por MARIA CLARA CABRAL
A votação de uma medida provisória na Câmara, na semana passada, é um caso de estudo exemplar sobre o rito legislativo brasileiro. O que deveria ser decidido com calma, debate e muito estudo foi analisado em cima da hora, com deputados ignorando meses de tramitação e recorrendo à famosa “canetada” para subverter o espírito original da lei.
A MP 451, que muda as alíquotas do Imposto de Renda, foi efetivamente analisada a partir de um texto rabiscado a caneta. Na discussão da última semana, o relator da MP, deputado João Leão (PP-BA), fez quatro modificações em plenário, após ter entregue seu texto final. Em uma delas, acatou uma emenda à MP, que tinha sido considerada “incompatível” financeiramente. Minutos depois, ela foi retirada do texto.
A emenda tratava da isenção do PIS/Cofins para comerciantes de bicicletas, apesar de a MP dispor sobre o IR e o DPVAT (seguro obrigatório pago por donos de carros). Leão se defende: “Se existe uma medida provisória que foi discutida nesta Casa é a de número 451. Estivemos conversando com os deputados sobre as diversas matérias incluídas”.
Diante das modificações, a oposição conseguiu fazer manobras regimentais e adiar a votação para esta semana. Em alguns casos, não acontece o mesmo e nem os deputados sabem o que estão votando.
Um exemplo emblemático aconteceu no fim de 2008. Na pressa para votar o projeto sobre cotas em universidades no Dia Nacional da Consciência Negra, 20 de novembro, os deputados aprovaram o texto sem saber o que votavam. Nem o relator da proposta, Carlos Abicalil (PT-MT), soube explicar na época se a versão final obrigava o cotista a fazer vestibular. Os deputados aprovaram o projeto modificado com manuscritos e o texto seguiu para o Senado, onde aguarda para ser votado.
“Acordo finais fazem parte de toda votação. [As modificações] confundem apenas se os deputados estiverem sem ler”, disse o líder do PT, deputado Cândido Vaccarezza (SP).
O presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), não concorda. Na discussão da última semana, ele disse que era preciso “organizar esse jogo”. “Não é possível que durante a votação se façam as mais variadas alterações. Digo isso porque precisamos organizar nossos trabalhos.”
Para tentar controlar as mudanças de última hora, Temer determinou que relatores de MPs apresentem a versão final do texto dez dias antes do trancamento de pauta. “Vez ou outra, alguns acordos se fazem no plenário, mas não é possível fazer um acordo global aqui”, disse.