Incumbir TJs do trânsito em julgado é insensato

Por Marcelo Knopfelmacher e Roberto Podval

Conforme amplamente divulgado, o presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, ministro Cezar Peluso, apresentou, no fim do mês de março, em mesa redonda organizada pela Escola de Direito da FGV, no Rio de Janeiro, aquela que se convencionou denominar PEC dos Recursos.

Tratava-se, na sua versão original, de Proposta de Emenda Constitucional por meio da qual pretendia S.Exa. a alteração do texto da nossa Constituição para dele fazer constar que a interposição/admissibilidade dos Recursos interpostos aos Tribunais Superiores (STJ e STF) “não obstará o trânsito em julgado da decisão de segunda instância”.

Dizia ainda o texto original da Proposta em alusão que “a nenhum título será concedido efeito suspensivo aos Recursos (especial e extraordinário), podendo o Relator, se for o caso, pedir preferência no julgamento”.

Todavia, quando de sua apresentação ao Congresso, por intermédio do ilustre senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES), a PEC em alusão, que recebeu, no Senado, o número 15/2011, sofreu substanciais alterações, para, em vez de retirar o efeito suspensivo dos Recursos Extraordinário e Especial, simplesmente lhes extinguir.

Em lugar dos consagrados Recursos Extraordinário e Especial, entrariam as figuras novas e desconhecidas da “Ação Rescisória Extraordinária” e da “Ação Rescisória Especial” (cuja tramitação certamente exigiria muita burocracia, reprodução integral por cópias reprográficas da ação originária, recursos e mais recursos).

Não obstante o legítimo e pretendido propósito de agilizar a tramitação dos processos judiciais, descongestionar a Justiça e inibir a interposição de Recursos desnecessários aos Tribunais Superiores, transformando-os, efetivamente, em Cortes que passem a analisar tendências em matéria de legislação infraconstitucional e de uniformização de jurisprudência (STJ); e em matéria de interpretação da Constituição (STF), fato é que a PEC em alusão, além de inovar a respeito do consagrado princípio constitucional “do contraditório e da ampla defesa, com os meios e recurso a ela inerentes” (o que, por óbvio, inclui os Recursos Extraordinário e Especial previstos pelo texto originário da Constituição, em seus artigos 102, III, e 105, III), sem pedir licença ao artigo 60, parágrafo 4º, inciso IV, da Constituição, acaba por adotar, com o devido respeito, solução ineficaz para o real problema.

É que não se pode atribuir, como aduzem os idealizadores da PEC, exclusivamente, à permissão para interposição de recursos como causa principal (ou mesmo única) para o atraso na entrega da prestação jurisdicional.

Os problemas de gestão, no âmbito dos Tribunais do Poder Judiciário, são incontáveis. Diversos Tribunais de Justiça do País ainda não migraram satisfatoriamente para a informatização, há falta de recursos, de Magistrados e de funcionários.

Somente para se ter uma ideia do grande “gargalo” da Justiça no Brasil, Relatório divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça aponta que, durante o ano de 2009, somente na Justiça Federal (vale dizer, primeira e segunda instâncias), a média da carga de trabalho correspondeu a 11.247 processos por magistrado.

Esse número revela carga de trabalho extremamente elevada já na primeira e segunda instâncias, ou seja, demonstra que o “gargalo” ocorre desde a entrada dos processos no protocolo inicial (e não apenas perante os Tribunais Superiores), e exterioriza a absoluta falta de investimento em infra-estrutura e em recursos humanos no Poder Judiciário brasileiro.

Ainda de acordo com o mesmo Relatório divulgado pelo CNJ, em comparação com o Poder Judiciário dos Estados Unidos da América (apesar deste País adotar a tradição da Common Law, o Judiciário norte-americano apresenta uma estrutura judiciária similar à brasileira, em virtude de também ser uma federação de proporções continentais), verificou-se que, no ano de 2006, os EUA destinaram US$ 46 bilhões em todos os níveis de Justiça (Estadual e Federal), o que representaria algo em torno de R$ 82 bilhões em valores atualizados, ou seja, mais do que o dobro do gasto brasileiro, da ordem de R$ 37,3 bilhões!

É chegada a hora, portanto, de ser atacada a verdadeira causa da morosidade da Justiça brasileira, adotando-se a única solução que realmente será eficaz: novos investimentos, mais, magistrados, mais servidores, mais infraestrutura; e não retirando do cidadão brasileiro direitos e garantias conquistados após sombrios períodos de ditadura, como o princípio do contraditório e da ampla defesa, com os Recursos Extraordinário e Especial a ela inerentes.

Como se vê, diante do quadro em que se encontra a Justiça brasileira, seria a nosso ver insensato responsabilizar os tribunais locais e regionais pelo trânsito em julgado. Louvável, de qualquer modo, a busca de solução pelo presidente da Corte Suprema, homem probo e inconformado com a situação que visualiza, mas em nosso ver, encurtar o caminho dos recursos não tornará o Judiciário mais eficaz, apenas o fará mais inseguro.

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