Por Rubens Naves e Eduardo Pannunzio
O presidente Lula encaminhou ao Supremo Tribunal Federal, no último mês de abril, um pedido de preferência no julgamento da constitucionalidade da Lei das Organizações Sociais (Lei 9.637/98). A atitude do presidente, deixando para trás falsos embates ideológicos que por tanto tempo contaminaram a discussão do modelo das organizações sociais (OS), é um raro exemplo de pragmatismo saudável no exercício do poder político.
De fato. Um dos avanços mais notáveis da sociedade brasileira, a partir da década de 1990, deu-se com a construção de um consenso sobre a importância de um ambiente economicamente estável para o desenvolvimento do país.
Ficou evidente, após sucessivos fracassos governamentais, que, sem referências claras e certas para balizar a atuação dos atores econômicos – a começar pelo valor da moeda-, seria muito difícil expandir investimentos ou promover uma melhor distribuição de renda, por exemplo. Infelizmente, contudo, esse consenso parece ser ainda restrito ao campo econômico. Na esfera social, a lógica que predomina é a da incerteza quanto às regras do jogo.
Isso ocorre em razão de dois movimentos complementares: de um lado, a existência de uma legislação confusa, contraditória e que está sempre sujeita a alterações a toque de caixa; de outro, a interpretação divergente e muitas vezes cambiante por parte dos órgãos responsáveis pela aplicação dessa mesma legislação.
Nesse cenário, em que a lei diz uma coisa e o intérprete pode dizer outra, os atores sociais (gestores públicos e organizações da sociedade civil) ficam sem saber o comportamento que deles se espera, à mercê de surpresas jurídicas de toda ordem. Isso tem um custo para a sociedade.
Assim como ocorre na economia, na área social investimentos também são prejudicados ou até mesmo paralisados diante de um ambiente instável. Em um país com tamanho déficit social como o nosso, não se pode tolerar esse estado de coisas.
Uma das principais frentes em que se exige a superação desse cenário é a das organizações sociais. Verdadeiros espaços institucionais de articulação entre Estado e sociedade civil, mobilizando o que há de melhor em termos de expertise, competência e legitimidade de um e de outro, as OS são a principal inovação, na última década, no sentido de prover a população de serviços públicos com mais qualidade e agilidade.
Não é por outra razão que o modelo vem sendo adotado, com indiscutível sucesso, tanto pelo governo federal quanto por Estados e municípios, principalmente nas áreas de ciência e tecnologia, saúde e cultura. No entanto, nem mesmo uma iniciativa tão importante como essa está imune à instabilidade reinante na área social. Devido ao fato de romper com paradigmas já superados, o modelo das OS é alvo de frequentes questionamentos. O principal deles refere-se a uma ação direta de inconstitucionalidade que tramita sem julgamento final, há mais de dez anos, no Supremo Tribunal Federal.
Em 2007, o Supremo proferiu uma decisão provisória que manteve a vigência da Lei das OS, reforçando assim a sua constitucionalidade. Entretanto, a circunstância de a corte ainda não ter emitido o seu juízo final é, por vezes, utilizada por alguns como escusa para proclamar a “inconstitucionalidade” do modelo ou para defender uma “leitura cautelosa” da lei – o que, na prática, implica esvaziar o significado de várias de suas disposições.
Sensível aos prejuízos sociais que essa situação acarreta, o presidente Lula enviou ao STF o pedido de preferência no julgamento da ação. Isso, somado ao fato de o Ministério Público, após permanecer por um ano e meio com os autos, ter finalmente apresentado parecer em que registra a viabilidade constitucional do modelo, abre uma perspectiva favorável ao desfecho da ação.
Temos a convicção de que o STF atenderá ao apelo do presidente da República, decidindo de uma vez por todas pela constitucionalidade da Lei das OS. Teremos, assim, dado um passo fundamental para uma cultura de segurança jurídica também na área social.