O “azul de tão preto” e a “negrona alta, redonda e larga”

O jornal Gazeta do Sul, de Santa Cruz do Sul (RS), foi condenado a reparar dano moral no valor de R$ 4 mil, corrigido monetariamente, a uma mulher que, com o marido, serviu de personagem para uma crônica jornalística publicada pelo veículo.

No texto, o casal foi tratado de forma depreciativa, havendo conotação discriminatória no uso das palavras.

A decisão é do 5º Grupo Cível do TJRS, ao julgar embargos infringentes interpostos pelo jornal, mantendo decisão da 9ª Câmara Cível.

Na edição do dia 28/03/2008 foi publicada crônica assinada pelo jornalista Jansle Appel Júnior sob o título “A fura bola”. No texto, o profissional faz referências à raça e origem da autora e de seu marido, já falecido. Entre outras passagens, descreve o homem como “azul de tão preto” e afirma que “caminhava rengo, falava devagar”.

Ela é descrita como uma “negrona alta, redonda, larga”, sendo que “a bola sumia debaixo do braço gordo da mulher do Sarará”, apelido do falecido.

Ainda segundo o texto, “na casa sem muro em que vivia o casal, a criatura mais amistosa era um cão atado a uma corrente que ia quase até a rua”.

Por fim, o autor afirma: “Sempre pensei na mulher do Sarará como uma fura-bola, criminosa, assassina do bom e velho futebol de rua”.

Em primeira instância, o pedido foi julgado improcedente.

Inconformada, a autora recorreu ao TJ gaúcho, que entendeu – por maioria – estar configurado o ato ilícito.

Inconformado com a decisão, o veículo de comunicação ingressou com embargos infringentes, sustentando que a publicação não violou qualquer direito individual e argumentando ser vedada censura de natureza artística no meio jornalístico.

No entendimento do relator, desembargador Ivan Balson Araújo, a simples leitura do texto jornalístico demonstra a prática de ato ilícito pela demandada, consubstanciando na infração ao princípio “nenimem laedere (não lesar, não prejudicar, a ninguém ofender)”, o qual orienta os artigos 186 e 927 do Código Civil e toda a teoria da responsabilidade civil, havendo dever de reparar.

Nesse sentido, o relator reproduziu trechos do voto do relator da apelação, desembargador Tasso Caubi Soares Delabary: “Não obstante se trate de uma abordagem nostálgica do passado, onde o cronista retorna à infância, ainda assim o texto foi ilustrado com personagens verdadeiros, uma vez que nele ficou identificado tanto a esposa quanto seu falecido esposo”, diz voto.

“Houve agressividade na utilização das expressões pelo jornalista, tendo sido a recorrente exposta, além de tratada de forma depreciativa, havendo conotação discriminatória na forma como foram usadas as palavras pelo jornalista direcionadas à apelante e ao seu esposo, acrescenta. Saliento que o problema não está na utilização das expressões que compõem a crônica, mas no fato de que o jornalista escreveu de forma que acabou identificando e apontando os personagens que, necessariamente, deveriam ser fictícios, tornando-se possível a identificação do casal. Disso, portanto, resulta a ofensa moral”, completou o desembargador Tasso.

Ao julgar os embargos infringentes, o desembargador Ivan Balson Araujo observou, ainda, que no caso concreto, individualizados os personagens e evidenciado o excesso na linguagem utilizada na crônica jornalística, devem ser mitigadas as garantias constitucionais do direito de livre expressão à atividade intelectual, artística, científica e de comunicação (art. 5º, IX, e art. 220, §§ 1º e 2º, da CF) em detrimento do direito fundamental à inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, restando configurado o dano moral, a teor do disposto no art. 5º, inciso X, Constituição Federal.

Desacolheram os embargos, por maioria, além do relator, os dembargadores Tasso Caubi Soares Delabary, Iris Helena Medeiros Nogueira, Marilene Bonzanini, Paulo Roberto Lessa Franz e Túlio Martins. Ficou vencido o desembargador Jorge Alberto Schreiner Pestana, revisor. (Proc. nº 70042578823 – com informações do TJRS)

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