Os elementos para reconhecimento de união estável

Acórdão do TJ de Santa Catarina, amparado em lição de Maria Helena Diniz, fixa quais são os elementos para que uma união estável seja reconhecida: a) diversidade de sexo; b) ausência de matrimônio válido e de impedimento matrimonial; c) convivência “more uxorio” pública, contínua e duradoura; e d) constituição de uma família.

A decisão foi proferida ação de reconhecimento de união estável ajuizada por N.M. contra os herdeiros de A.R., na qual a autora sustentava convivência marital com o alegado companheiro de setembro de 2001 até 24 de abril de 2003, da morte daquele. Na qualidade de cônjuge superstite, ingressou no inventário do “de cujus” e, em face da discussão lá travada, resolveu buscar o reconhecimento da vida em comum com o falecido.

Os réus, por sua vez, alegaram que o seu pai e marido tivera com a autora apenas um namoro malsucedido, recheado de brigas, não tendo adqurido com a requerente nenhum bem durante o período de coabitação.

Sentença originária da comarca de Itajaí julgou parcialmente procedente o pedido, declarando a existência da união estável e reconhecendo o direito à meação de parte dos bens.

Ambas as partes apelaram ao TJ-SC: a autora, pedindo adstrição do julgamento à questão da união estável, sem disposição quanto à partilha; os demandados, a reforma total da sentença.

Os dois recursos foram desprovidos pela 4ª Câmara de Direito Civil do tribunal catarinense, tendo como guia o voto do relator, desembargador Victor Ferreira, que inaugurou seu voto citando os termos do artigo 1.723 do Código Civil: “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.”

Após fixar os requisitos para a caracterização da união estável, segundo a doutrina referida, o relator anotou que a prova testemunhal esclareceu que a autora e o falecido mantinham, sim, uma união “pública, contínua, duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”, tanto que o “de cujus” pretendia incluir a demandante como cônjuge junto à Previdência Social.

Mantendo o reconhecimento da união estável, o relator asseverou, porém, que a partilha de bens está implícita no pedido de reconhecimento da entidade familiar, nada impedindo que a sentença a determine sem pleito expresso na peça exordial: “Entendimento diverso atentaria contra os princípios da instrumentalidade do processo, da economia e da celeridade processuais. […] Aliás, não fosse esta a razão última do processo, a vitória da autora teria um aspecto puramente moral, e outro processo teria que ser deflagrado para solucionar o conflito, posto que no inventário não se discutem questões de alta complexidade.”

A decisão transitou em julgado.

Atuou em nome da autora o advogado Ubiragy de Oliveira. (Proc. nº 2007.051087-0 ).

ÍNTEGRA DO ACÓRDÃO Apelação Cível n. 2007.051087-0, de Itajaí
Relator: Des. Victor Ferreira

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL. FALECIMENTO DO COMPANHEIRO. SENTENÇA. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. MEAÇÃO DA AUTORA SOBRE O IMÓVEL. INSURGÊNCIA DE AMBAS AS PARTES. UNIÃO ESTÁVEL DEMONSTRADA. PARTILHA DE BENS. PEDIDO IMPLÍCITO. NULIDADE. SENTENÇA EXTRA-PETITA. INOCORRÊNCIA. DECISÃO MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2007.051087-0, da Comarca de Itajaí (Vara de Família, Órfãos, Infância e Juventude), em que é Apelante e Apelado N. M., e Apelados e Apelantes P. R., F. A. R. e E. D. A. R., representados por sua genitora A. A.:

ACORDAM, em Quarta Câmara de Direito Civil, por votação unânime, conhecer dos recursos e negar-lhes provimento. Custas legais.

RELATÓRIO

N. M. ajuizou Ação de Reconhecimento de União Estável em face dos herdeiros de A. R., sustentando, em síntese, que viveu maritalmente com o Réu de setembro de 2001 até 24-4-03, data em que este veio a falecer; na qualidade de cônjuge supérstite, ingressou com inventário dos bens deixados pelo de cujus; face a discussão nos autos do inventário, ajuizou a presente ação para ver reconhecida e declarada sua união estável com o autor da herança.

Citados, os Réus, representados por sua mãe, apresentaram contestação (fls. 56 a 58), alegando, em resumo, que a relação havia entre o de cujus e a Autora foi apenas um namoro malsucedido, porquanto viviam mais brigados do que em paz; e no período em que coabitaram não adquiriram, pelo esforço comum, nenhum bem imóvel ou mesmo móvel.

Na réplica, a Autora repisou as alegações da exordial (fls. 60 a 62).

Realizada audiência de instrução e julgamento, a proposta de conciliação foi infrutífera (fl. 87). No mesmo ato, a MMa. Juíza colheu o depoimento de uma testemunha (fl. 88).

Encerrada a instrução, as partes apresentaram alegações finais (fls. 112, 113 e 116 a 120).

O pedido foi julgado parcialmente procedente para declarar a existência da união estável e reconhecer a meação sobre o terreno descrito na exordial, negando-se a partilha do automóvel (fls. 133 a 142).

Irresignadas, ambas as partes apelaram.

Em suas razões, a Autora afirmou que nesta ação não se discute a partilha dos bens, pois o pedido inicial limita-se ao reconhecimento da união estável.

Assim, sustentou que a sentença foi extra petita, postulando, dessarte, a reforma do julgado (fls. 144 a 155).

Os Réus, por seu turno, reafirmaram que o de cujus teve apenas um namoro com a Autora, não caracterizada a união estável, e que os bens foram adquiridos exclusivamente por ele (fls. 171 a 176).

A douta Procuradoria Geral de Justiça, em parecer da lavra do Procurador Antenor Chinato Ribeiro, manifestou-se pelo provimento dos recursos, a fim de que a sentença seja anulada na parte que decidiu questão fora do pedido (fls. 206 a 210).

VOTO

1 Sabe-se que, nos termos do art. 1.723 do Códido Civil, “é reconhecida como entidade familiar a união entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.

Comentando referido artigo, Maria Helena Diniz afirma:

Para que se tenha união estável, é mister a demonstração de presença dos seguintes elementos essenciais: a) diversidade de sexo; b) ausência de matrimônio válido e de impedimento matrimonial entre os companheiros […]; c) convivência more uxorio pública, contínua e duradoura; d) constituição de uma família. (Código civil anotado. 14. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 1.221).

Posto isso, a partir das provas, cabe verificar se a união mantida entre a Autora e o falecido preencheu os requisitos previstos no referido artigo, questionamento que merece resposta afirmativa.

Infere-se do inquérito policial instaurado para apurar as circunstâncias da morte do de cujus que seu pai declarou existir a convivência matrimonial entre o filho e a Autora (fl. 23), versão confirmada pelo irmão do falecido (fl. 25). Aliás, todas as testemunhas lá ouvidas mencionaram que N. era a companheira daquele.

O depoimento de M. L. B. comprova que a união mantida entre a Autora e o de cujus era pública, contínua, duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família (fl. 88). Ademais, o documento de fls. 74A e 75 demonstra que A. R. pretendia incluí-la como cônjuge na Previdência Social.

Desta forma, comprovada a união havida entre as partes, impõe-se a manutenção da decisão, nesse aspecto.

2 A Autora refere que não foi requerida na inicial a partilha dos bens. Por tal motivo, sustenta que a sentença deve ser anulada na parte que a determinou, pois é extra petita.

Não procede a alegação.

O pedido de partilha de bens é implícito ao próprio pedido de reconhecimento da entidade familiar. Assim, ainda que a parte autora não a tenha requerido expressamente na peça inicial, nada impede que a sentença a determine, porquanto trata-se de pedido contido dentro daquele maior, de reconhecimento da união estável.

Entendimento diverso atentaria contra os princípios da instrumentalidade do processo, da economia e da celeridade processuais. Note-se que desde a contestação já se discute não somente a união estável, mas, também, a partilha dos bens. Aliás, não fosse esta a razão última do processo, a vitória da Autora teria um aspecto puramente moral, e outro processo teria que ser deflagrado para solucionar o conflito, posto que no inventário não se discutem questões de alta complexidade.

3 Em decorrência, voto pelo conhecimento e não provimento dos recursos.

DECISÃO

Nos termos do voto do Relator, esta Quarta Câmara de Direito Civil, à unanimidade de votos, resolveu conhecer dos recursos e negar-lhes provimento.

O julgamento, realizado no dia 25 de fevereiro de 2010, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Eládio Torret Rocha, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Subst. Ronaldo Moritz Martins da Silva. Funcionou como representante do Ministério Público o Exmo. Sr. Procurador Narcísio Geraldino Rodrigues.

Florianópolis, 03 de março de 2010.

Victor Ferreira
RELATOR

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