Algumas dezenas de juízes e desembargadores integrantes de todos os tribunais brasileiros vão poder se aposentar mais cedo, nas próximas semanas ou meses, em função de uma decisão do CNJ que, analisando uma decisão que favoreceu um juiz do TRT da Bahia, a ela deu efeitos normativos. Assim, o “entendimento deverá ser aplicado a todos os magistrados que se encontrem em situação análoga” – daí porque todas as cortes estaduais e federais já foram cientificadas. Não há números oficiais sobre os que serão favorecidos pela medida.
Em Direito costuma-se dizer que, administrativamente ou judicialmente, adota-se um tempo ficto, basicamente, quando alguém que faria jus à aposentadoria especial não integraliza o tempo mínimo exigido.
A ementa do julgado do CNJ não é de fácil compreensão: “deve ser reconhecido o direito adquirido ao acréscimo de 17% ao tempo de serviço dos magistrados, previsto no § 3º do artigo 8º da Emenda Constitucional nº 20/98, por se tratar de norma de transição de efeitos concretos, que passou a integrar o patrimônio jurídico dos magistrados”.
A Emenda Constitucional nº 20/98 modificou o sistema de Previdência Social, estabeleceu normas de transição e deu outras providências. Entre outras coisas estabeleceu que “o magistrado ou o membro do Ministério Público ou de Tribunal de Contas, se homem, terá o tempo de serviço exercido até a publicação desta Emenda contado com o acréscimo de 17%”.
A promulgação ocorreu no dia 15 de dezembro de 1998. À época, os presidentes da Câmara e do Senado eram, respectivamente, os políticos Michel Temer e Antonio Carlos Magalhães.
Cerca de 10 anos e meio depois – isto é, em 20 de junho de 2009, o juiz baiano José Pedro de Camargo Rodrigues da Silva protocolou no TRT-15 um pedido de aposentadoria voluntária por tempo de contribuição e proventos integrais. A Secretaria de Administração de Pessoal do TRT-15 indeferiu.
O caso foi ao Pleno do TRT-15 que, poucas semanas depois, concedeu a aposentadoria ao juiz, fundamentando que “o acréscimo de 17% no tempo de serviço prestado pelo magistrado, até a data da publicação da EC nº. 20/98, constitui parcela que se incorporou em definitivo ao seu patrimônio, para preservar o direito de aposentadoria de forma equivalente entre magistrados dos sexos masculino e feminino, que ingressaram na instituição anteriormente à alteração nas regras de aposentadoria da magistratura, não podendo ser suprimido pelo poder constituinte derivado sob pena de ofensa à cláusula pétrea da Constituição Federal”.
Assim, no dia 16 de novembro do ano passado, o juiz José Pedro teve sua aposentadoria concedida. Em seguida, o Conselho Superior da Justiça do Trabalho encaminhou o caso ao conhecimento do CNJ “para que uniformize o entendimento da matéria, no que diz respeito à concessão de aposentadorias a todos os magistrados do Poder Judiciário brasileiro”.
Todos os tribunais brasileiros foram, então, instados a se manifestar. Quarenta e sete cortes se manifestaram. Cinco deles responderam afirmando que “haverá impacto administrativo-financeiro”, mas não revelaram a relação entre tal informação e a realidade do tribunal, limitando-se a apontar reflexos orçamentários para os próximos 20 anos.
Em decisão do último dia 1º de junho, em matéria cujo relator foi o conselheiro Marcelo Neves, o CNJ concluiu pela “aplicabilidade das disposições do § 3º do art. 8º da Emenda Constitucional nº 20, de 16/12/1998, à contagem de tempo de serviço dos magistrados do sexo masculino, incidindo o tempo ficto de 17% sobre o tempo de serviço exercido pelo magistrado até a data de publicação da referida emenda”.
O relator foi o conselheiro Marcelo da Costa Pimento Neves, pernambucano, empossado em 8 de julho do ano passado como cidadão de notável saber jurídico e reputação ilibada, indicado pelo Senado Federal, onde ganhou por 41 votos a 20 de seu adversário, o advogado potiguar Erick Pereira.
A situação no RS
O primeiro caso de aposentadoria no TJRS – após a decisão do CNJ – pelo implemento do tempo ficto de 17% já foi publicado e beneficia um desembargador que se jubilou no último dia 18 de agosto. Ele tinha sido nomeado juiz de Direito em 1982.
Informações extraoficiais revelam que no TJRS cerca de dez desembargadores serão, nos próximos meses, beneficiados com o acréscimo desse tempo ficto de 17%, aposentando-se mais cedo. Com isso, a carreira deverá ser agilizada para juízes que estão na chamada entrância final.
Formado por 140 desembargadores, o TJRS tem, atualmente, em atividade 134 – faltam seis. Dessas vagas, cinco são de carreira, a serem preenchidas, alternativamente, pelos critérios de antiguidade e merecimento.
Há uma vaga a ser preenchida com a nomeação de advogado(a); a governadora Yeda Crusius está, desde o dia 18 de agosto com a nominata (Roberto Sbravati, Jarbas Castelo Branco Santos e Ana Paula Dalbosco), da qual nomeará um.
ÍNTEGRA DA DECISÃO DO CNJ (08.09.10)
PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS Nº 0005125-61.2009.2.00.0000
RELATOR : Conselheiro MARCELO NEVES
REQUERENTE: CONSELHO SUPERIOR DA JUSTIÇA DO TRABALHO
INTERESSADO: JOSÉ PEDRO DE CAMARGO RODRIGUES DE SOUZA
REQUERIDO: TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 15ª REGIÃO
EMENTA
PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. Aposentadoria voluntária. Magistrados. EC nº 20/98. Artigo 8º, § 3º. Norma de transição de efeitos concretos. Tempo de serviço. Acréscimo de 17%. Incidência. Direito adquirido. Integração ao patrimônio jurídico. Pedido procedente. Deve ser reconhecido o direito adquirido ao acréscimo de 17% ao tempo de serviço dos magistrados, previsto no § 3º do artigo 8º da Emenda Constitucional nº 20/98, por se tratar de norma de transição de efeitos concretos, que passou a integrar o patrimônio jurídico dos magistrados.
RELATÓRIO
1. Trata-se de Pedido de Providências dando conhecimento a este Conselho sobre processo administrativo de pedido de aposentadoria voluntária, do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, que trata do acréscimo de 17% sobre o tempo de serviço, até a publicação da EC nº 20/98, para fins de concessão de aposentadoria a magistrado.
2. Em 20 de julho de 2009, foi autuado o processo administrativo com pedido de aposentadoria voluntária por tempo de contribuição e proventos integrais do magistrado Dr. José Pedro de Camargo Rodrigues de Souza. Nesse processo foram anexados documentos bastantes à comprovação de tempo de serviço e contribuição previdenciária, resultando na elaboração de “Mapa de Tempo de Serviço” (DOC4, fls. 8-10). A Secretaria de Administração de Pessoal do TRT da 15ª Região elaborou parecer nos seguintes termos:
“O Exmo. Magistrado Dr. José Pedro de Camargo Rodrigues de Souza, requer aposentadoria integral e paritária, nos termos do artigo 40, da Constituição Federal, e das Emendas Constitucionais nº 20/1998, 45/2004 e 47/2005.
(…)
A Assessoria de Apoio aos Magistrados, atendendo à Recomendação CSJT nº 5/2008, traz detalhamento do cargo ocupado pelo requerente neste Tribunal. Às fls. 22/24 consta mapa de tempo de serviço, que atesta um tempo total de serviço de 35 anos e 15 dias, computados até 23/07/09, dos quais 22 anos, 8 meses e 13 dias prestados à esta Justiça.
Na redação original da Constituição Federal, a aposentadoria dos membros do Poder Judiciário estava disciplinada pelo art. 93, inciso VI, que estabelecia como requisitos o implemento de 30 anos de serviço e 5 anos de judicatura para a inatividade voluntária.
A Reforma Previdenciária, iniciada com a Emenda Constitucional nº 20/98, introduziu novos conceitos e parâmetros para a concessão de benefícios. Destaca-se a substituição do tempo de serviço pelo tempo de contribuição e a consequente vedação do cômputo de tempo fictício.
Os requisitos para aposentadoria sofreram modificações que alcançaram a magistratura, vez que o inciso VI do art. 93 não mais elencou as condições para tanto, remetendo às disposições do art. 40 que regulamenta a aposentadoria dos servidores públicos. Emendas Constitucionais estabeleceram regras de transição conforme o ano de ingresso do interessado no serviço público, algumas implicando redução no valor dos proventos outras remetendo os reajustes das aposentadorias aos índices aplicados pelo regime geral de previdência. Assim, passamos à análise das regras que contemplam o quanto requerido: aposentadoria integral, com paridade.
A Emenda Constitucional nº 20/98, além de assegurar o direito dos que implementaram os requisitos pelo regramento pretérito, estabeleceu, em seu art. 8º, os seguintes critérios para aposentadoria integral de servidores e magistrados do sexo masculino e que deveriam ser cumpridos cumulativamente: 53 anos de idade, 35 anos de contribuição e 5 anos de exercício no cargo, além de um acréscimo no tempo de contribuição de 20% do tempo que, em 16/12/98, faltava para atingir o mínimo exigido de contribuição. Como forma de minorar o impacto pelo aumento do tempo de contribuição, foi autorizado um acréscimo de 17% ao tempo de serviço, in verbis:
‘Art. 8º – …
§ 2º – Aplica-se ao magistrado e ao membro do Ministério Público e do Tribunal de Contas o disposto neste artigo.
§ 3º – Na aplicação do disposto no parágrafo anterior, o magistrado ou membro do Ministério Público ou de Tribunal de Contas, se homem, terá o tempo de serviço exercido até a publicação desta Emenda contado com o acréscimo de 17% (dezessete por cento).
(…)’
Segundo o entendimento vigente neste Tribunal, as disposições acima não são aplicáveis ao caso em estudo, visto que revogadas pela Emenda Constitucional nº 41/2003, ressalvado o direito adquirido. Conquanto o art. 3º tenha assegurado o direito àqueles que já houvessem implementado todos os requisitos segundo normativo anterior, anotamos que, em 19/12/2003, o Magistrado não havia cumprido o quesito idade, totalizando aproximadamente 29 anos e 06 meses de tempo de contribuição efetivo, sem o cumprimento do denominado ‘pedágio’.
Pela regra do art. 6º, da Emenda Constitucional nº 41/2003, as seguintes condições devem ser cumpridas para aposentadoria integral e com paridade: 60 anos de idade e 35 anos de contribuição, 20 anos de serviço público, 10 anos de carreira e 5 anos de exercício no cargo em que se der a aposentadoria. Constata-se pelo documento de fl. 97, que o requisito idade somente será implementado em 2012. Há que se ressaltar que, das regras constitucionais até aqui citadas, esta não permite o acréscimo de 17% ao tempo de contribuição dos magistrados.
As disposições do art. 3º da Emenda Constitucional nº 47/2005 somente poderão ser aplicadas ao caso em 2011, quando, reduzindo-se um ano de idade por ano a mais de contribuição o Magistrado completará 37 anos de contribuição e 50 anos de idade, salvo modificação de entendimento do E. Tribunal Pleno quanto à aplicação das regras relativas ao direito adquirido”.
O parecer, portanto, negou a aplicação do critério de paridade para o magistrado requerente, tendo em vista o não preenchimento dos requisitos objetivos exigidos pelas regras de transição das normas constitucionais referentes à Reforma Previdenciária.
3. Atendendo ao Regimento Interno do TRF5 (art. 2º, II, “d”, 1), o processo foi encaminhado ao Plenário do Tribunal, onde recebeu parecer jurídico (DOC5, fls. 3-6) contrário à manifestação da Secretaria de Administração, com base no entendimento de que se deva aplicar os 17% para contagem de tempo de serviço ao caso em tela, concluindo, no que importa:
“Para esta Assessoria, a coerência do sistema normativo constitucional requer, o reconhecimento do direito adquirido ao tempo ficto de 17% para magistrados e membros do Ministério Público e do Tribunal de Contas da União, admitida a sequência de flexibilizações nas regras transitórias sem o condão de desconsiderar aquele.
(…)
O Parecer que se submete à consideração superior é para contagem do tempo do Desembargador solicitante (conforme Mapa juntado), com o acréscimo de 17%, dentro da opção prevista pelo art. 3º da Emenda 47/2005, o que se faz para a deliberação plenária que bem dirimirá o assunto no âmbito deste Tribunal”.
4. O Pleno do TRF da 15ª Região acolheu, por unanimidade, o voto do relator, cuja ementa do acórdão transcrevo abaixo:
“MAGISTRADO. APOSENTADORIA. TEMPO DE SERVIÇO EXERCIDO ATÉ A PUBLICAÇÃO DA EC Nº 20/98. ACRÉSCIMO DE 17% (DEZESSETE POR CENTO). DIREITO ADQUIRIDO.
O acréscimo de 17% (dezessete por cento) no tempo de serviço prestado pelo magistrado, até a data da publicação da EC n. 20/98, constitui parcela que se incorporou em definitivo ao seu patrimônio, para preservar o direito de aposentadoria de forma equivalente entre magistrados dos sexos masculino e feminino, que ingressaram na instituição anteriormente à alteração nas regras de aposentadoria da magistratura, não podendo ser suprimido pelo poder constituinte derivado sob pena de ofensa à cláusula pétrea da Constituição Federal, consubstanciada no respeito ao direito adquirido – Art. 5º, inciso XXXVI, da CF/88″ (DOC8, fls. 16/17).
Por meio do entendimento acima, restou consignado o dia 16 de novembro de 2009 como a data de
aposentação do magistrado em questão.
5. Essa decisão foi encaminhada ao Conselho Superior da Justiça do Trabalho, onde recebeu parecer técnico de seguinte teor:
“A questão posta nos autos cinge-se, portanto, na possibilidade ou não de aplicação do acréscimo de 17% sobre o tempo de serviço prestado até 16/12/1998, data da publicação da EC n.º 20/98, em face do que dispõe o seu art. 8º, quando o magistrado se aposentar com fundamento em regra de transição que não preveja expressamente esse acréscimo.
Anteriormente, a aposentadoria dos magistrados era regida pelo art. 93, inciso VI, da Constituição Federal, o qual assegurava aposentadoria especial a estes e aos membros do Ministério Público, de ambos os sexos, aos 30 anos de serviço e 5 anos de judicatura, e sem exigência de idade mínima.
Com a promulgação da Emenda Constitucional n.º 20/98, conhecida como reforma da previdência, as regras da aposentadoria modificaram-se substancialmente, principalmente para os magistrados, membros do Ministério Público e do Tribunal de Contas da União. De acordo com as novas alterações, a aposentadoria dos magistrados passou a ser regida pelas regras gerais do art. 40 da Constituição federal e pelas regras de transição, constantes do art. 8º da EC nº 20/98 e, posteriormente, do art. 2º, parágrafo 3º, da EC nº 41/2003. Com isso, a aposentadoria dos magistrados passou a ser aos 35 anos de contribuição, se homem, e 30 anos, se mulher.
Por essa razão, o legislador previu um bônus de 17% em relação ao tempo de serviço exercido até a publicação da Emenda Constitucional nº 20/98 para os magistrados do sexo masculino, durante o período de transição, atribuindo um peso maior ao tempo trabalhado antes da citada Emenda, de forma a minimizar os efeitos das novas regras.
No entanto, o art. 8º da EC nº 20/98 foi revogado pelo art. 10 da EC nº 41/2003, sendo que essa Emenda repetiu, no art. 2º, §§ 2º e 3º, as regras daquele dispositivo e, a Emenda Constitucional nº
47/2005 nada dispôs sobre esse acréscimo.
Cumpre informar que até o momento, o citado acréscimo somente fora concedido aos magistrados que satisfizeram os requisitos constantes do art. 8º, § 3º, da EC nº 20/98 e do art. 2º da EC nº 41/2003, que previam expressamente essa vantagem.
No entanto, a tese ora trazida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região não se resume à magistratura do trabalho, de forma a definir e limitar a competência deste Conselho Superior para adentrar o mérito do pedido, mas possui relevância para toda a magistratura nacional, motivo pelo qual submetem-se os autos à consideração de Vossa Senhoria, com vistas a elevá-lo à apreciação superior” (DOC9, fls. 14-16).
6. Acatando integralmente o parecer acima, a Presidência do Conselho Superior da Justiça do Trabalho determinou a remessa dos autos a este Conselho Nacional de Justiça para que uniformize o entendimento da matéria, no que diz respeito à concessão de aposentadorias a todos os magistrados do Poder Judiciário brasileiro.
7. Por sugestão da Presidência e demais Conselheiros desta Corte, determinei a intimação de todos os tribunais brasileiros a fim de perquiri-los sobre eventual impacto financeiro-administrativo decorrente de possível acatamento da tese do requerente. Essas informações buscaram, tão-somente, evitar o “elemento surpresa” ao Poder Judiciário no caso de concessão da tutela pretendida.
8. Das respostas recebidas, levantou-se o seguinte quadro:
• Responderam ao questionamento um número total de 47 (quarenta e sete) tribunais;
• Deste total, por volta de 55% (cinquenta e cinco por cento) afirmaram categoricamente que não haverá qualquer impacto administrativo financeiro a seus tribunais, v.g., sob os seguintes
fundamentos:
1. Pequeno número de magistrados a se aposentarem por conta do acréscimo de 17% no tempo de serviço, contados da posse até a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 20/98.
2. Desinteresse dos magistrados quanto à aplicação desta regra, haja vista a existência de regras supervenientes mais vantajosos, como a prevista na Emenda Constitucional nº 41/2003, que instituiu verba extraordinária para o magistrado que continue a exercer o ofício após o alcance do prazo para aposentadoria.
3. Boa parte dos tribunais afirmou que não haverá qualquer alteração em sua realidade administrativo-financeira, tendo em vista já aplicarem o cômputo dos 17% aos magistrados aposentados em seus tribunais.
• 33% (trinta e três por cento) dos tribunais não responderam com clareza ao questionamento, apenas enviaram o número de magistrados ainda em exercício que tomaram posse antes da entrada em vigor da EC nº 20/98, sem apontar qualquer fato relevante à eventual desacerto em relação à sua realidade administrativo-financeira.
• Cerca de 13% (treze por cento) dos respondentes afirmaram que haverá impacto administrativo-financeiro. No entanto, não revelaram a relação entre tal informação e a realidade do tribunal, cingindo-se, na maioria, a apontar reflexos orçamentários para os próximos 20 (vinte) anos.
É o meu relatório.
VOTO
1. O tema sobre a aplicação das regras de transição de aposentadorias afetadas pelas repetidas reformas do texto constitucional, tanto por intermédio da EC nº 20/98, quanto das demais Emendas 41/2003 e 47/2005, já fora tratado pelo Supremo Tribunal Federal quando da análise da Ação de Direta de Inconstitucionalidade nº 3.105, nos termos da ementa abaixo transcrita:
EMENTAS: 1. Inconstitucionalidade. Seguridade social. Servidor público. Vencimentos. Proventos de aposentadoria e pensões. Sujeição à incidência de contribuição previdenciária. Ofensa a direito adquirido no ato de aposentadoria. Não ocorrência. Contribuição social. Exigência patrimonial de natureza tributária. Inexistência de norma de imunidade tributária absoluta. Emenda Constitucional nº 41/2003 (art. 4º, caput). Regra não retroativa. Incidência sobre fatos geradores ocorridos depois do início de sua vigência. Precedentes da Corte. Inteligência dos arts. 5º, XXXVI, 146, III, 149, 150, I e III, 194, 195, caput, II e § 6º, da CF, e art. 4º, caput, da EC nº 41/2003. No ordenamento jurídico vigente, não há norma, expressa nem sistemática, que atribua à condição jurídico-subjetiva da aposentadoria de servidor público o efeito de lhe gerar direito subjetivo como poder de subtrair ad aeternum a percepção dos respectivos proventos e pensões à incidência de lei tributária que, anterior ou ulterior, os submeta à incidência de contribuição previdencial. Noutras palavras, não há, em nosso ordenamento, nenhuma norma jurídica válida que, como efeito específico do fato jurídico da aposentadoria, lhe imunize os proventos e as pensões, de modo absoluto, à tributação de ordem constitucional, qualquer que seja a modalidade do tributo eleito, donde não haver, a respeito, direito adquirido com o aposentamento. 2. Inconstitucionalidade. Ação direta. Seguridade social. Servidor público. Vencimentos. Proventos de aposentadoria e pensões. Sujeição à incidência de contribuição previdenciária, por força de Emenda Constitucional. Ofensa a outros direitos e garantias individuais. Não ocorrência. Contribuição social. Exigência patrimonial de natureza tributária. Inexistência de norma de imunidade tributária absoluta. Regra não retroativa. Instrumento de atuação do Estado na área da previdência social. Obediência aos princípios da solidariedade e do equilíbrio financeiro e atuarial, bem como aos objetivos constitucionais de universalidade, equidade na forma de participação no custeio e diversidade da base de financiamento. Ação julgada improcedente em relação ao art. 4º, caput, da EC nº 41/2003. Votos vencidos. Aplicação dos arts. 149, caput, 150, I e III, 194, 195, caput, II e § 6º, e 201, caput, da CF. Não é inconstitucional o art. 4º, caput, da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, que instituiu contribuição previdenciária sobre os proventos de aposentadoria e as pensões dos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações. 3. Inconstitucionalidade.
Ação direta. Emenda Constitucional (EC nº 41/2003, art. 4º, § único, I e II). Servidor público. Vencimentos. Proventos de aposentadoria e pensões. Sujeição à incidência de contribuição previdenciária. Bases de cálculo diferenciadas. Arbitrariedade. Tratamento discriminatório entre servidores e pensionistas da União, de um lado, e servidores e pensionistas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de outro. Ofensa ao princípio constitucional da isonomia tributária, que é particularização do princípio fundamental da igualdade. Ação julgada procedente para declarar inconstitucionais as expressões “cinquenta por cento do” e “sessenta por cento do”, constante do art. 4º, § único, I e II, da EC nº 41/2003. Aplicação dos arts. 145, § 1º, e 150, II, cc. art. 5º, caput e § 1º, e 60, § 4º, IV, da CF, com restabelecimento do caráter geral da regra do art. 40, § 18. São inconstitucionais as expressões “cinqüenta por cento do” e “sessenta por cento do”, constantes do § único, incisos I e II, do art. 4º da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, e tal pronúncia restabelece o caráter geral da regra do art. 40, § 18, da Constituição da República, com a redação dada por essa mesma Emenda.
(ADI 3105, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Relator(a) p/ Acórdão: Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 18/08/2004, DJ 18-02-2005 PP-00004 EMENT VOL-02180-02 PP-00123 RTJ VOL-00193-01 PP-00137 RDDT n. 140, 2007, p. 202-203)
Ainda que tratando de temática distinta à do presente, o voto do Ministro Cezar Peluso, Relator para o Acórdão na ADI acima, estabeleceu o alcance da garantia constitucional do “direito adquirido” nos seguintes termos:
“O art. 5º, XXXVI, ao prescrever que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”, protege, em homenagem ao princípio fundamental de resguardo da confiança dos cidadãos perante a legislação, enquanto postulado do Estado de Direito, os titulares dessas situações jurídico-subjetivas consolidadas contra a produção de efeitos normativos gravosos que, não fosse tal garantia, poderiam advir-lhes da aplicação da lei nova sobre fatos jurídicos de todo realizados antes do seu início de vigência.
6. Mas o direito adquirido ou exaurido, não precisaria dizê-lo, só se caracteriza como situação tutelada, invulnerável à eficácia de lei nova, quando haja norma jurídica que o contemple como tal no segundo membro de sua estrutura lingüística (proposição normativa), como conseqüência jurídica da perfeita realização histórica (fattispecie concreta) do fato hipotético previsto, como tipo (fattispecie abstrata), no primeiro membro da proposição normativa.
Talvez conviesse recordar ao propósito, conquanto em esquema simplificado, que toda norma jurídica prática, cuja vocação está em induzir comportamento, prevê, na primeira cláusula de sua formulação lingüística, enunciados em termos típicos mais complexos, fatos ou fatos de possível ocorrência histórica (fattispecie abstrata), e liga à sua realização completa no mundo físico (fattispecie concreta), por imputação ideal (causalidade normativa), na segunda cláusula, a produção de certo efeito ou efeitos jurídicos, redutíveis, de regra, às categorias conceituais de obrigações ou de direitos subjetivos.
De modo que, reproduzido na realidade, em toda a sua inteireza, com ocorrência do fato, o modelo ou tipo normativo, descrito como hipotético na primeira cláusula, dá-se, no mundo jurídico, o fenômeno chamado de incidência da norma sobre o fato (ou subsunção do fato à norma), mediante o qual o fato realizado se jurisdiciza e, fazendo-se jurídico, dá origem, por suposição, ao nascimento de direito subjetivo, isto é, direito reconhecido a titular ou titulares personalizados (com adjetivo possessivo). Daí afirmar-se:
‘Inexiste direito subjetivo sem norma incidente sobre fato do homem ou sobre o homem como fato: sobre seu mero existir ou sobre conduta sua. O direito subjetivo é efeito de fato jurídico, ou de fato que se jurisdicizou: situa-se no lado da relação, que é efeito. Isso quer nos direitos subjetivos absolutos, privados ou públicos, quer nos direitos subjetivos relativos’ LOURIVAL VILANOVA. Causalidade e Relação no Direito. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 146, nº
2)”
Ora, em se tratando da vigência da Emenda Constitucional nº 20/98, a qual garantiu o acréscimo de 17% de tempo de serviço aos magistrados do sexo masculino, para fins de aposentação, observo que a aplicação jurídica do instituto do “direito adquirido”, conforme manifestado acima, é perfeitamente cabível ao presente caso.
O artigo 8º da EC nº 20/98 configura, exatamente, a proposição normativa que veio dar suporte jurídico à aquisição do direito à contagem do tempo de serviço acrescido de 17% aos magistrados que já se encontravam em atividade no momento de sua entrada em vigor, e como tal, desde então, este direito já poderia ter sido averbado em suas respectivas anotações funcionais.
O que difere a questão posta na ADI nº 3.105 do presente caso é que, na primeira, a norma que alterou o sistema de arrecadação previdenciária tem por escopo regular relações jurídicas para o futuro, enquanto o disposto no art. 8º da EC nº 20/98 produziu seus efeitos imediatamente, pois seu objetivo foi o de incidir plenamente sobre situações fáticas já existentes quando de sua entrada em vigor.
2. Analogamente, pode-se concluir que essa espécie normativa que atribuiu o direito aos magistrados a acrescerem 17% ao seu tempo de serviço reveste-se de caráter nitidamente transitório, assim como as regras contidas no Ato da Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT, e sob esta configuração deve ser interpretada e aplicada.
No dizer de José Afonso da Silva (Aplicabilidade das Normas Constitucionais, São Paulo: Malheiros, 2004, pp. 204 ss):
“As normas das disposições transitórias fazem parte integrante da constituição. Tendo sido elaboradas e promulgadas pelo constituinte, revestem-se do mesmo valor jurídico da parte permanente da constituição. Mas seu caráter transitório indica que regulam situações individuais e específicas, de sorte que, uma vez aplicadas e esgotados os interesses regulados, exaurem-se, perdendo a razão de ser, pelo desaparecimento do objeto cogitado, não tendo, pois, mais aplicação no futuro.
(…)
São normas que regulam situações ou resolvem problemas de exceção. (…)
As normas transitórias têm, como visto, o mesmo valor jurídico das normas constitucionais. Quer isso dizer que são normas constitucionais. Têm, em regra, eficácia plena e aplicabilidade imediata. (…)” (grifos nossos).
Com efeito, ainda que não se trate tecnicamente de um dispositivo contido topologicamente no ADCT, não há como negar sua natureza transitória, visto que a regra contida no § 3º do art. 8º da EC nº 20/98 nada mais fez do que regular uma situação específica de determinadas categorias profissionais, buscando equalizar eventuais distorções causadas pela reforma.
Norma de caráter transitório, incide em relação às situações para as quais se destina e, em seguida, perde a vigência (no sentido de Pontes de Miranda, “Incidência e aplicação da lei”, in: Revista da Ordem dos Advogados de Pernambuco, ano I, nº 1, Recife, 1956: não pode mais incidir). Pode-se acrescentar que se trata de norma jurídica temporalmente uno-incidente, ou seja, “regra jurídica para classe de um caso só” (Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, 4ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1974, tomo I, p.8). Daí por que não ser relevante disposição “revogatória” ou cláusula restritiva contida nos textos das Emendas Constitucionais supervenientes, que deram continuidade à reforma previdenciária. Seu alcance exauriu ao incidir imediatamente aos casos por ela tutelados, fazendo o acréscimo de 17% ao tempo de serviço ser incorporado ao patrimônio jurídico dos magistrados que se encontravam em efetivo exercício à época.
3. Observe-se que a possibilidade de não acatamento dessa disponibilidade dos 17% como categoria de direito adquirido ensejaria seu reconhecimento como mera expectativa de direito. Nesse sentido, a balizada doutrina de Pontes de Miranda esclarece que a expectativa de direito corresponde “à posição de alguém em que se perfizeram elementos de suporte fáctico, de que sairá fato jurídico, produtor de direitos e outros efeitos, porém ainda não todos os elementos do suporte fáctico: a regra jurídica, a cuja incidência corresponderia o fato jurídico, ainda não incidiu, porque suporte fáctico ainda não há” (Tratado de Direito Privado, 4ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1974, tomo V, p. 291 – grifo no original). À toda evidência, as disposições da EC nº 20/98, no que tange à questão destes autos, incidiram imediatamente, eis que o suporte fático para a produção de seus efeitos era, especificamente, a existência de tempo de serviço já cumprido por magistrados e membros do Tribunal de Contas e do Ministério Público, aos quais se devem acrescer 17%. Portanto, há o suporte fático e há a norma jurídica sobre ele incidindo. Somente não ocorrera, à época, a imediata aposentadoria dos agentes públicos, porque isto não integrou os requisitos exigidos pela norma constitucional para o aproveitamento da disposição equalizadora. Adquiriu-se o direito à percepção do acréscimo, a ser computado no momento futuro da aposentação, assim que atingidos os demais requisitos para tanto (tempo total de serviço e idade). Quanto a estes últimos é que não se pode invocar o direito adquirido, uma vez que, enquanto não se perfizerem, norma posterior poderá vir a alterá-los e, caso esta norma traga novas regras de adaptação (transitórias), como a presentemente discutida, também tornar-se-ão direitos subjetivos de seus titulares e, assim também, tornar-se-ão integrantes de seus respectivos patrimônios jurídicos; inatingíveis, como a do caso em tela, por alteração posterior; e assim sucessivamente.
Nesse sentido, a lição de Carlos Ayres BRITTO (Teoria da constituição, p. 116 e 117):
“(…) o direito subjetivo que se leva ao patamar de direito adquirido (o adquirido é um plus em relação ao direito subjetivo) pode até não se encontrar em fase de exercício. Nem por isso deixa de ser direito adquirido, pois o exercício pode ficar pendente de pressupostos, a saber… o aguardo do lapso temporal, ou do preenchimento de certa condição, prefixados pela própria norma geral. Mas prefixados, não como requisitos de obtenção do direito (matéria de outra norma), e, sim, como requisitos do respectivo exercício; ou seja, é preciso distinguir entre a norma geral que dispõe sobre a implementação de termo ou de condição para a empírica fruição daquele mesmo direito que a primeira norma elementarizou”.
4. Caminhando um pouco além do reconhecimento ao direito adquirido, tem-se que a regra do § 3º do art. 8º da EC nº 20/98 traduz a manifestação de um ato jurídico perfeito, que nada mais é do que o próprio fundamento de garantia do direito adquirido. A respeito, preleciona DINIZ (1998, pp. 182 ss):
“(…) A segurança do ato jurídico perfeito é um modo de garantir o direito adquirido pela proteção que se concede ao seu elemento gerador, pois se a nova norma considerasse como inexistente, ou inadequado, ato já consumado sob o amparo da norma precedente, o direito adquirido dele decorrente desapareceria por falta de fundamento”.
E continua:
“(…) Claro está que a garantia do ato jurídico perfeito seria um modo de assegurar o direito adquirido, uma vez que o ato jurídico perfeito é um dos elementos geradores de direito adquirido e do dever jurídico correlato. Assim sendo, o ato jurídico perfeito não poderá ser alcançado por lei posterior, sendo inclusive imunizado contra quaisquer requisitos formais exigidos pela nova norma”.
Com efeito, o disposto no § 3º do art. 8º da EC nº 20/98 é o ato jurídico perfeito que concede legitimidade plena ao direito adquirido de computar 17% ao tempo de serviço exercido até sua entrada em vigor, qual seja, a data de 16 de dezembro de 1998.
A revogação posterior do artigo 8º da EC nº 20/98 pela EC nº 41/2003 em nada afetou o disposto no § 3º do referido artigo, visto se tratar de regra de transição, a qual opera efeitos imediatos. É norma de efeitos concretos que, uma vez entrando em vigor, atinge instantaneamente seu objetivo e, automaticamente, deixa de produzir qualquer efeito jurídico (o exercício do direito e a correspondente aplicação da norma é que ocorrerá após a incidência). Nesse sentido, sua revogação não traz qualquer alteração jurídica ou fática.
Por fim, a referida “revogação” foi apenas aparente, permaneceu no plano do significante, ou seja, da disposição constitucional, não atingindo a própria norma, pois o art. 2º, § 3º, da EC nº 41, manteve esse benefício (o acréscimo do tempo ficto de 17%), dentro do regime jurídico por ela estabelecido.
5. Diante do exposto, concluo pela aplicabilidade das disposições do § 3º do art. 8º da Emenda Constitucional nº 20, de 16 de dezembro de 1998, à contagem de tempo de serviço dos magistrados do sexo masculino, incidindo o tempo ficto de 17% (dezessete por cento) sobre o tempo de serviço exercido pelo magistrado até a data de publicação da referida Emenda. E, tendo em vista que este entendimento deverá ser aplicado a todos os magistrados que se encontrem em situação análoga, determino a expedição de ofício aos tribunais brasileiros, integrantes do Poder Judiciário, a fim de dar conhecimento do presente.
É o meu voto.
Brasília, 31 de agosto de 2010.
MARCELO NEVES
Conselheiro