Ônus da prova não é ônus financeiro das provas

Por Douglas Nadalini e Pedro Luiz Serra Netto Panhoza

Frequentemente, em sede de Ação Civil Pública, o Ministério Público se vale da benesse do artigo 18 da Lei 7.347, de 1985, a Lei da Ação Civil Pública, para se abster do adiantamento dos honorários periciais e quaisquer outras despesas do processo. O artigo tem a seguinte redação:

Nas ações de que trata esta lei, não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogado, custas e despesas processuais.

O entendimento de que a lei deveria ser interpretada literalmente foi abandonado pela mais recente jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que vem aplicando a Súmula 232 em casos em que se exige do Ministério Público o pagamento de honorários periciais e o órgão se insurge contra. É o teor da súmula: “A Fazenda Pública, quando parte no processo, fica sujeita à exigência do depósito prévio dos honorários do perito”.

Ambas as Turmas do STJ entendem, em nossa opinião, acertadamente, que o profissional nomeado para elaboração de trabalho técnico em uma ação civil pública não deve arcar com o ônus de sua realização, custeando todos os entreveros que se enfrenta na realização de uma perícia. Tratava-se o profissional indicado como se funcionário do Estado fosse, determinando-se o início da perícia sem o prévio adiantamento de valores essenciais para iniciá-la, devendo o profissional se valer de seus próprios meios para custear o trabalho para o qual foi nomeado. Isso quando não, erradamente, juízes monocráticos não impunham aos réus a obrigação de honrar com as despesas pela prova quase sempre requerida pelo autor — Fazenda Pública ou Ministério Público.

O entendimento jurisprudencial que passa a prevalecer foi esposado no acórdão de relatoria da ministra Eliana Calmon, nos autos do Recurso Especial 891.743/SP, da 2ª Turma do STJ. Tratava de Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público de São Paulo visando reparar e cessar a degradação ambiental causada pelo armazenamento irregular de resíduos industriais. Deferida a perícia, seguidas renúncias dos peritos nomeados levaram o Juízo de primeiro grau a determinar ao MP que procedesse ao adiantamento de R$ 198 mil dos honorários pericias estimados e arbitrados. A decisão foi atacada por agravo de instrumento, que foi improvido e deu ensejo à interposição do referido Recurso Especial.

A própria relatora consigna em seu acórdão a hipótese de se utilizar o fundo formado com as indenizações impostas nas ações civis públicas para atender às despesas de perícia, quando requerida a prova pelo membro do Ministério Público. O recurso foi negado, por votação unânime.

A ementa destaca que o STJ posiciona-se

no sentido de não impor ao Ministério Público condenação em honorários advocatícios, seguindo a regra de que na ação civil pública somente há condenação em honorários quando o autor for considerado litigante de má-fé”. E acrescenta ainda que “em relação ao adiantamento das despesas com a prova pericial, a isenção inicial do MP não é aceita pela jurisprudência de ambas as turmas, diante da dificuldade gerada pela adoção da tese”

O julgado consolida o entendimento de que não se confunde “inversão do ônus prova” com “inversão do ônus financeiro das provas”.

Em termos práticos, a consolidação do posicionamento jurisprudencial possibilitará maior celeridade em ações civis públicas, que muitas vezes restam obstadas na fase de dilação probatória pela indefinição quanto ao pagamento de honorários periciais. Também a comum renúncia de peritos judiciais nomeados deve ser reduzida, pois a falta de pagamento é o maior fator de não aceitação do encargo. Espera-se, enfim, que haja maior atenção do Ministério Público na distribuição de ações civis públicas diante de sua responsabilidade financeira no desenvolvimento da demanda.

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