A Polícia Federal em Juazeiro (BA), a 502 quilômetros de Salvador, quebrou sigilos telefônicos e teve acesso a arquivos de computador para traçar o roteiro do vazamento do tema de apoio à redação do Enem, no dia 7 deste mês.
Eram cerca de 10 horas (horário local) quando a professora de Remanso (BA) Marenilde de Brito Affonso, aplicadora do exame para deficientes visuais no Colégio Ruy Barbosa, abriu a remessa de caderno de provas na presença de sete fiscais.
A orientação do Inep, órgão responsável pelo Enem, era de que a conferência do material só fosse feita a cinco minutos do início do exame – às 11h55, no horário local.
A checagem das provas deveria ser registrada em ata, o que não ocorreu.
No depoimento em que admitiu o vazamento, Marenilde disse à PF que ligou para a casa de sua sogra e repassou ao marido, Eduardo Ferreira Affonso – que também é professor – o tema da redação como sendo “trabalho e escravidão”. Mas o título era de um texto de apoio, pois o tema efetivo do exame era “O trabalho na construção da dignidade humana”.
Para entender o caso
* Às 10h06, Eduardo – o pai – começou a pesquisar sobre o assunto “trabalho e escravidão” na Internet.
* Às 10h17, ele ligou para o filho Eduardo Ferreira Affonso Júnior, de 21 anos, que faria a prova em Petrolina, no sertão do São Francisco, a 769 quilômetros de Recife. Explica a Júnior sobre o vazamento do tema sem contar como soube da informação.
* Às 11h Júnior pediu ajuda a professores do cursinho Geo Petrolina Pré-Vestibular para desenvolver a redação, caso fosse sobre trabalho e escravidão. Ele disse aos docentes que o tema havia vazado em São Raimundo Nonato (PI) e ele havia sido informado. O boato se espalhou e outros candidatos recorreram aos professores de português Marcos Freire de Paula, Ramón Bandeira e Diego Alcântara.
* Depois da prova, os professores deram entrevista a emissoras de rádio e televisão locais informando sobre a possibilidade de vazamento.
* A PF instaurou inquérito e, após dez dias de investigação, concluiu pela culpa do casal Marenilde e Eduardo. Eles foram indiciados por violação de sigilo funcional e podem ser punidos, em tese, com seis anos de prisão. O filho teve a prova cancelada pelo MEC.
Confirmação do vazamento
Quando houve a confirmação de que o tema citado por Eduardo tinha relação com o da prova e que um dos textos de apoio era sobre trabalho e escravidão, o professor Marcos Antonio Freire de Paula denunciou o vazamento à imprensa. A PF, então, iniciou a investigação.
“Nós tivemos a coragem de denunciar, mas quantos não tiveram?”, questiona o professor. “Não importa se um aluno ou cem foram beneficiados. O que importa é que está provado, mais uma vez, que o sistema é falho”, afirma De Paula.
A diretora do cursinho pré-vestibular Tema, Vera Lúcia Medeiros, é enfática. “Acredito piamente que houve mais casos de vazamento, por vários relatos que recebemos.”
Ela aponta um exemplo: outro estudante de Remanso, de 17 anos, que frequentou o cursinho dirigido por ela, acertou 172 das 180 questões – e gabou-se do resultado nos dias seguintes. “O desempenho dele antes da prova não indicava esse resultado” – disse ela.
Segundo o delegado Márcio Alberto Gomes, não é possível dizer se houve outros vazamentos.