Críticas ao novo projeto de CPC são senso comum

Por Teresa Arruda Alvim Wambier

Não tenho como objetivo, neste texto, elogiar o projeto para um Novo Código de Processo Civil, a que me dediquei, na posição de relatora, juntamente com competentíssima Comissão de Juristas, presidida de modo firme e sereno pelo ministro Luiz Fux, durante alguns meses, com imenso empenho, integral dedicação e, por que não dizer, carinho mesmo. E uma boa dose de stress.

A finalidade deste texto é unicamente a de rebater as principais críticas que injustamente vêm sendo feitas ao CPC projetado, com argumentos cuja pertinência e sensatez são aferíveis pelo mero senso comum, e só nesta exata medida, é que mencionarei algumas suas características que considero inegavelmente positivas.

Passada a longa fase de debates públicos, promovida pelo Senado Federal, por meio de diversas audiências públicas, realizadas em diferentes estados da Federação; concluída a fase de coleta de sugestões, portanto, a nossa Comissão trabalhou incansavelmente, sob a presidência do ministro Luiz Fux, e entregou ao Senado um anteprojeto. A Comissão, por decisão do senador José Sarney, é bom registrar, foi composta por juristas representativos das mais diferentes tendências teóricas, estados da Federação, e classes de operadores do Direito, e até de diferentes faixas etárias, de modo a que pudesse efetivamente representar não a opinião de um ou outro segmento, de uma ou outra Escola de Direito, mas, efetivamente, a média do pensamento jurídico-processual brasileiro.

Esse anteprojeto foi submetido ao crivo dos senadores da República, que, em Comissão Especial, contaram com o auxílio de outra Comissão de Juristas, representativa de outras tendências e escolas de processo civil, que terminou por aprová-lo.

Antes que tivesse início a sua tramitação na Câmara dos Deputados, o Ministério da Justiça, por sábia e sensata orientação do ministro José Eduardo Martins Cardozo, promoveu ampla consulta pública, por meio de seu portal na internet, colhendo milhares de sugestões, formuladas por estudiosos dos mais diferentes quadrantes do país.

Agora, na Câmara dos Deputados, por iniciativa de seu presidente, deputado Marco Maia, foi nomeada Comissão Especial, que dará curso à discussão e à tramitação legislativa do Projeto.

Surpreendentemente, uma das insistentes críticas ao CPC projetado é a de que o processo pelo qual passou não teria sido democrático. Esse procedimento todo, que teve início com a coleta pública de sugestões dos advogados, juízes, professores, promotores, procuradores, defensores e estudiosos em geral, tem sido, inacreditavelmente, duramente criticado, sob a alegação de que não teria sido democrático!

A História do Brasil republicano contou com dois extraordinários Códigos de Processo Civil: um em 1939, outro, em 1973. Ambos são reconhecidos como CPCs representativos, em suas respectivas épocas, dos avanços possíveis, no sentido de normatizar com eficiência a prestação do serviço jurisdicional do Estado brasileiro.

Todavia, em que pese o respeito que se deva registrar com relação à qualidade dos dois CPCs, a verdade é que nenhum deles foi precedido de qualquer tipo de consulta pública, ou da oitiva de representantes das diferentes tendências teóricas ou das diversas classes de operadores.

Agora, na discussão deste Projeto, o processo democrático de consulta aos operadores foi intenso e exemplar, na exata medida em que a todos esteve aberta a possibilidade de sugerir modelos de institutos capazes de contribuir para a modernização do sistema processual brasileiro. Professores das mais diferentes escolas e tendências foram chamados a participar com suas críticas e sugestões, quando das audiências públicas.

Nem todas as sugestões foram acolhidas, todavia. Por razões óbvias. O Projeto deve ter um mínimo de coerência intrínseca, o que é absolutamente incompatível com o acolhimento de toda e qualquer sugestão, ainda que, em si mesma, interessante. Aliás, um dos aspectos essenciais da democracia implica basicamente o direito de participar e não necessariamente de ver acolhidas as opiniões dadas.

Uma das críticas que mais têm sido divulgadas, em razão, inclusive, da estatura intelectual de seus autores, é a que diz respeito à falta de pesquisas capazes de direcionar a formulação da proposta do novo CPC a um novo modelo.

Além dessa crítica, há outra, igualmente frequente: não haveria outras prioridades, capazes de, se implantadas, facilitar a prestação do serviço jurisdicional?

Mas, é de se perguntar, quantas leis brasileiras são precedidas de pesquisas estatísticas sérias e confiáveis?

Sim, muitas outras coisas devem ser feitas além de um novo CPC. Deve-se estimular a mediação, a conciliação, o uso da arbitragem. O Estado também deveria cumprir os seus deveres, pois, ao que parece, é um litigante frequente. Mas, por isso, não é bom que tenhamos um novo Código?

Outra das críticas severas é a que procura desconstruir o trabalho até aqui realizado por todos quantos estão envolvidos no grande projeto de elaboração de um novo Código de Processo Civil, sob a alegação de que o Projeto não seria revolucionário, não promoveria uma radical mudança de paradigmas. Não seria, enfim, uma grande novidade. Mas, quem estaria legitimamente autorizado, pela sociedade brasileira, a promover essa “revolução”? Com que bases teóricas e com que fundamentos empíricos? Aliás, essa revolução seria mesmo necessária?

Estamos, com este CPC projetado, dando um passo à frente e nunca foi intenção da Comissão a de desprezar conquistas do passado, mantidas no presente, para adotar uma “linha teórica nova”, pelo amor às inovações ou pela vaidade de deixar a sua “marca”. A marca ficará registrada, positiva ou negativamente, como resultado das efetivas alterações que este CPC, se aprovado, terá o condão de gerar no mundo dos fatos.

E acreditamos, sim, que a mudança da lei é capaz de produzir alterações no mundo dos fatos. Claro que não de uma forma pueril e otimista: é evidente que a mudança da lei não opera milagres. Mas é um fator obviamente relevante, cujo papel não pode ser menosprezado.

Ademais, a lei, simultaneamente, é, por um lado, fruto de um estágio cultural de determinado povo e, por outro lado, é, sim, capaz de induzir mudanças culturais.

Não são necessárias pesquisas para se saber que a jurisprudência instável estimula o uso de recursos e até a propositura de ações. O CPC projetado encoraja o Poder Judiciário a valorizar sua jurisprudência, fazendo de alterações bruscas absoluta exceção. Muitos princípios expressamente enunciados demonstram que a valorização da segurança jurídica foi levada a sério: alterada a jurisprudência pacificada de tribunal superior pode haver modulação dos efeitos desta mudança.

O Poder Judiciário não deve, sempre que possível, deixar o jurisdicionado sem resposta: nulidades devem ser corrigidas, vícios ligados a pressupostos processuais devem ser sanados, causas de inadmissibilidade de recurso podem ser ignoradas. O CPC projetado exigirá do juiz um comportamento menos formalista, estimulando-o a entregar a prestação jurisdicional completa e de mérito, de forma que o conflito subjacente à demanda nunca mais retorne ao Poder Judiciário.

Leis mudam comportamentos. Leis são importantes fatores nas mudanças culturais de um povo. Ainda mais quando há boa vontade por parte dos diretamente afetados e da sociedade como um todo. Esta boa vontade que deveria haver por parte de toda sociedade, traduzida por sugestões concretas e pontuais encaminhadas à Câmara dos Deputados, para aprimoramento do texto existente.
Sim, porque leis, sozinhas, não fazem milagres. Mas nós, brasileiros, se quisermos, faremos.

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