Por Jeferson Roberto Nonato
Nossa Carta Magna, no artigo 170, “caput”, cumulado com o parágrafo único, preconiza uma ordem econômica fundada na livre iniciativa, assegurando a todos os cidadãos o livre exercício de qualquer atividade, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. Daí decorre a relativa liberdade de contratar; relativa porque o contrato somente terá seus efeitos jurídicos assegurados em razão de sua legalidade material, ou formal quando for o caso, e de sua função social (Código Civil, artigo 421). Neste sentido assenta nosso Código Civil (Lei 10.406 de 2002) quanto aos contratos de sociedade empresarial:
Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.
Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.
Art. 967. É obrigatória a inscrição do empresário no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, antes do início de sua atividade.
Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.
Art. 982. Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 967); e, simples, as demais.
Destaca-se desses textos legais o contido no parágrafo único. A função da regra excludente afirma que o intelectual, tal qual como qualificado, não é considerado empresário, devendo exercer sua atividade econômica como pessoa física ainda que conte com o concurso de auxiliares ou colaboradores (exemplo: um médico que contrata uma enfermeira). Entretanto, o mesmo intelectual, qualificado na forma da lei, será considerado empresário se explorar a atividade mediante contratação de um ou mais profissionais da mesma área de atuação (exemplo: um médico que explora o serviço de outro médico assalariado). Todavia, os demais serviços intelectuais, quando prestados sob forma de organização, implicam a atração direta do disposto no “caput” do artigo 966, ou seja, os agentes passam a ser considerados empresários.
Diante desse quadro normativo e de várias contendas que vinham acontecendo entre os contribuintes e as autoridades fazendárias e previdenciárias, fora introduzido em nosso ordenamento norma jurídica de natureza interpretativa, para evitar os incidentes de inconstitucionalidade que vinham ocorrendo. A interpretação em foco, na forma de lei, tem o seguinte teor:
Lei nº 11.196, de 21 de novembro de 2005
Art. 129. Para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, se sujeita tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da observância do disposto no art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil.
Parágrafo único. (VETADO)
Da simples leitura infere-se a natureza interpretativa dessa norma. É evidente que sempre foi legalmente possível a contratação de pessoas jurídicas para prestação de serviços intelectuais. A regra não criou ou determinou novas condutas ou estipulou novas obrigações; simplesmente reafirmou o princípio da autonomia patrimonial consagrado na figura do instituto da pessoa jurídica. Em verdade, a celeuma nessa matéria fez com que o Poder Executivo fosse obrigado a se manifestar, na pessoa da autoridade suprema do presidente da República, na via da lei e da edição de Mensagem de Veto, por duas vezes em menos de três anos. A primeira vez aconteceu no ano de 2005, quando da promulgação da própria Lei 11.196, quando foi vetado o parágrafo único do artigo 129 em comento. Eis o trecho da Mensagem 783, de 21 de Novembro de 2005, que de perto nos interessa:
MENSAGEM Nº 783, DE 21 DE NOVEMBRO DE 2005.
Senhor Presidente do Senado Federal,
Comunico a Vossa Excelência que, nos termos do § 1o do art. 66 da Constituição, decidi vetar parcialmente, por inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público, (…..)
Parágrafo único do art. 129
“Art. 129. …………………………………………………………………..
Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica quando configurada relação de emprego entre o prestador de serviço e a pessoa jurídica contratante, em virtude de sentença judicial definitiva decorrente de reclamação trabalhista.”
Razões do veto
“O parágrafo único do dispositivo em comento ressalva da regra estabelecida no caput a hipótese de ficar configurada relação de emprego entre o prestador de serviço e a pessoa jurídica contratante, em virtude de sentença judicial definitiva decorrente de reclamação trabalhista. Entretanto, as legislações tributária e previdenciária, para incidirem sobre o fato gerador cominado em lei, independem da existência de relação trabalhista entre o tomador do serviço e o prestador do serviço. Ademais, a condicionante da ocorrência do fato gerador à existência de sentença judicial trabalhista definitiva não atende ao princípio da razoabilidade.”
A segunda manifestação aconteceu quando da aprovação do diploma legal que criou a Super Receita, a Lei 11.457, de 2007. Nesse caso, assim se expressou o Poder Executivo:
MENSAGEM Nº 140, DE 16 DE MARÇO DE 2007.
Senhor Presidente do Senado Federal,
Comunico a Vossa Excelência que, nos termos do § 1o do art. 66 da Constituição, decidi vetar parcialmente, por inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público, o Projeto de Lei no 6.272, de 2005 (no 20/06 no Senado Federal), que “Dispõe sobre a Administração Tributária Federal;(…)
Ouvidos, os Ministérios da Fazenda, da Previdência Social e do Trabalho e Emprego e a Advocacia-Geral da União, manifestaram-se pelo veto ao seguinte dispositivo:
§ 4o do art. 6o da Lei no 10.593, de 2002, acrescentado pelo art. 9o do Projeto de Lei
“Art. 6o
§ 4o No exercício das atribuições da autoridade fiscal de que trata esta Lei, a desconsideração da pessoa, ato ou negócio jurídico que implique reconhecimento de relação de trabalho, com ou sem vínculo empregatício, deverá sempre ser precedida de decisão judicial.” (NR)
Razões do veto
“As legislações tributária e previdenciária, para incidirem sobre o fato gerador cominado em lei, independem da existência de relação de trabalho entre o tomador do serviço e o prestador do serviço. Condicionar a ocorrência do fato gerador à existência de decisão judicial não atende ao princípio constitucional da separação dos Poderes.”
Diga-se de passagem que o Congresso Nacional, por Emenda (a Emenda 3), pretendia adicionar o tal parágrafo 4º ao artigo 6º da Lei 10.593 de 2002, que trata da competência e das atividades dos auditores da Receita Federal do Brasil.
Está evidente que nessas duas oportunidades o Poder Executivo reafirmou a existência de regramento suficiente à desconsideração da personalidade jurídica, seja pela aplicação do artigo 50 do Código Civil, seja pela aplicação do disposto no inciso VII do artigo 149 do CTN, “verbis”:
Art. 149 – O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos:
VII – quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação;
Assim se perpetrou o princípio da separação dos Poderes, em matéria não sujeita à reserva de jurisdição, podendo o Poder Executivo cumprir sua missão institucional, desde que seus agentes não promovam, de forma indireta, o alargamento do campo de incidência das exações, como acontece nos casos não autorizados de desconsideração da personalidade jurídica. Portanto, a desconsideração de personalidade jurídica só tem lugar quando o Fisco provar, de forma indelével, a ocorrência concreta do dolo, da fraude, da simulação, do desvio de finalidade da pessoa jurídica e da confusão patrimonial. Essa conclusão se alinha perfeitamente à interpretação, do Poder Executivo, expressa no “caput” do artigo 129 da Lei 11.196 de 2005, e reprisadas nas razões dos vetos já apontados.
Importa ressaltar ainda que os auditores fiscais, como autoridades lançadoras, desempenham atividades plenamente vinculadas e como tal não podem deixar de observar em suas condutas as normas em questão. Em termos de desconsideração de sociedades empresariais, não podem deixar de comprovar a ilicitude (dolo, fraude ou simulação), ou ainda deixar de provar que o resultado do negócio implicou desvio de finalidade da pessoa jurídica ou confusão patrimonial. Em outras palavras: não podem lançar mão de outras regras de forma isolada, ou solteiras, para imputar consequências, fazendárias ou previdenciárias, próprias da desconsideração da personalidade jurídica (por exemplo: qualificar o dispêndio da contratante como anormal em razão do perfil sócioeconômico da contratada prestadora do serviço). A norma interpretativa em foco (artigo 129) se irradia por todo o sistema normativo e tem a função de evitar os desvios de hermenêutica. Cuida-se de uma verdadeira blindagem à formulação de critério jurídico outro, diverso daquele posto em lei.
De outro lado, tal blindagem não é uma dádiva do Estado posta no interesse da comunidade empresarial, como possa parecer; em verdade o Estado, em convergência com a moderna economia internacional, visa aliviar as pressões futuras sobre o orçamento previdenciário. O economista Jose Pastore informa que, nos Estados Unidos, 75% das contratações de trabalho são contratações de pessoas jurídicas (notícia publicada no jornal O Estado de São Paulo de 29 de novembro de 2005).
Na espécie, então, fica afastada, de plano, a pretensão de interpretação econômica do fato investigado; não tem amparo legal o ato de desconsiderar a personalidade jurídica de uma sociedade empresarial por ponderações econômicas, gerenciais ou societárias impregnadas no perfil das prestadoras de serviços intelectuais; do plano real se deve extrair a realidade jurídica, para fins de confronto da conduta dos particulares com o direito posto, ressalvado, logicamente, as situações de atos viciados. As considerações de ordem econômica que deveriam ser feitas, foram feitas pelo próprio legislador na construção da regra interpretativa.
Na dicção do referido artigo 129 podemos perceber que o dispositivo legal não está posto para todas as pessoas jurídicas prestadoras de serviços. Em caráter especialíssimo a interpretação normativa está voltada para as pessoas jurídicas prestadoras de serviços intelectuais, ou seja, aquelas que prestam serviços concretizados pela força motriz do intelecto, ou pelas habilidades artísticas das pessoas naturais. Destarte neste universo não se enquadram as pessoas jurídicas prestadoras de serviços que se valem de capital intensivo para realizarem seus objetivos sociais. Estas prescindem da blindagem legal tendo em vista a notoriedade da autonomia patrimonial.
Natureza interpretativa
Não pode haver dúvida sobre a natureza interpretativa do artigo 129 em comento. A “justificação”, como peça anexa ao Projeto de Lei de Conversão da MP 252, de 2005 (PLV nº 23 de 2.005), assenta com todas as letras:
“Os princípios da valorização do trabalho humano e da livre iniciativa previstos no art. 170 da Constituição Federal asseguram a todos os cidadãos o poder de empreender e organizar seus próprios negócios. O crescimento da demanda por serviços de natureza intelectual em nossa economia requer a edição de norma interpretativa que norteie a atuação dos agentes da Administração e as atividades dos prestadores de serviços intelectuais, esclarecendo eventuais controvérsias sobre a matéria.”
Infere-se da transcrição:
a) Editou-se uma norma interpretativa;
b) Como tal, a norma tem aplicação retroativa (Inciso I do artigo 106 do CTN);
c) Os agentes da Administração são destinatários da norma;
d) A norma materializou a segurança jurídica das prestadoras de serviços intelectuais;
e) A norma não fez distinção quanto ao quadro societário das prestadoras de serviços intelectuais;
f) Eventual economia tributária não autoriza a desconsideração da personalidade jurídica face ao disposto no artigo. 170 da Constituição Federal de 1988.
Limites da interpretação
Como já mencionamos, o artigo 129 da Lei 11.160 de 2005 tem por objeto a prestação de serviços intelectuais sob a vestimenta de pessoa jurídica. Esse limite objetivo foi ainda qualificado, de forma expressa, para agasalhar os contratos que estipulem prestações de caráter personalíssimo, isto é, reputam-se válidos os negócios de contratação de pessoas jurídicas prestadoras de serviços ainda que se indique a pessoa que deverá realizar o trabalho contrato. E a norma interpretativa não parou por aí. Foi mais além. Por simetria, ao trabalho em caráter personalíssimo, ainda deu guarida aos contratos que eventualmente estipulem obrigações aos sócios das pessoas jurídicas ou a seus empregados, tais como supervisão dos trabalhos, produção de laudos ou atestados de qualidades, assunção objetiva de responsabilidades, penalidades, cumprimento de escalas de horários e outras.
É evidente que ao intérprete não cabe fazer a interpretação da norma interpretativa; todavia cabe a sua compreensão tendo em vista os signos linguísticos empregados na redação da norma. Assim, a expressão “serviços intelectuais” não diz respeito às pessoas naturais, socialmente consideradas intelectuais; intelectuais devem ser os serviços que exigem para sua finalização raciocínio lógico, discernimento, elaboração aritmética ou financeira, compreensão de textos, redação e linguagem fluente, poder de comunicação. Por essa razão estão albergados na regra de interpretação os casos de vendedores comissionados, corretores, instrutores, auditores, engenheiros, arquitetos, médicos, enfermeiros, contadores, artistas, escritores, cientistas e outros.
Nesse ponto cabe também fazer importante advertência. A norma interpretativa, francamente destinada aos agentes da Administração, não tem sua aplicação restrita ao campo das relações do Trabalho. Equivoca-se quem assim deduz. O texto da norma é didático nesse sentido, quando é iniciado com a expressão “para fins fiscais e previdenciários”. Não importa que o mote central da produção legislativa tenha sido de ordem trabalhista; a positivação da regra aconteceu visando conferir eficácia e harmonia entre todas as normas concorrentes de sistemas normativos diversos (fazendário, previdenciário e trabalhista); esta é a finalidade da norma (teleologia) e, portanto, a interpretação extrapola o campo das relações do trabalho para alcançar, também, as atividades fazendárias e previdenciárias.
A norma interpretativa, porém, não socorre os casos de negócios jurídicos viciados, bem como aqueles previstos no artigo 50 de nosso Código Civil (desvio de finalidade e confusão patrimonial) e muito menos se presta a validar contratos nos quais a contratada, pessoa jurídica de prestação serviço intelectual, tenha surgido por imposição do contratante. A livre iniciativa, protegida constitucionalmente, exige que a pessoa jurídica tenha sido constituída por opção do empresário.
Economia tributária
A preocupação maior dos agentes fiscais quando se defrontam com situações de aparente economia tributária, resultante da contratação de pessoas jurídicas, interligadas, prestadoras de serviços intelectuais, reside na aferição da licitude ou ilicitude das condutas. Dependendo do objeto da ação (contribuições previdenciárias, contribuições extra-fiscais, tributos ou contribuições sociais), o agente termina por elaborar sempre raciocínio em termos alternativos. Em se tratando de uma fiscalização previdenciária, tende o auditor a buscar elementos indiciários que convirjam para a prova de vínculo empregatício, extraindo dessa relação jurídica as consequências tributárias pertinentes. Em se tratando de fiscalização do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) de empresa submetida à tributação pelo Regime de Apuração do Lucro Real, tende o auditor a vislumbrar economia tributária porque a empresa beneficiária dos dispêndios (a prestadora dos serviços) tributou suas receitas em algum dos regimes tributários simplificados como é o caso do Lucro Presumido e do Simples Nacional, situação que poderia ser caracterizadora de distribuição camuflada de lucros ainda não tributados. Logicamente estes exemplos não exaurem todas as situações que podem acontecer.
No exercício de suas funções, a fiscalização tem esse poder dever de investigar todas as situações que lhe são apresentadas, tais quais as acima exemplificadas. Entretanto, o que está vedado à fiscalização é passar ao largo do artigo 129 da Lei 11.196 de 2005 quando o critério jurídico, posto em concreto, tomar como premissa de formulação, as pessoas contratantes e não objeto do contrato. Reforcemos o raciocínio: a fiscalização pode glosar a dedutibilidade de uma despesa porque este gasto não se amolda ao conceito de despesa necessária ou usual no tipo de negócio; porém, ela não pode glosar a dedutibilidade porque a beneficiária dos pagamentos é uma pessoa jurídica interligada à contratante, sem superar o disposto no artigo 129 e admitir que está desconsiderando a autonomia patrimonial da contratada.
O sistema tributário brasileiro é um dos mais complexos do mundo e isso não é novidade. Imperfeições no sistema normativo são apuradas com frequência, seja pelos contribuintes atingidos, seja pelos próprios agentes da Administração Tributária. Esclareçamos o pensamento com um exemplo concreto: em 2009 (MP 472/2009) foi inserido, no artigo 14 da Lei 9.718/1998, o inciso VII para impedir que as empresas securitizadoras de créditos pudessem optar pela tributação sob o regime tributário do Lucro Presumido. Esta modificação aconteceu porque a fiscalização reportou às autoridades competentes o que vinha acontecendo no mercado financeiro quando instituições financeiras, tributadas pelo Lucro Real se apropriavam de despesas dedutíveis com a cessão de créditos à pessoa jurídica interligada, constituída como securitizadora e tributada pelo regime do Lucro Presumido. Enquanto não houve a modificação da lei, ninguém foi autuado porque a conduta não estava vedada em lei, embora se pudesse raciocinar em termos de economia tributária tendo em vista que os resultados das contratantes permaneciam no mesmo grupo empresarial. Situação similar ainda vem acontecendo com a figura do Rateio de Custos entre empresas do mesmo grupo econômico, que carece de disciplina própria.
Vivemos em um Estado Democrático de Direito em que a constrição do patrimônio dos particulares decorre exclusiva e diretamente da lei. A fiscalização não pode tentar fazer justiça com as próprias mãos sob o argumento simplista de que o negócio visava apenas economia tributária, afrontando o princípio da estrita legalidade e invadindo a reserva mental dos contribuintes. Por isso mesmo os cientistas do Direito, em todo planeta, vêm lidando com a Teoria da Elisão Fiscal.
No particular caso das empresas prestadoras de serviços intelectuais, interligadas da empresa contratante, temos ainda que lembrar que a fiscalização, movida pela aparente economia tributária, deixa de apontar o correto vetor deste ganho tributário; a fiscalização tende a afirmar que a contratante se beneficiou pelo fato de ter se apropriado da despesa como dedutível, na apuração do Lucro Real, colocando-a no papel de sujeito passivo, por ocasião do auto de infração. Ora, ainda que se admita, para efeitos de raciocínio, a economia tributária como fato acontecido, tem- se que a vantagem tributária não é da pessoa jurídica e sim dos administradores, que poderão sacar lucros crivados pela tributação do lucro presumido, quando esta forma de tributar resultar em menor valor absoluto de imposto devido em comparação com a tributação do lucro real. Assim se há ilegalidade no procedimento, sábia é a legislação tributária que desloca a sujeição passiva da pessoa jurídica para os responsáveis da ilegalidade (CC, artigo 50, em simetria com o disposto no artigo 135 do CTN). O que é inadmissível é que a fiscalização se louve na pretensa ilicitude da vantagem tributária sem apontar corretamente o sujeito passivo da obrigação nos termos impostos pelo artigo 142 do CTN.
Por fim, nesse tema ainda há de se questionar o método aplicado para indicação da ocorrência de economia tributária. Seria correto chegar-se a essa conclusão simplesmente comparando a tributação de certo valor pelo regime tributário do Lucro Presumido com a redução da tributação acontecida no Lucro Real? Queremos crer que não. Existem outras figuras tributárias que interferem nesta apuração, dentre as quais destacamos a figura dos Juros de Capital Próprio, que propicia significativa redução da tributação das pessoas físicas dos administradores e tem a dedutibilidade assegurada na tributação pelo Lucro Real das pessoas jurídicas contratantes.
Por tudo não se pode deduzir a ocorrência de vantagem tributária se as normas jurídicas positivadas foram cumpridas, como preconiza o próprio texto do artigo 129 da Lei 11.196 de 2005, que parece dizer o óbvio quando afirma que a prestação de serviços intelectuais por pessoas jurídicas submete-se, “tão somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas”.
Carece de amparo legal o ato administrativo de desconsideração da personalidade jurídica de empresas prestadoras de serviços intelectuais vinculadas à empresa contratante, posta essa desconsideração de forma explícita ou implícita, cuja formulação do critério jurídico in concreto se limite a considerações de ordem econômica ou de ordem societária.