POLÍCIA: Ordem, Fraternidade e Interatividade para a Paz Social.

Por Archimedes Marques

Dentro de um País em que a sociedade clama por uma Segurança Pública mais eficaz e mais presente, nota-se que os organismos estatais sentem-se impotentes e incapazes para debelar a crescente onda de violência que assola todos os lugares.
A Polícia como figura principal encarregada de manter a ordem publica para a conseqüente prestação da paz social precisa da conscientização e cooperação de toda a sociedade para alcançar os seus objetivos, entretanto, entende-se perfeitamente que o povo, na sua maioria, ainda tem a Polícia como se fosse então essa instituição a única responsável pelo assolamento da violência no país. Como se fosse então a principal responsável pelo recrudescimento da criminalidade. Como se fosse então a Toda Poderosa, Onipotente e Onipresente para estar em todos os lugares a todo o momento a fim de evitar ou descobrir crimes como num passe de mágica.
Do Policial o povo exige e espera sempre ações corretas e adequadas. Do Policial a sociedade cobra atos primorosos. Do Policial a comunidade quer um ser perfeito. Do Policial todos primam por decisões rápidas e justas. Do Policial a população não aceita erros, nem sequer culposo.
Nesse sentido é acolhido o pensamento do Cel. JOSE VICENTE DA SILVA quando de um dos seus textos publicado no Jornal da Tarde: “Nenhuma atividade humana lida tanto com o lado mais difícil do ser humano, em suas mais grotescas expressões e seus piores sofrimentos. Ao lado dos riscos, tanto físicos como de comprometimento funcional nas dezenas de complexas decisões instantâneas de seu dia-a-dia, o policial precisa sufocar seus sentimentos pessoais de medo, raiva e nojo para cuidar da paz na sociedade, protegendo vidas e propriedades. O ser humano que existe no policial, de quem se espera qualidades sobre-humanas, está sempre sujeito ao estresse e ao desencantamento com a sociedade, vivendo num mundo de violência e desrespeito a todas as normas que regulam a vida social.”
A violência que atinge ao povo atinge também a Polícia, o Governo. Atinge a toda a sociedade. Todos nós estamos nessa aflição!…
Buscando complementar as necessidades desta questão é de bom alvitre alinhavar o pensamento da colega policial MARISA DREYS, Inspetora da Polícia Rodoviária Federal do Rio de Janeiro, Mestranda em Antropologia, quando expressa num dos seus artigos: “É preciso ter em mente que a sociedade em que vivem os movimentos sociais é a mesma em que vivem os policiais. Não há “partes”: a paz e a vida com dignidade é o desejo de todos. Somos vizinhos, amigos, parentes, pais e mães no choro pela dor da perda dos entes queridos, vítimas da violência. Somos todos – negros, idosos, crianças, policiais, gays, lésbicas e outros grupos vulneráveis – seres humanos.”
Os antigos defendiam a paz como a tranqüilidade da ordem. A noção ainda hoje vale desde que haja acordo a respeito da ordem. Ordem, lei e disciplina.
A paz é a aspiração, o desejo fundamental do ser humano, entretanto só é atingida com a ordenação da potencialidade da sociedade e do poder público em torno do ideal digno de uma segurança justa, cooperativa e interativa. A paz deve estar em constante ação no seio da sociedade, de maneira duradoura, não fugaz.
A Lei entrega a Policia o poder do uso da força. Essa exclusividade da violência legal visa tão somente ajudar a regular as interações sociais e o que passa disso é excesso. Através desse poder legitimado e da função específica de manter a ordem pública, a sociedade espera da sua Polícia toda a proteção possível e até impossível, entretanto, pouco ou nada faz para ajudá-la.
O estudo das relações humanas constitui uma verdadeira ciência complementada por uma arte, a de se obter e conservar a cooperação e a confiança das partes envolvidas, por isso o apelo necessário de uma verdadeira interatividade entre a Polícia e a sociedade para melhor se combater a violência e a criminalidade reinante no país.
Mesmo com mais de vinte anos em vigor da atual Constituição que reza no seu artigo 144 que a segurança publica é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, sempre foi essa assertiva vista apenas como questão da Polícia. Cada Estado fazendo a sua Polícia com pouca participação e interferência do Governo Federal e nenhuma participação da Sociedade.
Agora que a violência e a criminalidade tomaram proporções imensuráveis englobando o País do Oiapoque ao Chuí, abre-se uma frente de perspectivas de melhoras. A preocupação da União, dos Estados e dos Municípios é constante. A própria sociedade já se mostra também interessada em por fim ao drama. Já existem inúmeros movimentos contra a violência.
Finalmente agora, depois de muito tempo, a sociedade atenta para essa grave problemática, entendendo-se enfim o verdadeiro sentido desse artigo constitucional e então não só os Governos estão a lutar pela segurança do povo. Diversos organismos não estatais da sociedade organizada já buscam alternativas para soluções adequadas desse item aterrador.
É com bons olhos que a Polícia vê os movimentos em prol da Segurança Publica crescerem e multiplicarem-se por todo o Brasil. Instituições diversas já somam esforços com a Polícia. É a mobilização da sociedade civil em busca de soluções pertinentes para combater o problema. O preceito constitucional de que a Segurança Pública é direito e responsabilidade de todos, finalmente já ganha terreno. Os Conselhos de Segurança dos Estados, das cidades, dos bairros, dos povoados crescem e se unem à Polícia. Organizações não governamentais multiplicam-se e ajudam a Polícia a evitar ou desvendar crimes. A Igreja Católica como uma dessas entidades do povo também procura fazer a sua parte.
A Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) que tem entre muitos atributos estudar assuntos de interesse comum para chegar a boas soluções de ajuda à coletividade resolveu de bom alvitre adotar a campanha com o tema “Fraternidade e Segurança Publica” cujo lema é “A Paz é Fruto da Justiça”.
Durante o ano por todo o Brasil vêm ocorrendo seminários, congressos e debates sobre a campanha com a participação do povo e das Autoridades constituídas, traçando os planos de ação e conscientização a serem aplicados com a conseqüente ajuda para todas as pessoas envolvidas para viverem a fraternidade em compromissos e gestos concretos no processo de mudança da sociedade para esse problema específico que atinge todas as classes.
A campanha, conforme o texto base da CNBB tem por objetivo primordial: “suscitar o debate sobre a Segurança Pública e contribuir para a promoção da cultura da paz nas pessoas, na família, na comunidade e na sociedade, a fim de que todos se empenhem efetivamente na construção da Justiça social que seja garantia de segurança para todos”.
“A paz buscada com o lema da campanha é a paz positiva, orientada por valores humanos como a solidariedade, a fraternidade, o respeito ao próximo e a mediação pacífica dos conflitos, e não a paz negativa, orientada pelo uso da força das armas.”
A Igreja Católica mostra assim, para o próprio bem de todos, que não se conforma com a realidade da violência em que se tornam vítimas pessoas e famílias inocentes, por isso lançou essa brilhante campanha que além de procurar conscientizar a sociedade para melhorias na área, ainda busca uma maior interatividade com a Polícia na sua tão árdua e difícil missão de manter a ordem pública.
A fraternidade é um conceito filosófico profundamente ligado às idéias de liberdade e igualdade configuradas nos princípios da revolução francesa, que serviram de parâmetro séculos depois para a Declaração Universal dos Direitos do Homem e em conseqüência, mais recentemente, para a nossa Constituição cidadã.
A fraternidade expressa a dignidade de todos os homens, considerados iguais e assegura-lhes plenos direitos sociais, políticos e individuais. A idéia
de fraternidade estabelece que o ser humano fez uma escolha consciente pela vida em sociedade e para tal conceitua junto ao seu semelhante uma relação de igualdade, visto que em essência não há nada que hierarquicamente os diferencie.
Com a chegada da nossa Constituição cidadã nasceu então a Polícia cidadã que preza também por atos fraternos a despeito do cidadão.
Entretanto, a fraternidade tão sonhada e esperada pela Igreja e pelos homens sensatos, continua distante de ser alcançada.
Nesse sentido, há de acolher-se o entender do Professor Emérito da UFS, ODILON CABRAL MACHADO, ao discorrer seu pensamento num dos seus textos recentemente publicado: “A fraternidade é um sonho, uma busca permanente, é uma conclamação apaziguadora do ser. Os homens, todos os homens, deveriam ser fraternos, se compreenderem e se tolerarem uns aos outros. (…) Tolerância deveria ser o grande mote norteador do agir humano desarrimado de armas e agressividades. No entanto a fraternidade, a convivência com o outro, este “outro” que nos desagrada, é difícil. Não fosse assim não existiriam os crimes torpes, não se veria o fratricídio e o ódio entre irmãos.”
A ordem no âmbito interno da segurança pública e a manutenção da ordem pública relacionadas à Polícia são essenciais e jamais podem ser desrespeitadas sob pena de geração do caos administrativo e social.
Não se pode imaginar a segurança pública sem ordem, disciplina, império da lei e eficiência do Estado em ação.
Não se pode imaginar a segurança pública com desordem e improvisação, muito menos com anarquia, desvirtuando a democracia.
Não se pode imaginar a ordem pública sem a participação ativa da segurança pública, sem a participação da Polícia.
No dizer do escritor JAVIER BARCELONA LOPP: “ A manutenção da ordem pública é essencial para a existência da sociedade e realização de seus objetivos. O Estado deve organizar e manter forças que estejam voltadas para a preservação da ordem pública, que expressa uma situação de tranqüilidade material, de ausência de perturbações. É um estado oposto a desordem, um estado de paz em que está ausente a perturbação”…
A atividade policial está voltada para a preservação da ordem pública, e se caracteriza pelo combate ao crime. Quando o Estado não consegue impedir a prática do ilícito, deve reprimi-lo, colhendo os elementos necessários para a propositura da ação penal. A ação da Polícia deve estar voltada para a defesa dos direitos do cidadão, mas isso não impede o uso legítimo da força que deve se afastar da arbitrariedade e do abuso.
Para concluir esse item é acolhido o entendimento do Juiz de Direito da Justiça Militar do Estado de Minas Gerais, PAULO TADEU RODRIGUES ROSA, quando de um artigo pertinente: “Os administrados devem confiar em suas forças policiais, que tem como missão a preservação da segurança pública e dos direitos e garantias fundamentais. Os agentes policiais devem estar preparados para exercerem suas funções respeitando os limites estabelecidos pela lei, afastando-se do uso indevido da força e da prática de atos ilegais. (…)
A sociedade precisa da atuação das forças policiais que devem estar preparadas para exercerem suas funções, respeitando o cidadão e sua dignidade. A força deve ser utilizada pelo Estado quando necessário, sem que isso signifique o desrespeito à lei, ou a prática do abuso do poder.”
O Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI) anda a passos largos com bons projetos na tentativa de minorar a problemática da violência no país, principalmente na área preventiva, sendo esse também, um dos objetivos da 1ª CONSEG.
O jornalista CLAUDIO BRITTO no seu texto intitulado opção pela paz, publicado recentemente no Jornal Zero Hora, expressa o seu entendimento quanto aos chamados Territórios de Paz, alicerçares do PRONASCI: “Vencido o modelo da repressão e superadas as repetidas “operações de guerra” nos morros cariocas, o Brasil escolheu a construção da paz como forma de enfrentar a criminalidade com melhores resultados. (…)
A opção pela paz também passa pelas polícias. Que terão recursos e projetos de articulação com ações sociais e de prevenção, sem esquecer da repressão, é claro. Esta, no entanto, na medida do indispensável, pois a prioridade será antecipar-se ao crime, evitá-lo.”
Defendendo a sua administração bem intencionada, o Ministro da Justiça, TARSO GENRO, explica as suas metas quanto ao tema preocupante da violência em ascensão num artigo pertinente, também publicado no Jornal Zero Hora: (…) “O papel do cidadão precisa ser potencializado, principalmente em relação a projetos de natureza preventiva… (…) é necessário combater o crime, a marginalidade, mas, sobretudo, desenvolver políticas para cortar as raízes alimentadoras e constitutivas do delito. Se o Brasil não tiver políticas de segurança pública que levem em conta ações sociais, o país corre o risco de caminhar, cada vez mais, para uma situação de barbárie crescente, pois as cidades serão apropriadas por aqueles que desejam substituir o Estado pelo crime organizado. Por esse motivo, é urgente valorizar o trabalho dos trabalhadores da segurança pública. Outra mudança de paradigma gerada pelo PRONASCI é o policiamento comunitário, uma filosofia de segurança pública baseada na interação constante entre a corporação policial e a população.”
As louváveis palavras do Ministro merecem aplausos, principalmente no que tange a questão de valorizar os trabalhadores da área da segurança publica e o resgate da Polícia comunitária que em vários Estados praticamente sucumbiu ou está em fase terminal. A Polícia comunitária é, sem sombras de dúvidas, a melhor forma de interatividade da sociedade com a Polícia.
Em destaque principal dessa preocupação com a problemática do aumento da violência, o Ministério da Justiça organizou a 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública (1ª CONSEG), que é um marco histórico na política nacional e que contará com a participação, além das forças instituídas, com o próprio povo para a efetivação da segurança pública como direito e responsabilidade de todos conforme estatui a Constituição Federal. O Fórum objetiva definir princípios e diretrizes que servirão de orientação para novos projetos e planos de ações específicas e efetivas na área de controle da violência.
A movimentação e a expectativa para formação de bons projetos é vivida pela sociedade. Os municípios, os Estados e diversas outras organizações estatais e não estatais se prepararam em etapas para esse grande evento do Governo Federal e espera-se com a sua concretização a colheita de bons frutos saindo da retórica para a realidade com a consolidação de uma séria política nacional para o setor de forma efetiva e concreta.
A questão salarial das Policias no Brasil é problema crucial para os governantes dado ao fato das desigualdades existentes entre as classes, entre as Instituições e entre os Estados. Neste item, é necessário que se criem mecanismos hábeis e haja vontade política em busca de soluções adequadas para o bem geral, vez que, a segurança pública é composta por um conjunto de Polícias, cada qual com as suas funções definidas na Constituição, mas que, todas elas se completam e se complementam para formar a força contra o crime em busca da sonhada paz social.
Felizmente agora, alguns dos Estados brasileiros já evoluíram percebendo que a valorização da Polícia assegura meios para uma melhor prestação de serviços à sociedade.
Falando técnica e verdadeiramente, sem qualquer cunho político, verifica-se perfeitamente que o Estado de Sergipe, o menor da nação brasileira, é exemplo vivo dessa evolução. O Governo vem dando claras mostras do relevo que se credita à segurança pública. A Polícia estadual, como um todo, vem sendo representada gradativamente com investimento de forma efetiva na
estruturação orgânica, material e, fundamentalmente, humana nas suas instituições, o que motiva cada vez mais todos os seus componentes a trabalhar cada dia com mais afinco, contudo, devido ao descaso passado de décadas à fio, muito ainda falta para se chegar ao ideal, principalmente no que tange às instalações físicas e condições de trabalho das delegacias do interior do Estado que estão em verdadeiras ruínas.
Em contrapartida, quanto a questão salarial, vemos com tristeza os Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, dentre outros grandes centros, donos das maiores e mais importantes capitais do país, locais onde imperam os grandes traficantes de drogas, colegas profissionais da área de segurança pública desmotivados financeiramente, estando entre os piores salários do país, fazendo assim com que cresça, além da violência urbana, a violência policial e o conseqüente índice de corrupção no âmbito das corporações policiais.
Partindo do princípio de que as Policias são formadas por grupos da própria sociedade… De que a Polícia continua trabalhando com ordem e defendendo a ordem social dentro das suas limitações, mas com perspectiva de melhoras… De que a Polícia tem reais esperanças de ser mais valorizada profissional e financeiramente… De que a Polícia de hoje também procura trabalhar fraternalmente e de forma justa… De que a paz é realmente fruto da Justiça… De que a sociedade está caminhando para um verdadeiro trabalho interativo com a Polícia no combate ao crime… De que a junção de todos esses predicativos eleva o orgulho do bom Policial e faz com que ele trabalhe com mais afinco em prol da sociedade… Então, o sonho de melhoria da paz social tão almejada pode virar realidade. Pode sair da retórica e transformar-se numa premissa verdadeira ou mais presente no seio do povo brasileiro.

*Archimedes Marques – Delegado de Polícia no Estado de Sergipe. Pós-Graduado em Gestão Estratégica em Segurança Pública pela Universidade Federal de Sergipe

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.


Você está prestes a ser direcionado à página
Deseja realmente prosseguir?
Atendimento