Por Patricia Oliveira Lima Pessanha
Em razão do quadro de crescente competitividade do mercado econômico, fruto da globalização e da evolução tecnológica, não se pode mais fechar os olhos à necessidade da implementação de novas formas de prestação de serviços, as quais associem a possibilidade de incremento da qualidade no serviço ou produto oferecido e, paralelamente, redução de custos empresariais.
Neste contexto, surge a terceirização de serviços, cujo propósito inclui o estímulo ao crescimento econômico da empresa, uma vez que seu manejo de forma adequada permite que a atenção negocial se volte tão somente para a atividade preponderantemente desempenhada, deixando ao encargo da empresa prestadora de serviços a concretização daquela atividade meio.
Uma particularidade que sobressai no tocante à terceirização de serviços, pelo menos em relação àquela regida pelas disposições constantes na súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho, é que, em que pese seus aspectos favoráveis, temos que, na prática, percebe-se grandes reservas, por parte do Judiciário Trabalhista, em relação a sua utilização.
Tal fato se dá em virtude da constatação das diversas hipóteses de terceirizações fraudulentas, onde a delegação da execução de serviços à outra empresa via contrato de prestação de serviços visa tão somente resguardar a empresa tomadora de serviços dos ônus da contratação direta de mão de obra, não abrindo mão, entretanto, dos bônus advindo.
Neste passo, oportuno o comentário feito pela procuradora do trabalho, Evana Soares (1) ao dizer que “(…) a globalização foi extremamente generosa ao distribuir mazelas e mesquinhas ao compartilhar os benefícios — aqui incluídos os empregos de boa qualidade — para os menos favorecidos (…)” sendo possível intuir deste raciocínio a razão pela qual muitos trabalhadores, às vezes por falta de melhores opções de emprego se submetem ao trabalho “terceirizado” (2), quando, em geral, prefeririam estar funcionalmente integrados na dinâmica estrutural de uma empresa.
Seguindo esta linha de raciocínio, nos reportamos às palavras de Volia Bonfim (3), segundo a qual: “a intermediação de mão-de-obra fere de morte os princípios: da proteção ao empregado; da norma mais favorável; da condição mais benéfica; do tratamento isonômico entre os trabalhadores que prestam servos a uma mesma empresa; do único enquadramento sindical; do único empregador; do mesmo enquadramento legal, etc. (…)”
Assim, razões não faltam para justificar o olhar crítico por parte do Judiciário e Ministério Público do Trabalho quando se fala em terceirização de serviços, valendo-se ainda ressaltar as diversas hipóteses em que — mesmo diante de uma terceirização regular — o inadimplemento das obrigações trabalhistas mediante, por exemplo, a falência ou o simples desaparecimento da empresa prestadora de serviço, fazem com que os respectivos trabalhadores se vejam obrigados a pelejar mediante a interposição de demandas junto à Justiça do Trabalho, na expectativa de que, ao menos, a empresa tomadora de serviços cumpra com seu dever, mediante a responsabilização subsidiária fixada pela Súmula 331, em seu inciso IV por tais encargos.
Ocorre que, se por um lado alguns fazem, de forma deliberada e proposital, mal uso desta forma de prestação de serviços — em homenagem ao principio da boa-fé que deve reger todas as relações — haveremos de considerar a possibilidade de alguns desvios se darem por mera desinformação, seja por parte do empregador, seja por parte do tomador de serviços, razão pela qual passaremos a uma abordagem sobre o tema de molde a buscar elucidar algumas questões e ainda com vista ao caráter preventivo de demandas judiciais.
Isto posto, uma vez delimitadas as propostas deste despretensioso estudo — já que para uma análise aprofundada seriam necessárias bem mais do que uma dezena de laudas —, passemos inicialmente a abordagem de alguns conceitos que se apresentam essenciais à melhor compreensão do assunto. Vejamos:
Segundo a doutrina, (4) a terceirização consiste na “relação trilateral entre trabalhador, intermediador de mão-de-obra (empregador aparente, formal ou dissimulado) e o tomador de serviços (empregador real ou natural), caracterizada pela não coincidência do empregador real com o formal.”
Assim, é viabilizado ao tomador de serviço fazer uso de mão-de-obra prestada por trabalhador cuja relação empregatícia se dá com outra empresa, fato este que lhe é bastante conveniente ante a diminuição dos custos — já que a tomadora, a princípio, não se compromete com o pagamento de encargos trabalhistas — e melhora na qualidade dos produtos ou serviço (5), tendo em vista a possibilidade de voltar sua atenção tão somente para a atividade que consiste em seu objeto principal – atividade fim.
Face ao objetivo específico do presente estudo, deixaremos de analisar em profundidade maiores aspectos referentes ao tema, tais como o desenvolvimento histórico, passando diretamente a uma rápida análise do teor da Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho, analisando cada um de seus incisos individualmente. Vejamos :
Inicialmente, a Súmula 331 dispõe em seu Inciso I que: “A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei 6.019, de 03 de janeiro de 1974).”
Sergio Pinto Martins (6), ao analisar o inciso supra transcrito, tece uma interessante observação. Aduz que, na verdade, a contratação por empresa interposta não se afigura, por si só, ilegal. Deverá ser assim considerada tão somente quando exista fraude com o objetivo de frustrar a aplicação da lei trabalhista.
Vale dizer, constatando-se a existência dos elementos da relação de emprego (7), previstos no artigo 2º e 3º da CLT, o vínculo empregatício será formado diretamente com o tomador de serviços. Trata-se, na verdade, da aplicação do princípio da primazia da realidade, tão presente no Direito do Trabalho.
Outra exceção quanto à possibilidade de formação do vínculo empregatício com o tomador de serviços, se tem no inciso II da súmula. Neste caso, de acordo com a lição de Maria Alice Monteiro de Barros (8), preocupou-se o TST em resguardar o mandamento constitucional contido no artigo 37, II da Constituição Federal, deixando clara a impossibilidade de reconhecimento de relação de emprego entre o trabalhador e os órgãos da administração direta ou indireta, em razão da prestação de serviços por meio de contratação irregular, sem o necessário concurso público.
Neste ponto, saliente-se a previsão contida na súmula 363, também do TST a qual vaticina que em tais hipóteses será garantido ao trabalhador irregularmente contratado pela administração pública — direta ou indireta — tão somente o pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, observando-se, para tanto, o valor do salário mínimo bem como aqueles referentes aos depósitos do FGTS.
Passando-se à análise do inciso III da súmula em comento, se depreende a possibilidade de utilização do contrato de terceirização nas hipóteses de serviços de vigilância, conservação e limpeza, ou de serviços especializados. Dispõe o aludido inciso que: “Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados a atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta”.
A princípio, a questão que mais chama atenção do referido inciso, tem relação com a dicotomia entre “atividade-meio” e “atividade-fim”, havendo discussões sobre a possibilidade ou não desta última figurar como objeto de serviço terceirizado. Fato é que, por hora, a doutrina e jurisprudência majoritárias se inclinam pela negativa. Para ilustrar tal posicionamento, trazemos à colação a decisão abaixo transcrita, in verbis:
EMPRESA DE TELEFONIA CELULAR – TRABALHO EM CALL CENTER – ATIVIDADE-FIM – TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA – RECONHECIMENTO DO VÍNCULO DE EMPREGO DIRETAMENTE COM A TOMADORA DOS SERVIÇOS – A prestação de serviços do trabalhador perante a tomadora, no desempenho de tarefas ligadas à atividade essencial da empresa, em hipótese distinta de labor temporário ou de misteres de vigilância, conservação e limpeza, conduz à ilegalidade da contratação. Nesta hipótese, é de se reconhecer a formação de vínculo empregatício diretamente com a tomadora- No caso, a concessionária de telefonia móvel BCP S.A- Real beneficiária da força de trabalho despendida pelo obreiro, atendente de call center. Aplicação da diretriz da súmula 331, I e III, do Colendo Tribunal Superior do Trabalho. Recurso ordinário autoral a que se dá provimento, neste aspecto. (TRT 6ª R. – RO 01042-2007-013-06-00-6 – 2ª T. – Relª Juíza Dinah Figueirêdo Bernardo – J. 09.07.2008)
Assim, ad cautelam e considerando o cunho preventivo do presente trabalho, tem-se por desaconselhável a utilização de serviços terceirizados em atividade-fim da empresa, entendida esta como a atividades núcleo da empresa, as quais definem a essência da dinâmica empresarial do tomador de serviços.
Note-se ainda a referência, no inciso III da súmula 331 do TST, à necessidade de inexistência pessoalidade ou subordinação direta, em relação aos trabalhadores que executam serviços terceirizados, por parte das empresas tomadoras de serviços para que não se configure o vínculo de emprego.
Esclareça-se que a preocupação com a presença de tais características na relação entre o tomador de serviços tem relação com o fato de tratar-se de elementos da relação de emprego. Ora, se associarmos a presença destes elementos com aqueles já presentes na “terceirização”, quais sejam, habitualidade, onerosidade e alteridade, resta evidente que a essência daquela relação será empregatícia. Estaríamos, portanto, de terceirização ilícita, na medida em que haveria burla a legislação, em especial, tendo em vista o teor dos artigos 2 e 3 da CLT.
Reitere-se a informação de que, mesmo diante da presença de todos os elementos caracterizadores da relação de emprego, devemos sempre ter atenção às hipóteses em que a própria lei veda o reconhecimento desta, a exemplo do que ocorre nos casos de terceirização ilícita onde a Administração Pública figure como tomadora de serviços (conforme já exposto) e ainda o caso de serviço de vigilância armada, uma vez que a respectiva lei 7.102/83 exige que a arma seja de propriedade de empresa de segurança, inviabilizando assim o que qualquer outra empresa figure como empregadora de vigilante armado.
Outra observação que merece nota tem relação com a expressão subordinação “direta”.
Parece que tal expressão acolhida pela súmula vem gerando controvérsias, havendo questionamentos sobre a possibilidade de haver a chamada “subordinação indireta”, a qual consistiria numa espécie de repasse de ordens (por parte do tomador de serviços) a um preposto/supervisor do prestador de serviços visando que este exerça o poder diretivo nos moldes almejados pelo tomador.
Em termos simples e para melhor compreensão, pode-se fazer uso de uma analogia singela, mas não menos pertinente, com a brincadeira de criança conhecida por “telefone sem fio”, onde o repasse de informações vai se dando um a um.
Pois bem, fato é que a tentativa de mascarar existência de subordinação mediante tal manobra não pode se prestar a maquiar a subordinação.
Outro conceito que vem ganhando espaço no que tange à subordinação é que merece atenção, consiste na chamada subordinação estrutural. Neste caso, o exercício do poder diretivo no sentido de aferir-se a existência ou não de uma subordinação direta ou mesma a indireta, cede espaço para a concepção de inserção ou não do trabalhador na estrutura empresarial. Para melhor visualização, veja-se o que dispõe a jurisprudência sobre o assunto:
“SUBORDINAÇÃOESTRUTURAL. SUBORDINAÇÃO ORDINÁRIA. O Direito do Trabalho contemporâneo evoluiu o conceito da subordinação objetiva para o conceito de subordinação estrutural como caracterizador do elemento previsto no art. 3o. da CLT. A subordinação estrutural é aquela que se manifesta pela inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de seus serviços, pouco importando se receba ou não suas ordens diretas, mas se a empresa o acolhe, estruturalmente, em sua dinâmica de organização e funcionamento. Vínculo que se reconhece. (TRT 3ª Reg. –3ª T. – RO 01352-2006-060-03-00-3 – Red.ª Juíza Conv. Adriana Goulart de Sena – DJMG 25/08/2007, p. 11)”.
Tem-se portanto que, eventual caracterização de subordinação (seja a direta, a indireta ou a estrutural), aliada à presença da pessoalidade entre trabalhador e empresa tomadora de serviços poderá (considerando a presença dos demais elementos) vir a configurar a relação empregatícia entre estes, descaracterizando, portanto, o contrato de prestação de serviços, conforme já ressaltado.
Conclui-se assim que o tomador de serviços deve limitar-se a direcionar sua atenção ao resultado do trabalho contratado e não com a gestão desta mão de obra, evitando ainda a inserção deste trabalhador “terceirizado” (9), na dinâmica organizacional e de funcionamento da empresa.
Finalmente, temos o inciso IV da Súmula 331 do TST, o qual fixa a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços pelas obrigações trabalhistas que venham a ser inadimplidas pela empresa prestadora de serviços contratada. Aduz que “o inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (artigo 71 da Lei 8.666, de 21 de junho de 1993).”
Note-se que o mesmo inciso, em sua parte final, fixa a possibilidade de responsabilização do ente público que figure como tomador de serviços, de forma subsidiária, quanto às obrigações trabalhistas decorrentes do contrato de trabalho. Para tal exige tão somente que tal ente tenha integrado a relação processual, bem como o título executivo judicial.
Insta ressaltar que a possibilidade de responsabilização subsidiária prescinde da ilicitude da terceirização, bastando que haja o inadimplemento das obrigações por parte do empregador (empresa prestadora de serviços), devendo-se, é claro, observar-se o pré-requisito de que a empresa tomadora de serviços tenha participado da relação processual, constando também no título executivo, conforme bem enfatizou a súmula em tela visando garantir o exercício dos princípios do contraditório e da ampla defesa por parte desta.
Em outras palavras, a responsabilização subsidiária pelas verbas trabalhistas não quitadas pela empresa prestadora de serviços ao seu empregado e cujo labor teve como beneficiário a empresa tomadora de serviços, será atribuído a esta, ainda que inexistentes a subordinação e a pessoalidade, deverá, entretanto, ser limitada ao pagamento de valores referentes ao período em que foi beneficiada por aquela mão-de-obra.
Neste sentido, colhe-se, a propósito, o magistério de Homero Batista Mateus da Silva (10) segundo o qual: “(…) O tomador está eximido de cobrir as dívidas trabalhistas contraídas pelo subcontratado relativamente a período em que o trabalhador não prestou serviços ali, seja porque ainda não havia contrato entre as pessoas jurídicas, seja porque o trabalhador ainda não estava lotado naquele estabelecimento, seja porque havia sido deslocado para a base, seja, por fim, por motivo de suspensão do contrato. (…)”
Destarte, da análise da súmula 331 e seus incisos, pode-se inferir como principal decorrência de sua diretriz que o responsável subsidiariamente deverá arcar com o pagamento de todas as parcelas que sejam, inicialmente, de responsabilidade do devedor principal, ante ao entendimento de configuração das chamadas culpa in eligendo (má escolha da empresa contratada) e culpa in vigilando (ausência de fiscalização quanto ao cumprimento por parte desta em relação a suas obrigações para com os empregados que atuaram junto à tomadora de serviços). Em suma, na hipótese de inadimplemento da obrigação pelo devedor principal, segundo a doutrina, incidirá a plena responsabilidade do tomador de serviços. (11) Na esteira desta linha de raciocínio, manifesta-se a jurisprudência:
TERCEIRIZAÇÃO – RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DO TOMADOR DOS SERVIÇOS – No âmbito da responsabilidade subsidiária do tomador de serviços, não basta a regularidade da terceirização, há que se perquirir sobre o cumprimento das obrigações trabalhistas pela contratada durante a vigência do contrato de trabalho. O tomador de serviços, ainda que Ente da Administração Pública, é responsável subsidiário pelos créditos trabalhistas do empregado adquiridos diante do trabalho que para ele é executado em cumprimento de contrato estabelecido com terceiro, sendo-lhe atribuída a culpa in eligendo e a culpa in vigilando. Se o real empregador for inadimplente nas suas obrigações trabalhistas, deve o beneficiário dos serviços prestados responder subsidiariamente quanto a estas obrigações, conforme determina o inciso IV, do Enunciado 331, do TST. (TRT 16ª R. – RO 00184-2008-008-16-00-7 – Rel. Des. Luiz Cosmo da Silva Júnior – DJe 22.09.2009 – p. 9)
Note-se que, em que pese a relação civil estabelecida entre as empresas que contratam entre si a prestação se serviços terceirizados não se cogita da exclusão de responsabilidade da tomadora de serviços com base neste fundamento em razão exatamente do teor da súmula 331 do TST.
Por certo existem diversos questionamentos teóricos acerca da aplicabilidade e sujeição a tal disposição, não obstante, por hora dificilmente o tomador de serviços vem conseguindo esquivar-se da responsabilidade imputada pela súmula, acaso enquadrado nas situações que desafiam sua incidência.
Registre-se apenas que, no que tange à exclusão da responsabilidade subsidiária, e esta devidamente albergada pelo próprio Tribunal Superior do Trabalho, tem relação com os casos em que o tomador de serviços apresente-se como mero dono da obra, a exemplo da contratação de serviço de empreitada, ressalvando-se as empresas que tenham como objetivo social a construção civil, conforme denota a decisão abaixo colacionada:
DONO DA OBRA – RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA E SUBSIDIÁRIA – NÃO CONFIGURAÇÃO – Diante da inexistência de previsão legal, o contrato de empreitada entre o dono da obra e o empreiteiro não enseja responsabilidade solidária ou subsidiária nas obrigações trabalhistas contraídas pelo empreiteiro, salvo sendo o dono da obra uma empresa construtora ou incorporadora (OJ 191, SDI-1/TST). (TRT 5ª R. – RO 00356-2007-134-05-00-6 – 1ª T. – Rel. Marama Carneiro – J. 15.12.2008)
No mais, pensamos ser pertinente apenas lembrar que, mesmo tendo-se em vista a ausência de uma norma legal específica fixando a responsabilidade subsidiaria do tomador de serviços, é preciso ter em vista que também os contratos de natureza civil são regidos por princípios que poderiam justificar o alcance desta responsabilização, em especial em relação à “função social do contrato”, valendo-se registrar que, nesta seara, também os artigos 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, bem como os artigos 186 e 927 do Código Civil podem ser invocados.
Neste sentido, trazemos a colação trecho de julgado que bem destaca a questão:
“(…) RESPONSABILIZAÇÃO SUBSIDIÁRIA – TOMADORA – EMPRESA PARTICULAR – IMPOSIÇÃO CALCADA EM SÚMULA DO TST – VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE – INOCORRÊNCIA – Embora não haja, efetivamente, qualquer dispositivo legal que trate especificamente da condenação subsidiária da empresa tomadora de serviços, esta se escora na construção jurisprudencial representada pela Súmula nº 331, do C. TST. Esta, por sua vez, encontra suporte nos arts. 186 e 927 do CCB, no art. 8º, da CLT, no art. 4º da LICC e no art. 127 do CPC, eis que se trata “de princípio de responsabilidade trabalhista que todo aquele que se beneficia direta ou indiretamente do trabalho do empregado deve responder com seu patrimônio pelo adimplemento das obrigações correspondentes”. A imposição condenatória segundo estes parâmetros, portanto, não implica em violação ao princípio da legalidade. (…)” (TRT 15ª R. – RO 1604-2007-034-15-00-3 – (43301/09) – 12ª C. – Relª Olga Aida Joaquim Gomieri – DOE 17.07.2009 – p. 178)
Finalmente, há ainda que se ter em vista também a diretriz fixada pela Constituição Federal, segundo a qual, o valor social do trabalho e a dignidade da pessoa humana – dentre outras tantas disposições que zelam pelos direitos dos trabalhadores — também se prestam a sustentáculos a teses favoráveis a responsabilização do tomador de serviços.
Feita esta breve digressão acerca das disposições contidas na Súmula 331 do TST elementares para a compreensão do tema, passamos adiante, agora buscando, de forma mais objetiva possível, apresenta uma síntese acerca das medidas que se afiguram aconselháveis a fim de evitar o desvirtuamento da contratação de serviços terceirizados, prevenindo, assim, demandas judiciais decorrentes em face do tomador de serviços.
Antes, entretanto, convêm fixar uma premissa que, apesar de elementar, tendo em vista sua importância, nunca é demais ser lembrada: trata-se de ideia de que para fins de prevenção de demandas judiciais há que se ter em mente sempre, como não poderia deixar de ser, a necessária observância, do ordenamento jurídico.
Não há que se cogitar na adoção de procedimentos que visem burlar a lei; não há que se cogitar de economias à custa do pagamento irregular de verbas trabalhistas e afins. Como bem diz a sabedoria popular: “o barato sai caro”.
Sim, pois basta pensar no ônus decorrente de uma demanda judicial decorrente de atitudes temerárias como estas, a exemplo de eventuais condenações em indenizações por danos morais e materiais, despesas com honorários advocatícios, além das custas processuais (sem se falar as hipóteses de litigâncias de má-fé e — já modernamente — nos ônus decorrente de uma eventual condenação a título de assédio processual, ambos aferíveis eventualmente e conforme os casos concretos.)
Considerando-se, entretanto, que na presente análise tem-se por base a figura do tomador de serviços de boa-fé, forçoso que se oriente no sentido de que, havendo dúvidas quanto ao modo de proceder para fins de observância da legislação pertinente, aconselhável valer-se de acessória jurídica especializada, a qual estará apta a dirimir dúvidas quanto ao correto proceder frente à legislação específica.
Apresenta-se assim, mais vantajoso assumir os custos desta consultoria para fins de prevenção (parecendo melhor até mesmo falar que se trata de uma forma de “investimento” a longo prazo), evitando, como já dito, todo o ônus financeiro decorrente de eventual demanda judicial e, porque não dizer, o prejuízo à imagem da empresa perante a sociedade, a qual não deve ser negligenciada.
Dito isto, passemos agora à síntese acerca de algumas providências que podem apresentar úteis em relação à regularidade na utilização de serviços terceirizados, e, conseqüentemente, prevenção de demandas pertinentes. Vejamos:
Fase pré- contratual: Neste ponto, importa ressaltar que a escolha da empresa prestadora de serviços deve ser feita com cautela, sobretudo de molde a aferir sua idoneidade, procurando observar se a mesma cumpre com suas obrigações trabalhistas em perfeita consonância com os parâmetros legais.
Este procedimento é de suma importância, uma vez que, mesmo nos casos de terceirização regular (em que não há subordinação ou pessoalidade entre o trabalhador “terceirizado” e o tomador de serviços), temos que, no caso de inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte empresa prestadora de serviços em relação aos deveres para com seu empregado cujo labor reverteu em face da empresa tomadora, esta será chamada a arcar com tal ônus de forma subsidiária.
Em termos simples, se o empregador do empregado “terceirizado” não pagar seu empregado, a tomadora de serviços deverá quitar tal dívida.
Tal entendimento tem relação com a chamada culpa in eligendo, ou seja, a culpa na escolha. Se a tomadora de serviços escolheu mal a empresa com a qual contratou a prestação de serviços, arcará com o ônus desta infeliz escolha. Daí, portanto, conclui-se pela necessária seletividade ainda nesta fase pré-contratual.
Outra questão que parece oportuna, também na fase pré-contratual, mas agora já tendo em vista cláusulas contratuais, consiste na idéia de fazer inserir cláusula estipulando a obrigação da empresa prestadora de serviços de manter a empresa tomadora de serviços a salvo de contendas trabalhistas, devendo resguardá-la de qualquer ônus decorrente daquela relação contratual inerente as obrigações trabalhistas, valendo, inclusive, fixar cláusula penal no caso de inadimplemento.
Observe-se, em pese alguns entendimentos (minoritários) acerca da possibilidade de tal cláusula se prestar para fins de “denunciação à lide” na seara laboral, entendemos que a maior utilidade desta previsão contratual consiste em dar margem à possibilidade da empresa tomadora de serviços, no caso de efetivo pagamento de condenações em razão da responsabilidade subsidiária fixada pela súmula 331, buscar o posterior ressarcimento mediante o manuseio de ação regressiva em face da empresa prestadora de serviços.
Face de vigência contratual: Neste passo, diante da efetiva prestação de serviço terceirizado, importa manter sempre certo zelo no que tange a forma como tais serviços são executados e o ambiente em que estes trabalhadores encontram-se expostos quando integrados ao meio ambiente de trabalho da empresa tomadora de serviços.
Existem muitas críticas quanto às diferenças de tratamento que muitas vezes se dão entre os empregados “terceirizados” e aqueles que integram o quadro funcional de empresa.
É bem verdade, que se tratam de empregados cujos empregadores são distintos, sem falar de estarem sujeitos a normas coletivas distintas, razão pela qual algumas situação serão, de fato, diferenciadas.
Mas tal fato não pode servir de pretexto para admitir-se qualquer tipo de discriminação (12) em relação àqueles que exercem as atividades objeto da contratação de serviços terceirizados, seja porque a Constituição repudia tratamentos discriminatórios e degradantes, conforme se infere da análise da diversos dispositivos, seja porque o Brasil ratificou a Convenção 111 da OIT, a qual versa sobre discriminação em matéria de emprego e profissão e que, da mesma forma rechaça condutas tais condutas.
Outra providência essencial consiste na fiscalização constante do cumprimento das obrigações trabalhistas por parte da empresa prestadora de serviços contratada em relação aos trabalhadores que prestam serviço junto à tomadora de serviços. Visa-se, com isto, afastar a chamada culpa in vigilando, que certamente será invocada por ocasião do eventual inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte do empregador (prestador de serviços), por ocasião da imputação da responsabilidade subsidiária do tomador.
Assim, é salutar que sejam estabelecidos critérios para aferição da regularidade no cumprimento das obrigações pela empresa prestadora de serviços. Como exemplo, podemos citar a exigência de apresentação periódica de documento comprobatório do pagamento de verbas trabalhistas.
Ressalte-se, apenas para evitar qualquer confusão com o tema “subordinação” que não se trata de fiscalizar os empregados “terceirizados”, mais sim a manutenção da idoneidade da empresa contratada, na medida em que esta mantém o cumprimento de suas obrigações para com seus empregados.
Neste passo, importa ressaltar que em hipótese alguma a empresa tomadora de serviços deve exercer o poder diretivo em relação aos trabalhadores “terceirizados”.
Havendo qualquer situação que demande aplicação de penalidade, acerto de horários, etc, deverá limitar-se a comunicar à empresa prestadora de serviços no intuito tão somente de exigir a observância do serviço nos moldes contratados. No mais, qualquer iniciativa de providências em relação ao trabalhador só pode ser dar por parte daquela empresa, sem qualquer ingerência da empresa tomadora, nem mesmo em forma de “subordinação indireta”, já que esta tão somente mascara a subordinação, conforme já explanado.
De igual sorte, evitar inserir o trabalhador que lhe presta serviços terceirizados na dinâmica estrutural da empresa ou ainda, na atividade fim exercida pela mesma, tendo em vista a idéia de “subordinação estrutural” e ainda o entendimento majoritário da necessária pertinência tão somente com a atividade-meio.
Fase posterior à prestação de serviço: Inicialmente, observe-se que estamos a tratar aqui da fase em que o trabalhador “terceirizado” deixa de exercer a atividade junto àquela tomadora de serviços e não, necessariamente, por ocasião da extinção do vinculo contratual em relação à empresa prestadora de serviços ou de rescisão contratual do trabalhador.
Assim, tendo em vista o fato de que, em regra, o tomador de serviços não poderá acompanhar a termo inicial da prescrição bienal, uma vez que o mero fato daquele empregado não mais lhe prestar o serviço, não implica – necessariamente – em rescisão contratual, aconselhável que se mantenha a guarda de documentação (comprovantes de pagamentos) referente aos empregados que lhe prestaram serviços terceirizados durante o prazo de cinco anos a fim de evitar que, eventualmente, se veja obrigado a arcar com valores já pagos, em razão da simples ausência de comprovantes neste sentido.
Note-se que, em que pese a guarda de tais documentos competir, primordialmente, à empresa empregadora, não raro estas desaparecem, deixando suas mazelas a cargo daquele que a contratou e que tinha a obrigação de zelar pela sua idoneidade. Eis mais uma razão para a cautela.
Estas seriam, portanto, as principais providências, que, a priori, poderiam ser destacadas a fim de resguardar o tomador de serviços dos riscos decorrentes da terceirização de serviços.
Sendo a terceirização de serviços um fato irrefutável nas relações de trabalho contemporânea, imposta pelo desenvolvimento econômico e pela demanda social frente aos escassos postos de trabalho, faz-se necessário uma regulamentação da matéria, mediante a imposição de limites e consequências jurídicas nos casos de mal uso ou abuso do instituto.
Neste ponto, o Judiciário Trabalhista, através da diretriz fixada pela Súmula 331 do TST, amparada por dispositivos legais e inspirada ainda nos ditames Constitucionais — a qual traz como primados os princípios Dignidade da Pessoa Humana e o valor social do trabalho — vem reprimindo os abusos nas terceirizações de serviços e consequente aviltamento das condições de trabalho.
Mas buscando-se ampliar as possibilidades de combate a tais irregularidades e tendo por premissa a noção imposta pelos vetores dos princípios da boa-fé e do valor social dos contratos que devem emergir destas relações (ainda que num ideal romantizado acerca da fiel e escorreita aplicação de tais princípios), é preciso considerar-se que nem todos que optam pela contratação de tal modalidade de prestação de serviços apresentam intuito preordenado de fraude às relações de trabalho, razão pela qual, parece salutar que, ao lado da ação repressiva do judiciário trabalhista, tenhamos sempre em mente a possibilidade de atuação preventiva, em especial, no tocante a esclarecimentos sobre o tema àqueles que pretendem fazer uso de modalidade peculiar de prestação de serviços.
Com efeito, espera-se que, com a conjugação de tais medidas seja possível, senão de extirpar, pelo menos reduzir o desvio do objetivo da terceirização de serviços, mantendo-se apenas o seu aspecto positivo, compartilhando com toda a sociedade as consequências dos benefícios econômicos advindos de sua utilização e postos de trabalho gerados, de molde a assegurar ao trabalhador “terceirizado” o desejável tratamento digno, conforme, aliás — ante os ideais de Justiça e equidade — apresenta-se devido a todos os trabalhadores.
Referência
1. SOARES, Evana. MEIOS COADJUVANTES DE COMBATE AO TRABALHO ESCRAVO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. Revista do Ministério Público do Trabalho. Brasília. 2003. N. 26, p. 35.
2. A expressão é utilizada de forma coloquial, procurando refletir o dia-a-dia de tais contratações e facilitar a compreensão (assim como na referência em relação ao empregado “terceirizado”). O trabalho consiste, na verdade, na prestação de serviços.
3. CASSAR, Vólia Bomfim. DIREITO DO TRABALHO. 3. Ed.-Niterói, Impetus, 2009.
4. CASSAR, Vólia Bomfim. Ob. citada
5. BARROS, Alice Monteiro: ob. citada
6. MARTINS, Sergio Pinto: ob. citada, p. 210
7. Em que pese a Súmula não fazer referência a necessidade da presença de tais elementos, ante ao teor da legislação parece-nos evidente a necessidade da conjugação destes, sem os quais não se pode falar em relação de emprego, mas sim de outra forma de trabalho, a ser analisada conforme o caso concreto.
8. BARROS, Maria Alice Monteiro: ob. Citada.
9. Observe-se que a referência aqui tem por base a expressão coloquial utilizada no dia-a-dia, já que na verdade, não é o trabalhador que é “terceirizado” e sim determinada atividade, que é objeto de um contrato de prestação de serviços.
10. SILVA, Homero Batista da. RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL DO PROCESSO DO TRABALHO. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 208
11. BARROS, Alice Monteiro: ob. Citada – pág. 446
12. Registre-se que não entendemos como conduta discriminatória, por exemplo, a recusa de acesso a dados de acesso restrito da empresa, ou uso de estacionamento privativo de empregados da empresa tomadora (em especial quando não há vagas para todos) ou acesso a clube de empregados. A nosso ver, tais condutas discriminatórias guardam relação com a atividade profissional em si, desmerecendo o trabalhador de forma injustificada tão somente em razão da natureza de sua prestação de serviços, não podendo ser confundida com exigência de vantagens, muitas das quais, conquistadas mediante normas coletivas próprias.
Patricia Oliveira Lima Pessanha é advogada da Petrobras