Embora o processo em que foi proferida a sentença que condena o médico Roger Abdelmassih a 278 anos de prisão tramite com segredo de justiça para preservar as vítimas, a juíza Kenarik Boujikian Felippe, da 16ª Vara Criminal de São Paulo, expressamente autorizou a publicação do julgado.
Após o cuidado adotado de usar iniciais ou números para se referir às pacientes violadas, a magistrada acrescenta que “elas continuam protegidas e não são identificadas no corpo da sentença, razão do decreto de sigilo e da manutenção do processo em segredo de justiça”.
Para deferir a publicação pelos meios de comunicação social, a magistrada salienta que “trata-se de processo de acentuado interesse, pela repercussão social e especialmente, pelas diversas questões de direito que foram apresentadas, o que demonstra a conveniência de dar publicidade ao ato processual, como é a regra do processo penal”.
A juíza Kenarik Boujikian Felippe (foto) – mãe de três filhos, com idades entre 9 e 15 anos – é uma das fundadoras da Associação dos Juízes para a Democracia e militante de ONG que atua pelos direitos de mulheres encarceradas, sendo reconhecida pelos seus “posicionamentos liberais”. Para ela, penas altas não contribuem para a solução do sistema penal.
A sentença analisa também os episódios em que as investidas do médico se constituiram em beijos. “O beijo constrangido também foi submetido do mundo do Direito e o fato de não ser catalogado como conduta invasiva, tais como o sexo anal e oral, não afasta a tipificação do delito. (…) Beijar ou passar a mão pelo corpo da vítima pode configurar, sim, o atentado violento ao pudor”.
Uma das vítimas relata que, inicialmente, não teve coragem de contar para o marido e – como ele quisesse muito ser pai – prosseguiu o tratamento e engravidou, mas tinha muita “dor de ficar com aquilo para mim”.
Quando ela estava no quarto mês de gestação, estiletou suas pernas e quando o marido a encontrou relatou o que houve e “aí eu apanhei” . Para a família de seu marido “bater em mulher é normal, não tem nada de mais”.
Seu irmão fez contato com Roger que perguntou : “quanto vocês querem para ficar calados?”. Mas de maneira alguma pediu ou recebeu dinheiro.
O pai dela dizia: “quero matar esse homem”. O marido, depois do nascimento, fez a denúncia no CRM/SP, “que não deu em nada”.
A vítima desenvolveu um quadro depressivo por muitos anos, tentou se cortar por várias vezes e tem marcas no braço, nos pulsos. Era um autoflagelo. Fez tratamento psiquiátrico. Tentou o suicídio, inclusive em frente da clínica, mas um dos médicos, a socorreu.
“É uma situação tão difícil de explicar; a pessoa recebe a notícia de que vai ser mãe, passa por isso, conta para o marido, apanha, conta para família, a família se desespera” – desabafou a vitima, num depoimento compungente.