Por Pedro Henrique Dantas da Rocha
As reformas penais brasileiras nos últimos anos, em suma, vêm solidificando, por razões eleitoreiras e de oportunidade, o pensamento prevencionista, sobretudo no sentido da prevenção geral, mediante constantes aumentos de pena e agravamento da execução que se deram, por exemplo, com as várias leis dos crimes hediondos, que contam com enorme força apelativa e simbólica, como se a cominação abstrata fosse, por si só, solução para o grave problema da criminalidade no nosso país.
A teoria da coação psicológica, expressão jurídico-científica da prevenção geral, como formulada por Feuerbach, considerada, à época, a mais inteligente fundamentação do direito punitivo, sustentava que, por meio do Direito Penal, poder-se-ia dar uma resposta ao crescente problema da criminalidade, pois a ameaça da aplicação da pena funcionaria como uma poderosa ferramenta destinada a evitar o cometimento de crimes, em função do temor que causara, vislumbrando-se, assim, como uma verdadeira coação psicológica tendente a evitar o fenômeno delitivo. [1]
Na visão de Mezger, como instrumento de prevenção, a pena deve “atuar social e pedagogicamente sobre a coletividade” (prevenção geral) e deve “proteger a coletividade ante o condenado e corrigir a este” (prevenção especial)
Como ameaça, a pena constitui, para Hungria, “um poderoso meio profilático da fames peccati” e “um freio contra o crime” que, se de um lado, “reafirma o princípio da autoridade, que o criminoso afrontou”, de outro representa “um indireto contramotivo aos possíveis criminosos de amanhã”. [2]
É inegável que esse posicionamento doutrinário acabou tendo influência direta no Código Penal brasileiro vigente. O artigo 59 do Código revela de forma escancarada um duplo sentido para a pena: retribuição e prevenção. Diz textualmente: “O juiz, atendendo à culpabilidade aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime: as penas aplicáveis dentre as cominadas…”.
Portanto, conclui-se, que a pena com a finalidade de prevenção geral está positivada no ordenamento jurídico pátrio, e mais, incutida na mente da população, principalmente como fruto da reprodução em terras tupiniquins de uma tendência originária das mais reacionárias facções das elites ianques: O Movimento Lei e Ordem. [3]
Pois bem. O fato é que, invariavelmente, a pena como prevenção geral (mente) falha. Falha porque a autodeterminação é da essência do ser humano. No mais das vezes a pena não serve de contraestímulo ao criminoso que a recebe, até porque ao inclinar-se para o crime já conhece a existência da possibilidade de punição, a possibilidade de ser morto em eventual investida da vítima, de terceiros ou policiais, e mesmo assim não se demove de seu desiderato.
Por óbvio, servirá menos ainda qualquer criminoso potencial. A parcela ordeira da sociedade, à margem da realidade criminosa, nenhum reflexo sofrerá da pena imposta a outrem, na sua particular formação e personalidade. Um homem de bem não deixa de cometer crimes porque determinado criminoso fora condenado. Fosse o inverso, no atual estágio de impunidade, toda a sociedade já teria se voltado para a prática de crimes os mais variados, e não é isso que ocorre.
Chama-nos atenção, um caso em especial, que parece vir lecionar aos estudiosos das Ciências Penais e da Criminologia. Senão vejamos:
Em 31 de outubro de 2002, Suzane Louise Freifrau von Richthofen, estudante de Direito da PUC, e os irmãos Daniel e Cristian Cravinhos foram à casa dos von Richthofen e, utilizando barras de ferro, assassinaram Manfred Albert Freifrau von Richthofen e Marísia von Richthofen, pais da universitária paulistana.
A motivação: Suzane afirma que seus pais não aceitavam o namoro e a impediam de ver o rapaz. Além disso, existia um suposto interesse na herança.
Resultado: Suzane e Daniel foram condenados a 39 anos de prisão e Cristian a 38 anos. Atualmente, presa em regime fechado, Suzane esperava cumprir pena em regime semiaberto, mas o pedido de Habeas Corpus, nem ao menos será analisado pelo Supremo Tribunal Federal. A decisão foi tomada em 11 de fevereiro de 2010 pelo ministro Ricardo Lewandowski. O pedido de liminar também foi negado em dezembro de 2009.
Punição exemplar, diriam. Ninguém ousaria repetir tal barbaridade, afinal, a pena é um hábil instrumento de prevenção geral, certo? Errado.
Na manhã do dia 15 de dezembro de 2010, foram presos em São Bernardo do Campo, a advogada Roberta Tafner e seu marido Willians de Souza, como sendo os principais suspeitos do assassinato dos pais da advogada paulistana: Wilson Roberto Tafner, de 68 anos, dono de uma firma de representações, e Tereza Maria Nogueira Cobra, de 60 anos, também advogada.
Coincidência ou não, o crime foi, em tese, arquitetado pela filha única do casal e executado por seu marido. A motivação, teoricamente, seria um interesse patrimonial, tudo em absurda semelhança com o caso anteriormente citado, da universitária Suzane von Richthofen.
Para conferir maior relevo à situação apresentada, observemos que, em ambos os casos, as autorias intelectuais do delito foram atribuições de pessoas ligadas, estreitamente, ao mundo jurídico. Certamente, com conhecimento pleno dos preceitos secundários do artigo 121 do Código Penal de 1940.
Os mais céticos ainda diriam: é um caso isolado. Dizemos, não. Não é.
Um patrimônio estimado em R$ 25 milhões que ficaria como herança é o motivo apontado pela Polícia Civil da Bahia para o assassinato do fazendeiro Guerino Kieling, de 62 anos, e da filha dele, Lisi Kieling, de 37, no dia 14 de julho de 2010, na fazenda da família em Barreiras, extremo oeste da Bahia. De acordo com o delegado Vivaldo Luz, os mandantes do crime são os dois filhos do fazendeiro, Celso e Nilso Kieling.
Um crime bárbaro, em meados de 2007, abalou a cidade de Betânia, distante 500 kilômetros ao Sul de Teresina. O lavrador Nei Pereira da Silva, de 27 anos, matou com pauladas na cabeça, a própria mãe, Guiomar Pereira da Silva, de 57 anos. O delegado Antonio Milton Batista da Silva diz que Nei Pereira da Silva queria ficar com a herança da mãe, que incluía a casa e uma propriedade na zona rural da cidade. Ele não trabalhava e isso seria a maneira de manter o casamento.
Podemos concluir com uma das célebres frases de Roberto Lyra, afirmando que “Seja qual for o fim atribuído à pena, a prisão é contraproducente. Nem intimida, nem regenera. Embrutece e perverte. Insensibiliza ou revolta. Descaracteriza e desambienta. Priva de funções. Inverte a natureza. Gera cínicos ou hipócritas. A prisão, fábrica e escola de reincidência, habitualidade, profissionalidade, produz e reproduz criminosos”.[4]
Da forma como as coisas caminham, apenas conseguimos enxergar a pena – especialmente a de prisão -, tão-somente como expiação. Castigo severíssimo para a maioria das infrações penais. Portanto, de pouco sentido útil, já que destoa, completamente, dos dogmas ético, humano e ressocializador.
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[1] BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão – Causas e alternativas. São Paulo: Ed. RT, 1993. p. 115
[2] HUNGRIA, Nélson. Novas questões jurídico-penais. Rio de Janeiro : Jacintho, 1940. p. 132
[3] O Movimento da Lei e Ordem tem origem nos Estados Unidos da América onde ficou conhecido como law and order. Este movimento, integrado principalmente por políticos com inclinações contrárias às conquistas das organizações de defesa dos direitos humanos, e pela mídia voltada à população econômica e culturalmente menos favorecida, parte do pressuposto de que a criminalidade e a violência encontram-se em limites incontroláveis, e que este fenômeno é fruto de legislação muito branda e dos benefícios excessivos conferidos aos criminosos, pois não têm estes receio de sofrer a sanção.
[4] LYRA, Roberto. (1942). Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, p. 509
Pedro Henrique Dantas da Rocha é advogado, membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RN, na subseccional de Caicó.