OAB muda para tentar aperfeiçoar o Exame de Ordem

Por Maurício Gieseler de Assis

Foi publicado no Diário Oficial da União o Provimento 144, de 13 de junho de 2011, que regerá o novo Exame de Ordem da OAB.

Este Provimento surge após uma sequência de problemas no Exame da OAB, remontando ao Exame 2009.2, em que a OAB se viu obrigada a recorrigir as provas por pressão dos candidatos, insatisfeitos com os espelhos; ao 2009.3, quando foi descoberto o vazamento da prova, e, posteriormente, um grande esquema de fraudes; o 2010.1, último administrado pelo Cespe, quando o percentual de reprovação ainda na primeira fase foi de 90%; ao 2010.2, estreia da Fundação Getúlio Vargas, cuja prova objetiva foi muito elogiada, mas a subjetiva foi um desastre completo, com erros sistemáticos nos espelhos de correção, violação ao Provimento 136/2009, quedas nos servidores da FGV que inviabilizaram a interposição de recursos e correções mal-elaboradas, que resultaram no ajuizamento de diversas Ações Civis Públicas pelo Ministério Público Federal; e, finalmente, o último Exame, em que os candidatos reclamaram novamente da não observância do Provimento de regência, sob a alegação da ausência de cinco questões de Direitos Humanos previstas no edital e no Provimento (problema que também resultou em uma Ação Civil Pública), além das provas da segunda fase, extremamente extensas e cansativas.

O novo Provimento traz consigo a expectativa de finalmente resolver os sistemáticos problemas do Exame e dar fim a essa triste sequência. E o faz não só para evitar constrangimentos e, literalmente, uma miríade de ações contra a OAB (na reunião do Conselho Federal na última segunda-feira foi passada a informação de que existem mil ações na Justiça Federal por conta do Exame de Ordem), como também para preservar a imagem do Exame, levando em conta as diversas propostas que tramitam no Congresso Nacional visando alterá-lo radicalmente ou mesmo eliminá-lo.

Na leitura de sua redação, nota-se que as alterações mais profundas não foram concentradas na prova em si, que sofreu apenas mudanças pontuais, mas sim em sua estrutura administrativa, mais compartimentalizada, estruturada e com competências bem delimitadas.

Em relação às mudanças na prova, a mais acentuada foi a redução do número de questões, que passou de 100 para 80, com a manutenção do percentual mínimo para aprovação (50%, ou 40 questões), do tempo de prova (cinco horas) e do número de alternativas por questões (quatro para cada questão). O tempo de prova e o número de alternativas não estão previstos no Provimento, mas a OAB não irá alterá-los.

Essa redução torna a aprovação no Exame de Ordem um pouco mais complicada, pois o conteúdo a ser estudado permanece o mesmo. Dessa forma, o candidato precisa se preparar mais para evitar não só os erros, como também evitar que algum conteúdo não estudado seja cobrado na prova.

Por outro lado, essa redução, de forma inteligente, atende ao desejo da OAB de selecionar os candidatos aptos ao exercício da advocacia: se para ser aprovado será necessário conhecer mais o já regularmente exigido no Exame, os candidatos, em tese, estariam melhor preparados para o exercício da advocacia caso aprovados.

Outra regra cogitada, mas também ausente do Provimento, foi a redução do número de questões na prova subjetiva, com a retirada de uma questão, mantendo-se o tempo de prova, e também o fim de subdivisões nas respostas, muito criticadas pelos candidatos em provas passadas.

A redução de três Exames para dois por ano, apesar de intensamente debatida no Conselho, não foi aprovada. Ponto para os candidatos, pois a supressão de uma prova poderia reduzir o número de aprovados por ano em aproximadamente 30%, e isso resultaria em mais críticas à OAB e à tese de reserva de mercado, além de estender ainda mais o prazo para um candidato finalmente conseguir a aprovação. A OAB, em conjunto com a FGV, conduziu uma pesquisa entre os examinandos do Exame de Ordem 2010.2 e levantaram a informação de que aproximadamente 80% destes já fizeram a prova ao menos uma vez.

Atualmente, com um percentual de reprovação na casa dos 85%, esse dado é revelador: no Exame de Ordem, a regra é ser reprovado.

Foi mantida também a regra que permite a inscrição de acadêmicos do último ano ou do nono ou décimo semestres de suas faculdades. É importante ressaltar que a OAB não a flexibiliza. Ou o candidato está integralmente matriculado no último ano, sem pendências, ou a OAB, no ato de inscrição, após a colação de grau, não permitirá a inscrição do aprovado em seus quadros.

A OAB também manteve a regra de 15% das questões versando sobre o Estatuto da Advocacia e da OAB e seu Regulamento Geral, Código de Ética e Disciplina e Direitos Humanos. Nota-se a indefinição quanto ao numero de questões destinadas à Deontologia Jurídica ou aos Direitos Humanos. Pode perfeitamente variar de prova para prova, dentro dos 15%.

Quanto ao conteúdo, serão contempladas as disciplinas do Eixo de Formação Profissional, afora os supramencionados, podendo também conter disciplinas do Eixo de Formação Fundamental. O curioso aqui reside na expressão “podendo conter disciplinas do Eixo de Formação Fundamental”. Houve a percepção, pela comissão criada para regulamentar o Exame, de que essa regra no provimento anterior não era efetivamente posta em prática. O “podendo” flexibiliza a redação e retira qualquer cobrança da OAB, facultando, no futuro, a inserção de tais disciplinas, como Filosofia Jurídica, Sociologia Jurídica, Psicologia Jurídica, Metodologia Jurídica, Teoria Geral do Estado e Ciência Política, entre outras. É importante ressaltar que futuras inserções serão objeto não só de análise prévia como também de um debate entre a OAB e os envolvidos no Exame, como cursos, faculdades e candidatos, o que parece ser uma mudança de postura muito positiva e salutar.

Os candidatos, de forma distinta do último Provimento, terão de prestar o Exame na unidade federativa em que concluíram o curso de Direito, ou na sede do seu domicílio eleitoral. As Seccionais receberão e avaliarão as justificativas dos candidatos que desejarem fazer a prova em outra localidade devido à mudança de residência. Entretanto, o procedimento só será definido no edital, a ser publicado hoje (15/6/2011).

A mudança mais polêmica, sem dúvida, foi a supressão da regra contida no § 3º do Art. 6º do Provimento 136/09, em que os examinadores deveriam avaliar o raciocínio jurídico, a fundamentação e sua consistência, a capacidade de interpretação e exposição, a correção gramatical e a técnica profissional demonstrada. Tal supressão se deu ao argumento de que muitos candidatos estavam buscando a via judicial para obter os décimos destinados a essa avaliação, apesar de terem errado a questão em si. Segundo a OAB, na reunião da última segunda-feira, apesar da supressão da citada regra, esses parâmetros de correção seriam observados.

Entretanto, sem destinar ao espelho da prova a mensuração da correção desses critérios, fica difícil determinar exatamente a destinação dos décimos de pontos para os itens de uma questão subjetiva. A pura supressão da regra do § 3º do Art. 6º foi uma solução mais fácil e óbvia para o problema da judicialização da prova, mas não aparenta ser a mais adequada

Essas são, na essência, as mudanças voltadas para a prova em si.

Por outro lado, o mais interessante está nas mudanças ocorridas na gestão do Exame. Percebe-se um nítido interesse em evitar problemas na aplicação das futuras provas, pois a Ordem criou uma série de mecanismos novos visando a este objetivo.

Na reunião de deliberação do novo Provimento, duas preocupações centrais ficaram bastante nítidas. A primeira é com a “desjudicialização” do Exame, e a segunda com a percepção geral de que a aplicação da prova não estava a contento.

Numa tentativa de sanar problemas eminentemente de gestão, podemos destacar a criação da Banca Examinadora e da Banca Recursal. Ambas aparentemente funcionarão como instâncias de regulação, um verdadeiro filtro para detectar problemas na prova.

A Banca Examinadora terá a incumbência de escolher as questões (formuladas pela FGV), prevenindo eventuais erros ou conflitos com o Provimento ou com o edital de regência do certame. Já a Banca Recursal será responsável por avaliar os recursos e, se for o caso, determinar a padronização dos critérios de correção. Não são poucas as reclamações de violação ao princípio da isonomia nas correções, pois vários candidatos apresentavam notas díspares nas mesmas questões apesar de apresentarem fundamentos idênticos.

A OAB estruturará essas bancas com advogados professores, a serem indicados pelo presidente do Conselho Federal. Eles atuarão em conjunto com a FGV. Houve inclusive a preocupação de que os membros da Banca Examinadora não façam parte da Banca Recursal, além da vedação da participação de professores de cursos preparatórios ou parentes de examinandos até o quarto grau.

Também podemos destacar a criação da Coordenação Nacional de Exame de Ordem, cuja competência é organizar o Exame e zelar por sua boa aplicação. Nos debates ocorridos no Conselho, enfatizou-se bastante o fato de a Coordenação precisar ter um número menor de membros, e isso foi previsto no Provimento, principalmente com o fito de agilizar os processos decisórios, mais demorados quando se precisa reunir 27 conselheiros de seccionais, como ocorre atualmente. Também se cogitou a profissionalização da Coordenação e mesmo, em um futuro não muito distante (três anos), a criação de uma Fundação própria apenas para cuidar da aplicação do Exame, substituindo a FGV.

Ficou clara a preocupação com os processos de gestão e organização do Exame como um todo. Se esses novos órgãos funcionarem adequadamente, é bem possível que a prova da OAB, de agora em diante, consiga passar ao largo de problemas, reduzindo bastante o desgaste na imagem do Exame. E, com a expansão no ensino superior batendo na porta, com seus inevitáveis reflexos no ensino jurídico, isso é mais do que necessário.

Falta agora pouco mais de um mês para a prova. Em breve saberemos se o novo Provimento e a nova postura da OAB renderão frutos.

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