Município pode fiscalizar Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural

Por Eduardo Diamantino

Odiado pelos latifundiários de direita e considerado tímido pelo proletariado de esquerda, esse tributo, em que pese seu caráter extrafiscal, não atende a nenhum interesse político de forma eficiente.

Por parte da Receita Federal seu desprestígio é óbvio. Veja que sua arrecadação foi de R$ 365 milhões em 2008, o que o deixa pequeno para a sanha tributária do Leão. Talvez por esta razão, tenha sido editada em 12 abril de 2006, a Instrução Normativa 643, revogada pela IN 884/2008, que previu a delegação de sua cobrança aos municípios. Veja o absurdo da situação: em um panorama de guerra fiscal que vivemos, a União resolve abrir mão da cobrança de um imposto.

A justificativa é que esse tributo é difícil de ser cobrado visto que é de lançamento por homologação; sua base de cálculo é o valor de mercado dos imóveis rurais em determinado município; o próprio órgão não dispõe de um controle sobre o valor de mercado dos imóveis rurais em nosso país. Nessa linha não são poucas as autuações sobre o valor de mercado dos imóveis, forçosamente “rebaixado” por contribuintes ávidos por recolher menos aos cofres da União. Assim, antes de terceirizar o imposto, a Receita despendeu alguma energia na tentativa de organizar um banco de dados (Sistema de Preços de Terras — SIPT) com os valores dos imóveis, conforme Portaria SRF 447/2002.

Veja como até aqui a história do nosso imposto é parecida com o conto de Hans Cristian Andersen. Renegado pelos seus pares, a pobre ave foi viver entre os patos. No nosso caso, foi parar na administração municipal. Terminam aqui as semelhanças entre o conto infantil e a vida real.

Analisando a legislação de algumas prefeituras, deparamo-nos com casos típicos de extrapolação de competência material. Referidos municípios, depois de firmarem convênio com a Receita, editaram decretos fixando o valor da terra nua por hectare, para fins de lançamento do ITR no ano de 2010. Obviamente, nessa fixação de valores houve, na maioria dos casos, um aumento desproporcional dos valores dos imóveis. Diria que o pretenso valor de mercado deixa de existir para a maioria dos municípios que firmaram o convênio.

Esses decretos estão cheios de irregularidades. O convênio firmado com a Receita Federal, em conformidade com a IN 884/2008, estabelece dentre outras regras, o seguinte: a delegação de atribuições de fiscalização, inclusive lançamento de créditos tributários, e de cobrança do ITR, não abrange o ITR por homologação; é obrigação do município conveniado informar os valores da terra nua por hectare (VTN/ha), para fins de atualização do Sistema de Preços de Terras (SIPT) da RFB e não para fins de determinação do VTN a ser declarado pelo contribuinte.

Em momento algum se alterou a forma de lançamento do imposto por homologação. A existência do Sistema de Preço de Terras tem como objetivo fornecer informações relativas a valores de terras para o cálculo e lançamento do ITR nos casos de revisão ou ante a omissão de lançamento de ofício. Nesse imposto só se faz esse tipo de lançamento se o DIAC ou DIAT tiver informações inexatas ou fraudulentas.

Para entender de forma diferente, deve se imaginar que decreto municipal teria o condão de revogar o artigo 8º da Lei 9.393/96 que obriga o contribuinte a entregar o DIAT, em cada ano, declarando o valor da terra nua (VTN), que deverá refletir o preço de mercado das terras, apurado em 1º de janeiro do ano, e será considerado autoavaliação da terra nua a preço de mercado.

É importante lembrar que caso esses decretos tenham sido editados em 2010, e impliquem em aumento de tributo, terão ferido o princípio constitucional da anualidade válido para impostos, que estabelece que nenhum tributo poderá ser exigido ou aumentado no mesmo exercício financeiro da lei.

Portanto, se o seu município extrapolou o que lhe foi delegado, confundindo fiscalizar com estabelecer pauta de valores, é hora de se valer do Judiciário na defesa dos direitos. Afinal, é difícil acreditar que, na realidade, um imposto “patinho feio” virasse cisne, mas é muito permitir que ele se torne mais estranho do que é.

Eduardo Diamantino é advogado e sócio do escritório Diamantino Advogados Associados, e vice-presidente da Academia Brasileira de Direito Tributário

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