Falta de indícios mínimos de autoria ou materialidade na denúncia suficientes para justificar o prosseguimento da ação levou os ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) a determinar o trancamento de processo por crime de concussão envolvendo dois policiais civis de São Paulo. Eles são acusados de exigir dinheiro para não apreender veículos de um suposto líder crimino do estado, detido em flagrante por tráfico de entorpecentes, durante a Operação Indra, em 2005.
A Operação Indra, do Departamento de Investigações sobre Narcóticos (Denarc) de São Paulo, prendeu Ronaldo Duarte Barsotti de Freitas, conhecido como Naldinho, apontado pela polícia como líder do tráfico na Baixada Santista, após investigação que teria interceptado conversas telefônicas entre ele e outro acusado que também foi detido na ocasião. Além deles, foram presos 50 suspeitos, dos quais 13 indiciados por tráfico de drogas e associação para o crime.
Segundo denúncia do Ministério Público, o delegado e o investigador-chefe responsáveis pela lavratura do auto de prisão em flagrante teriam combinado previamente o crime de concussão, colocado em prática pelo investigador-chefe. Em conversa reservada com o advogado de Naldinho, ele teria exigido dinheiro para não apreender carros das lojas de veículos do acusado, nas cidades de Santos e São Paulo.
Na ocasião, o advogado teria aconselhado o investigador-chefe a fazer a exigência criminosa diretamente para Naldinho, que foi colocado dentro da sala e teria recusado a proposta. O policial teria insistido, insinuando que poderia imputar ao acusado outros crimes, o que não modificou sua resposta. Durante o inquérito da Operação Indra, diversos veículos de Naldinho, que poderiam ter sido comprados com dinheiro do tráfico, foram apreendidos.
Os fatos narrados pelo advogado foram investigados em inquérito policial, que concluiu pela inexistência do crime. O Ministério Público, ainda assim, denunciou os dois policiais civis. Na primeira instância, o juiz da 10ª Vara Criminal Central de São Paulo rejeitou a denúncia por considerar que a acusação foi fundamentada apenas no depoimento de uma única testemunha, o advogado de Naldinho, desmentido posteriormente pelo próprio cliente, que negou eventuais exigências de vantagem financeira feitas pelos policiais.
Ao julgar recurso de apelação do Ministério Público, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) aceitou a denúncia contra eles, por entender que o depoimento do advogado bastava para justificar a abertura da ação penal. Só com o processo, segundo o TJSP, seria possível verificar a veracidade da acusação.
O tribunal paulista afirmou ainda que a denúncia pressupõe a existência de elementos de convicção sobre o crime envolvendo os dois servidores públicos, não sendo necessária, nessa fase, uma prova definitiva. Além disso, o TJSP considerou que a sociedade tinha o direito de ver esclarecidas as denúncias contra os dois, sobretudo por exercerem função policial.
O relator do habeas corpus impetrado pela defesa dos policiais civis no STJ, ministro Gilson Dipp, afirmou que, apesar de descrever, em tese, um fato criminoso, o inquérito “deixa de apontar mínimos indícios de autoria ou materialidade suficientes para a promoção da ação penal”.
Gilson Dipp destacou que o acórdão de segunda instância foi fundamentado apenas no depoimento de uma única testemunha, que confirmou o delito. “No curso do inquérito, no entanto, mais nenhum indício foi apurado, mas sim ao contrário, tanto que a conclusão deste foi pela inexistência de qualquer conduta típica”, afirmou o ministro.
“Patente está, portanto, a ausência de justa causa para a instauração da ação penal, porquanto inexistem indícios da prática do crime imputado aos pacientes, revelando-se temerário o prosseguimento de ação penal para se verificar, somente em juízo, a idoneidade das imputações que sobre eles recaem”, considerou Gilson Dipp. Os ministros da Quinta Turma acompanharam de forma unânime o voto do relator e determinaram o trancamento da ação por falta de justa causa.
Diversos acusados pela Operação Indra foram soltos em 2008 por meio de habeas corpus do STJ, que anulou parte do processo ao entendimento de que houve cerceamento de defesa. Naldinho está desaparecido desde dezembro do mesmo ano.