Como bem sabem os que militam na área tributária, não é nada fácil lidar com o fisco municipal, estadual e federal.
Assim, não raras são as vezes que equívocos são cometidos por alguns agentes fiscais, que, no afã de angariar recursos ao ente público, passam por cima de regras fundamentais e simplesmente rasgam a Constituição Federal para o mero deleite da Fazenda Pública e desgraça do contribuinte, utilizando-se de forma errônea os mecanismos criados para facilitar a vida do contribuinte e do fisco.
Nesta toada, foi criado ao longo dos anos um órgão para melhor controlar a entrada e saída das mercadorias de uma empresa para outra, em Estados da Federação diferentes, tal como o Suframa (www.suframa.gov.br), onde os contribuintes, após realizadas as operações de compra e venda, onde incide o imposto de circulação de mercadorias e serviços (ICMS), devem registrar o internamento das notas fiscais (Sintegra), máxime para verificar os casos de regime de substituição tributária.
Assim, para que não haja problemas com o fisco estadual, em determinadas operações, como por exemplo, a venda de gaze hospitalar, o contribuinte deve realizar uma legítima operação de compra e venda com outrem, registrar a operação no LRSM (livro de registro de saída de mercadorias), emitir a competente nota fiscal com os valores corretos e destino correto, entregar o produto ao destino (comprovante de entrega da mercadoria), recolher o imposto devido (ICMS) e proceder a entrada das notas fiscais de venda da gaze hospitalar no Suframa.
Não obstante, mesmo agindo de determinada forma e tratando-se de operações perfeitamente verdadeiras, algumas empresas, vendedoras são autuadas com base no artigo 55, §1º, inciso VIII, “a” da Lei 11.580/96, sob a batuta de fazerem constar declaração falsa na nota fiscal, quando a empresa de destino tem problemas com o Fisco Estadual, por motivo alheio a orla de abrangência da empresa vendedora, ou o agente fiscal entende que o protocolo de transmissão de dados ao Suframa efetuado pela empresa vendedora não é documento suficientemente hábil para provar a efetividade da operação.
Entretanto, uma vez cumpridas todas as formalidades alinhadas acima pelo contribuinte, empresa vendedora, é absolutamente vedado ao fisco estadual autuar o contribuinte com base em tal dispositivo legal, por absoluta ilegalidade do ato.
Vejamos.
O artigo 55, §1º, inciso VIII, “a” da Lei 11.580/6 diz o seguinte: “Art. 55. Os infratores à legislação do ICMS ficam sujeitos às seguintes penalidades:… § 1º Ficam sujeitos às seguintes multas os que cometerem as infrações descritas nos respectivos incisos:
VIII – equivalente a 40% (quarenta por cento) do valor da operação ou prestação indicada no documento fiscal, ao sujeito passivo que: a) consignar em documento fiscal declaração falsa quanto ao estabelecimento de origem ou destino das mercadorias ou serviços em operações ou prestações tributadas, inclusive sujeitas ao regime da substituição tributária, ou beneficiadas com suspensão do pagamento do imposto;”
Como se percebe, uma simples leitura em determinada regra, chega-se a conclusão que para haver ilícito fiscal, deve haver uma intenção, uma ação do contribuinte em ludibriar o fisco estadual, com visível caráter de suprimir o pagamento do imposto devido, no caso o ICMS.
O fato é que, quando a operação de venda e compra é comprovada através do registro no livro de saída das mercadorias, o recolhimento do tributo (ICMS) e o comprovante de entrega da mercadoria, o contribuinte, vendedor das mercadorias, não pode ser penalizado por fato de terceiro, ou seja, fato que não depende de sua vontade ou interferência.
Assim, carece de razão jurídica e fática o argumento do fisco acerca da irrelevância do dolo (vontade) nos casos de responsabilidade do contribuinte nos ilícitos fiscais, bastando apenas o descumprimento do imperativo legal.
Provado que o contribuinte vendedor agiu de maneira legal e a operação foi válida, a autuação do mesmo com base em tal dispositivo é inócua, injusta e acarreta enriquecimento sem causa.
A propósito, o Conselho de Contribuintes do Estado do Paraná já se manifestou da seguinte forma: “ICMS – CONSIGNAR EM DOCUMENTO FISCAL DECLARAÇÃO FALSA QUANTO AO ESTABELECIMENTO DE DESTINO DE MERCADORIAS. Não pode o emitente da nota fiscal responder por consignação de destinatário falso quanto comprovado o recebimento da mercadoria pelo comprador, mesmo estando em situação irregular perante o cadastro de contribuinte, especialmente em operação com imposto retido por substituição tributário. RECURSO ORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO POR UNANIMIDADE.” (CContr., 1ª Câmara, acórdão nº 0648/2004, Relator Gerson Tarosso, julgamento em 05/04/2004, leitura em 20/04/2004, publicado em 25/05/2004, DOE: 6736)
A responsabilidade tributária não pode sofrer alargamento na sua conceituação, sob pena de desvirtuar o instituto em questão e penalizar pessoas absolutamente inocentes.
Desta forma, o auto de infração deve ser julgado insubsistente, vez que embasado em argumento e dispositivo absolutamente ilegal e injusto.
Éderson Ribas Basso e Silva é advogado na cidade de Umuarama-PR