O Judiciário é o menos democrático dos três poderes

Por Antonio Pessoa Cardoso

A Constituição Federal assegura que “todo o poder emana do povo”, exercido por seus representantes eleitos. Todavia, o Poder Judiciário não obedece a este preceito constitucional, porque os magistrados não são escolhidos pela vontade popular, mas por meio de concurso de provas e títulos.

Os tratadistas apresentam motivações para justificar a seleção dos membros do Judiciário, mas este não constitui o tema que desenvolveremos nesse trabalho.

Enfrentaremos, sucintamente, a prática dos princípios democráticos na magistratura brasileira.

E a primeira particularidade destoante do que ocorre com os outros poderes, e que chama a atenção é a inexistência de um Poder Judiciário nos municípios, como acontece com o Legislativo e o Executivo, representados pelas Câmaras de Vereadores e pelos Prefeitos. É o único dos três Poderes da República que não se faz presente nos municípios, apesar de sua existência nos Estados e na União.

Registre-se que a preocupação com o sistema judicial afeta a todos os brasileiros, porque, como já se disse, “não existe poder que aja mais diretamente e habitualmente sobre os cidadãos do que o Judiciário”.

De uma maneira geral, pode-se afirmar que os princípios democráticos não são fundamentos maiores na arquitetura interna do Judiciário, apesar dos serviços externos que presta à Democracia.

Senão vejamos.

Os membros do Judiciário, os magistrados, são selecionados por meio de concurso público de provas e títulos, sem, portanto interferência popular, conforme preceito constitucional; além disso, a exigência para habilitar o bacharel à missão de julgar encerra-se nos conhecimentos teóricos, sem maior atenção com a experiência de vida pessoal e profissional, maturidade de espírito, cultura humanística e vocação. Essa regra leva insegurança a um povo que tem no juiz o porte de um cidadão especial, poderoso, que recebe a incumbência de decidir sobre a liberdade o patrimônio, a cidadania e a família.

Tom C. Clark, juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos em treinamento para os juízes daquele país disse: “Não iremos ensinar a legislação aos novos juízes; isso eles devem conhecer. Nós lhes ensinaremos a diferença entre seu trabalho como advogados e sua nova tarefa de resolver os litígios trazidos perante eles para que possa fazer justiça”.

Outra atipicidade e fuga ao estado democrático no Judiciário verifica-se na formação dos tribunais superiores, porquanto a escolha de alguns de seus membros não segue critério objetivo algum; não se exige o conhecimento teórico, obtido através de concurso de provas e títulos, como ocorre na seleção dos magistrados, e também não são apontados pelo voto popular. Depende simplesmente da vontade do Presidente da República com aprovação do Senado Federal. E este critério tem sido responsável por escolhas extravagantes no STF, quando recebeu no seu quadro, em algumas oportunidades, um médico, generais, advogado reprovado algumas vezes no concurso para juiz de direito.

Na verdade, é a própria Constituição que determina sejam os tribunais integrados por advogados e promotores, em um quinto das vagas, ou seja, admite-se esses profissionais sem concurso e sem eleição, simplesmente através da escolha pessoal do Presidente da República, obedecendo apenas ao critério subjetivo de “notório saber jurídico e de reputação ilibada”. Sabe-se, entretanto, que a indicação é política e submissa a troca de favores.

O quinto constitucional é idéia corporativista do governo Getúlio Vargas, em período negro da democracia brasileira. Desde 1934 que se convive com esta excrescência.

Nem se vai anotar a singularidade de férias dos magistrados, 60 dias, recesso, 15 dias, perfazendo um total mínimo de 75 dias fora da atividade forense, afora evidentemente os feriados, que não são poucos.

No funcionamento interno dos tribunais registram-se fatos incompatíveis com o espírito da função legal do magistrado. É o caso, por exemplo, da brusca retirada de jurisdição do juiz, por meio de simples requisição de Tribunal superior para prestar serviço na assessoria deste, desvirtuando dessa forma, por completo, a missão do juiz, para lotá-lo em encargos administrativos.

A despeito disso, a Lei Orgânica da Magistratura, artigo 107, proíbe explicitamente “a convocação ou designação de Juiz para exercer cargo ou função nos Tribunais, ressalvada a substituição ocasional de seus integrantes”.

É muito freqüente, nos tribunais, o desrespeito às Normas Constitucionais e infraconstitucionais, sempre justificada para atender a tais ou quais interesses.

A democracia mitigada nos tribunais prevalece com a opção por regras históricas, inadequadas e conservadoras.

A direção administrativa dos tribunais é composta por um Presidente, um vice e um Corregedor. Essa composição pode ser aumentada para mais um vice e um corregedor. De uma forma ou de outra, a LOMAN, Lei Orgânica da Magistratura, datada de 1979, em completa desarmonia com a democracia moderna e com a Constituição, determina que só poderão concorrer a esses cargos os três ou cinco desembargadores mais antigos. O colégio eleitoral para eleição dessa mesa diretora é constituído por menos de 10% do total de magistrados, porque só votam os desembargadores. A limitação dos que podem ser eleitos para dirigir o órgão por dois anos, sem reeleição, e dos que tem o privilégio de votar, é profundamente antidemocrática, e reflete os insucessos administrativos dos tribunais, pois não se pode conceber que o critério de antiguidade assegure competência e tino administrativo aos mais antigos. Os desembargadores não incluídos entre os três ou cinco privilegiados, os juízes de primeiro grau, em torno de 90% dos magistrados, não podem votar nem serem votados.

E o pior é que essa regra, antiguidade no cargo, é obedecida até mesmo para formação de comissões.

A Câmara dos Deputados, as Assembléias Legislativas, as Câmaras de Vereadores, os dirigentes sindicais, o Ministério Público, a OAB escolhem seus dirigentes entre todos os membros e todos podem votar, mas a magistratura continua atrelada a princípios apropriados para outros regimes nunca para a democracia.

Afora essas particularidades do Judiciário, depara-se com o corporativismo inerente ao sistema, fundamentalmente quando se busca a Justiça para solucionar interesses das autoridades constituídas.

Computa-se ainda o distanciamento existente entre o servidor da justiça e o magistrado, apesar da íntima ligação das atividades de um e do outro; as decisões judiciais não se efetivam se os serviços cartorários não funcionarem. Nem se fala do acesso do pobre ao magistrado, que, por vezes, não recebe nem o advogado, imagine a própria parte.

A administração da justiça não pode nem deve continuar tendo cargos representativos de um grupo, os desembargadores, quando se sabe que as decisões da administração não têm comprometimento democrático algum, porque sem metas de governo, atingindo e prejudicando todo um universo de magistrados e serventuários da justiça, causando sua própria morosidade.

Em pleno século XXI, na vigência da Constituição Cidadã, depois de banido o entulho autoritário de 1964, não se entende a submissão do Judiciário à norma imposta trinta anos atrás e no período negro da democracia brasileira!

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