Por Marcus Eduardo de Oliveira
Embora os manuais de Introdução à Economia insistam em recomendar a prática do individualismo e de economias descentralizadas, um “mundo econômico” mais solidário, fraterno e menos desigual somente terá vez e lugar quando os agentes econômicos juntarem forças e, coletivamente, pensarem numa mesma direção, qual seja: erradicar os males econômicos e sociais (fome, pobreza, miséria, desnutrição, morte) que cercam o atual ambiente econômico que prioriza o lucro e esquece o principal, valorizar as relações da vida.
Em economia, quando todos (os agentes econômicos) estão engajados na busca de desenvolvimento econômico de forma equilibrada, é bem possível atingir-se uma situação em que os ganhos sejam no coletivo, visto que isso não se trata de jogo de soma zero, em que os ganhos de uns significam, necessariamente, a perda de outros.
O montante que os países desenvolvidos destinam por ano à luta contra a AIDS, por exemplo, representa somente três dias de gastos militares da economia mais poderosa do planeta. Dito isso, enquanto o governo de Barack Obama continuar gastando apenas 1% de seu orçamento com ajuda internacional, outros 25% do mesmo orçamento estão sendo “direcionados” em atividades militares que somente semeiam a morte e a destruição. Essa é apenas uma dentre tantas outras mudanças que precisa acontecer visando chegarmos a um ganho coletivo.
De uma vez por todas, os países ricos precisam entender uma simples lógica econômica: é muito mais barato e vantajoso, para todos, a erradicação da pobreza e da miséria do que manter a atual e vexatória situação de penúria a que muitos estão submetidos. Vejamos que: De US$ 500 milhões a US$ 1 trilhão é o custo anual estimado da fome no mundo, incluindo perda de produtividade, renda, investimento, consumo.
Pois bem: com apenas US$ 25 milhões por ano seria possível reduzir drasticamente a desnutrição nos 15 mais famintos países da África e salvar da fome pelo menos 900 mil crianças até 2015.
Somente uma mudança radical na maneira de agir por parte do “mundo rico” porá fim à ignomínia maior dos tempos atuais que indiscutivelmente está refletida na escandalosa cifra de 1 bilhão de famintos – um sexto da humanidade lutando para sobreviver.
Os números da fome são cruéis: Todos os anos, quase 8 milhões de pessoas morrem no mundo em conseqüência da miséria e da pobreza. Os três níveis de pobreza (extrema, moderada e relativa) atingem em cheio a Ásia Oriental, Ásia Meridional, África Subssariana e parte considerável da América Latina. No conjunto, esse 1 bilhão de miseráveis (localizados na pobreza extrema) mais 1,5 bilhão de pobres (nas pobrezas moderada e relativa) somam 40% da Humanidade.
Numa matemática simples, esses números se resumem assim: uma em cada sete pessoas padece de fome no mundo; 11 mil crianças morrem a cada dia; um terço das crianças dos países em desenvolvimento apresentam atraso no crescimento físico e intelectual; 1,3 bilhão de pessoas no mundo não dispõe de água potável; 40% das mulheres dos países em desenvolvimento são anêmicas e encontram-se abaixo do peso.
Diante disso, indagamos: Até quando será permitida essa aberração social? Até quando será permitido conviver com esse desrespeito à vida humana? Conquanto, sempre é possível sonhar com um amanhã melhor. Em tempos de mundo globalizado aonde as informações se disseminam numa velocidade assustadora, começa a ganhar cada vez mais espaço a discussão em torno da prática da chamada Economia Solidária.
Em que consiste afinal o princípio? Grosso modo, a “Economia Solidária constitui o fundamento de uma globalização humanizadora, de um desenvolvimento sustentável, socialmente justo e voltado para a satisfação racional das necessidades de cada um e de todos os cidadãos da Terra seguindo um caminho intergeracional de desenvolvimento sustentável na qualidade de vida”.
Os princípios gerais que norteiam a idéia da Economia Solidária são: a valorização social do trabalho humano; o reconhecimento do lugar fundamental da mulher e do feminino numa economia fundada na solidariedade; a busca de uma relação de intercâmbio respeitoso com a natureza, e os valores da cooperação e da solidariedade, um caminho que valoriza os seres humanos, independente da sua cor de pele, sexo, idade, orientação sexual, condição econômica ou cultural.
A partir dessa maneira diferenciada de pensar e de “fazer” economia, talvez esteja começando um novo caminho em termos da construção de um mundo mais solidário onde o indivíduo seja o foco principal; longe, portanto, da frieza dos números e dos índices que marcam a economia de mercado.
Se houver um envolvimento ativo nas ações que moldam a solidariedade, abraçando a Economia Solidária em toda sua amplitude, talvez possamos forçar as mudanças econômicas tão almejadas em prol de um mundo econômico menos agressivo e injusto.
Se essas mudanças acontecerem e se os governos desenvolvidos perceberem nisso uma possibilidade de espalhar o desenvolvimento econômico sadio para todos, os ganhos, certamente, virão. Esses ganhos serão certamente coletivos, contrariando, assim, a prática econômica que recomenda o individualismo, conforme apontamos no início do texto.
Por fim, cumpre resgatar as palavras do embaixador brasileiro Rubens Ricupero no prefácio a The End of Poverty: How we can make it happen in our lifetime, de Jeffrey Sachs quando assim acentua: “que tenhamos um apelo à nossa consciência para despertarmos ao sofrimento que nos acossa e sitia em cada esquina, em cada sinal ou encruzilhada de trânsito, em todos os lados.
Pois, se é verdade que cada sociedade terá que ser julgada segundo o critério do tratamento que dispensa a seus membros mais frágeis e vulneráveis, essa verdade não se aplica somente ao julgamento da sociedade americana em relação à África, mas a cada latino-americano, a cada brasileiro, que deve justificar sua existência na abundância do século XXI, ao lado da esqualidez de 400 milhões de nossos conterrâneos pobres ou indigentes”.
(*) Marcus Eduardo de Oliveira é economista e professor universitário, com especialização em Política Internacional e mestrado em Estudos da América Latina pela Universidade de São Paulo (USP).