos:
1º) se o reclamado for regularmente citado e não comparecer em audiência, não se defender e não pagar a dívida, é evidente sua revelia e a procedência da reclamação;
2º) se trata de matéria de direito disponível e direito privado, cabendo a parte contrária argumentar tal desiderato, no caso, o devedor;
3º) não é condição de procedibilidade para se ingressar com reclamação no Juizado Especial, a apresentação da nota fiscal, face a possibilidade da comprovação dos negócios jurídicos através de outros meios legais e idôneos;
4º) há outros meios de prova que podem ser perfeitamente produzidos (art. 401 do CPC e art. 32 da Lei 9.099/95), especialmente a produção da prova testemunhal, máxime em casos cujo valor da causa é baixíssimo e permitido pelo Juizado Especial (art. 3º, inciso I da Lei 9.099/95);
5º) a exigência de nota fiscal é atribuição do Fisco Estadual ou Fisco Federal, dependendo do caso, e não do Poder Judiciário em casos desse jaez, e
6º) exigir a juntada da nota fiscal em casos como o alinhado acima, seria o mesmo que ceifar o Livre Acesso ao Poder Judiciário, Cercear o Direito de Defesa da parte lesada, no caso, a credora, que está apenas tentando buscar seus direitos da maneira mais correta, legal e justa possível, bem como agredir os Princípios da Informalidade e Simplicidade.
Até mesmo quando há emissão de cheque em favor da credora A pelo devedor B, mesmo sem emissão de nota fiscal, numa eventual execução de título extrajudicial lastreado no cheque (art. 585 CPC), perante o Juizado Especial (art. 3º, §1º, II da Lei 9.099/95), não anda bem o Magistrado que extingue o processo sem resolução do mérito, pelos mesmos motivos retratados acima, com a agravante de que se trata de obrigação líquida, certa e exigível.
De outra banda, quero salientar que a prova testemunhal não é irrefutável, face sua fragilidade na comprovação das relações comerciais, que normalmente devem ser demonstradas através de documentos. Assim, cabe a parte contrária, ou seja, o devedor, no processo em questão, também produzir tantas provas quanto sejam necessárias, visando destruir a prova testemunhal produzida pela parte credora, haja vista o Princípio do Contraditório e da Segurança Jurídica.
Portanto, a prova unicamente testemunhal, apesar de frágil, pode se tornar indiscutível no decorrer do processo, e, por conseguinte, é perfeitamente cabível no Juizado Especial para cobrança de créditos comerciais, nos moldes descritos pelo artigo 3º, inciso I e §1º, inciso II e artigo 32 da Lei 9.099/95, bem como o artigo 401 do Código de Processo Civil, servindo até mesmo como prova única para comprovação cabal e contundente da existência de um negócio mercantil realizado entre as partes e o não pagamento por parte do devedor, sendo absolutamente injusta e improdutiva a sentença que extingue o processo sem resolução do mérito com base tão única e exclusivamente na não emissão da nota fiscal.
Éderson Ribas Basso e Silva é advogado na cidade de Umuarama-PR