“Não se pode exigir de uma reportagem a exibição de provas com a mesma lógica empregada num processo judicial.” Essa é uma das conclusões presentes em sentença do juiz Roque Fabrício Antônio de Oliveira Viel, da 1ª Vara Cível de Brasília. Depois de analisar várias reportagens, editoriais, notas e colunas de nada menos que 18 edições da Veja, o juiz concluiu que a revista não ofendeu a honra ao ex-presidente do Senado, senador Renan Calheiros. Cabe recurso.
Um dos fundamentos do juiz para negar a pretensão do senador de ser indenizado pela Editora Abril, responsável pela revista, foi o de que as reportagens não precisam publicar todas as provas do que é sustentado nos textos. “Os jornalistas dispõem de fontes de informação diversas, com as quais montam a versão dos fatos apresentada ao público”, disse o juiz na decisão publicada no dia 15 deste mês.
O juiz destacou que a imprensa não se limita à veiculação de fatos oficiais. “No campo da cobertura política, isso inclui o direito de criticar autoridades por seus atos e manifestações, políticas de governo e atuações institucionais. Se os jornais e revistas não pudessem exercer tal direito e fossem obrigados somente a divulgar os fatos ocorridos, o público restaria praticamente obrigado a ler diariamente algo semelhante a um diário oficial — só que ilustrado com imagens.”
Ele entende que as reportagens, ao contrário dos editorias e colunas, devem se limitar a relatar fatos ocorridos. “Mas essa orientação não deve ser levada a ferro e fogo, sob pena de se vedar aos repórteres, por exemplo, o emprego de adjetivos e advérbios no texto”, disse.
Para Roque Viel, não é a divulgação de uma notícia, mesmo que seja negativa, que faz com que a publicação tenha de indenizar. “A liberdade de informação jornalística envolve não apenas a possibilidade de divulgar fatos de interesse do público, mas também o de externar sua opinião diante desses fatos. A crítica jornalística, por si só, não implica em ofensa ao direito do criticado.”
Um dos argumentos usados pelo senador Renan Calheiros e rebatido pelo juiz foi a opinião ou juízo de valor emitido pelos jornalistas que assinam os textos da revista. Para o juiz, é preciso analisar se as opiniões foram adequadas, sem exageros que possam comprometer a honra da pessoa.
O juiz também levou em consideração a posição ocupada pelo senador na época em que as reportagens foram publicadas. “O autor é ainda hoje um senador da República. E, na época em que foram veiculados os textos na revista Veja, exercia a presidência daquela Casa. Naquela condição, era o responsável por presidir a Mesa do Congresso Nacional (artigo 57, parágrafo 5º, da CF) e ocupava o quarto posto na linha sucessória da chefia de governo.”
As reportagens devem sempre indicar, quando possível, as fontes de informação, ressaltou Roque Viel. “Mas, em geral, não há necessidade de apresentação das ‘provas’ que confirmam os fatos mencionados na reportagem, sob pena de comprometer a própria dinâmica de publicação periódica adotada pela imprensa.”
O juiz disse que o fato de não indicar as fontes em alguns textos não quer dizer que é possível divulgar invencionices. “Mesmo a garantia do sigilo profissional não confere ao jornalista uma carta branca para publicar textos tirados de sua imaginação, tenham eles ou não o intuito de prejudicar ou ofender alguém”, explicou.
Roque Viel afirmou, ainda, que as reportagens não focaram em um único assunto, mas em uma série de eventos que surgiram no período do final de maio a outubro de 2007. “A revista não ficou dezenove edições repetindo a mesma história a respeito do autor. Na verdade, houve uma sucessão de eventos que culminaram por manter o autor em evidência durante esse período, desde a revelação do pagamento de suas despesas pessoais por um empreiteiro até sua absolvição pelo Senado Federal no processo de cassação do mandato”, disse o juiz.
O titular da 1ª Vara Cível de Brasília também afirmou que não havia indicativo de que as reportagens tiveram caráter de sabotagem ou qualquer forma de interferência no processo político. “Não foi a revista que buscou prejudicar o autor fazendo reportagens a respeito de fatos desabonadores a sua conduta, mas sim o autor que se viu enredado em uma teia de acontecimentos desfavoráveis”, constatou.
Análise da notícia
Entre as notícias que o juiz analisou e não observou comentário capaz de ferir os direitos de personalidade do senador está uma em que a revista diz que Calheiros usava de seu poder político para conseguir apoio no conselho de ética. “Tudo isso, evidentemente, faz parte do jogo político, mas não impede a imprensa de tecer considerações sobre eventuais desvios éticos cometidos pelos atores na busca de aliados em postos-chave de órgãos internos do Senado Federal”, entendeu o juiz.
Para Roque Viel, também não houve ofensa em um dos índices da revista que trazia a foto do senador e a legenda: “Renan Calheiros: uma máquina de negócios de admirar”. Segundo o juiz, “a imprensa escrita é livre para empregar sarcasmo, ironia, humor, deboche etc., desde que adequados ao contexto e em limites moderados, que não exponham alguém ao ridículo”.
A primeira edição contestada por Renan Calheiros, de 30 de maio de 2007, relaciona o senador com o dono da Gautama, Zuleido Veras, e um funcionário da construtora Mendes Júnior, Claudio Gontijo. As empresas estavam sendo investigadas na Operação Navalha, da Polícia Federal. Ao analisar a reportagem, o juiz concluiu que na reportagem há declaração de Gontijo de que era amigo do senador e realizava o pagamento das despesas da mãe da filha de Renan Calheiros. “Em termos jornalísticos, portanto, a publicação veio devidamente amparada”, disse o juiz.
Em outra reportagem, o juiz constatou que “é evidente que a sociedade tem pleno interesse e direito de saber a respeito da evolução patrimonial de seus dirigentes públicos, até para o controle de atos de improbidade administrativa”. Para o juiz, não há irregularidade em publicar texto a respeito do crescimento ou diminuição do patrimônio de pessoa pública.
Renan Calheiros entrou com ação contra a Editora Abril, pedindo o pagamento de indenização no valor de R$ 500 mil por várias reportagens publicadas pela Veja e apontada por ele como ofensivas.
Já a revista, representada pelos advogados Alexandre Fidalgo e Paula Luciana de Menezes, do escritório Lourival J. Santos Advogados, afirmou que todas as reportagens tratavam de fatos relacionados à vida pública do senador. Sustentou que os fatos em que o senador se viu envolvido é que foram desmoralizantes, e não as reportagens.