Gabriel Pastore Neto
Após os recentes escândalos envolvendo a quebra irregular de sigilo fiscal de familiares de um dos candidatos à Presidência da República, assunto este amplamente divulgado pela imprensa, o Governo Federal comprometeu-se a tomar providências objetivando evitar novos acontecimentos da mesma espécie.
Neste esforço, foi publicada no Diário Oficial da União de 6 de outubro de 2010 a Medida Provisória 507/10, dispondo em seu artigo 5º:
“Art. 5º – Somente por instrumento público específico, o contribuinte poderá conferir poderes a terceiros para, em seu nome, praticar atos perante órgão da administração pública que impliquem fornecimento de dado protegido pelo sigilo fiscal, vedado o substabelecimento por instrumento particular”.
Primeiramente cumpre enfatizar que a utilização do instrumento Medida Provisória está excepcionalmente condicionada a situações de justificadas relevância e urgência, condições essas não presentes no caso concreto. Curiosamente é inquestionável a existência de inúmeras outras questões muito mais relevantes e urgentes em nosso país, questões estas que são completamente rejeitadas por nossos governantes.
Deixando a questão acima suscitada de lado, temos que o Código Civil Brasileiro, por seu artigo 657, reza que “a outorga do mandato está sujeita à forma exigida por lei para o ato a ser praticado”, razão pela qual é possível concluir que o legislador ordinário possui competência para determinar se há necessidade de utilização de procuração pública, ou não, caso a caso. Em outras palavras, a matéria pode ser tratada por Medida Provisória – desde que presentes os requisitos de relevância e urgência -, que possui status de lei.
A análise do dispositivo legal acima destacado revela que a intenção do legislador autor da MP 507 é obrigar que somente atos que impliquem no fornecimento de informações protegidas por sigilo fiscal fiquem sujeitos à outorga de procuração pública.
Conforme dispõe o parágrafo 3º, do artigo 5º, da MP 507, a Receita Federal do Brasil deveria editar normas com a finalidade de disciplinar o disposto no referido artigo.
E, justamente com essa finalidade – pelo menos em tese -, em 13 de outubro de 2010, foi publicada no Diário Oficial da União a Portaria RFB 1.860/10.
Deste dispositivo legal, importa destacar o disposto em seu artigo 3º:
“Art. 3º São protegidas por sigilo fiscal as informações obtidas em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades, tais como:
I – as relativas a rendas, rendimentos, patrimônio, débitos, créditos, dívidas e movimentação financeira ou patrimonial;
II – as que revelem negócios, contratos, relacionamentos comerciais, fornecedores, clientes e volumes ou valores de compra e venda, desde que obtidas para fins de arrecadação e fiscalização de tributos, inclusive aduaneiros;
III – as relativas a projetos, processos industriais, fórmulas, composição e fatores de produção.”
Analisando a Portaria RFB é possível extrair o entendimento de que a exigência de procuração pública continua se restringindo somente aos casos em que há interesse na obtenção de informações protegidas por sigilo fiscal.
No entanto, a fiscalização da RFB, em todo o país, não demonstrado ter o mesmo entendimento e, desde a data em que foi publicada a Portaria RFB 1.860/10, tem exigido a apresentação de procuração pública para todo e qualquer ato praticado perante a RFB por contribuintes representados por terceiros, o que é absurdo e impraticável.
Talvez a interpretação restritiva que vem sendo aplicada pela fiscalização da RFB encontre razão de ser na obscura redação da Portaria RFB 1.860, a qual poderia, sem sombra de dúvidas, ter sido mais rica, mais clara em relação àquilo que se entende por sigilo fiscal.
Mesmo assim é imprescindível observar que a Portaria jamais poderia ter contrariado as disposições contidas ma Medida Provisória 507, por duas razões:
1. A portaria é uma espécie de norma jurídica hierarquicamente inferior a uma medida provisória;
2. Nos termos do artigo 657 do Código Civil somente através de lei é que se pode determinar quais atos fica adstritos à outorga de procuração pública.
A situação criada é tão grave que atinge pessoas físicas e jurídicas interessadas a solucionar tanto questões relativamente simples quanto assuntos envolvendo um grau de complexidade maior. Lembrando que o fato que deu origem às alterações legislativas – quebra irregular de sigilo fiscal de familiares de um dos candidatos à Presidência da República – certamente é apenas um exceção se considerada totalidade dos atos praticados pelos contribuintes perante a RFB.
Isso sem mencionar o fato de que o custo para outorga de procuração pública é significativo, principalmente àqueles menos abastados, que agora ficam obrigados a nele incorrer. Imagine-se, então, um executivo de uma pessoa jurídica, que viaja por vários países em decorrência da natureza de suas atividades profissionais, sendo obrigado a comparecer frequentemente ao tabelião para lavrar sua assinatura em instrumento público de outorga de poderes. Situações extremas, descabidas e que estão acontecendo.
O fato é que os contribuintes estão enfrentando sérias dificuldades – e prejuízos -, pois a fiscalização chega ao extremo de exigir uma procuração pública para um dos atos praticados, como vistoria de carga em canal vermelho, requerimento de regimes especiais, parcelamentos e até mesmo para simples atendimentos.
Registre-se que há notícias de que algumas unidades da Receita Federal do Brasil aceitam a apresentação de cópia autenticada da procuração pública, mesmo que contendo poderes gerais.
Assim sendo, não pode ser descartada a possibilidade de impetração de Mandados de Segurança, objetivando a concessão de medida liminar, com a finalidade de evitar danos e prejuízos aos contribuintes.
Gabriel Pastore Neto é advogado em São Paulo