Cabe indenização mesmo no caso de atividade lícita

Por José Evaldo Bento Matos Júnior

A responsabilidade civil há muito tempo desperta na comunidade acadêmica uma fórmula de recompor os danos em suas várias formas.

A responsabilidade civil subjetiva, baseada na culpa teve seu esplendor, porém, deixou incólume, situações que independem de culpa, ficando a vítima impossibilitada de reparação.

Com a dinâmica das relações comerciais, sobretudo, as relações de consumo, demandas em massa, comércio eletrônico, contratos de adesão, criou-se a teoria do risco-proveito e risco do empreendimento, que todo aquele que se disponha a exercer alguma atividade no campo do fornecimento de bens e serviços tem o dever de responder pelos fatos e vícios resultantes do empreendimento, independentemente de culpa.

Desta forma, a responsabilidade civil objetiva ganhou relevância e foi integrada a nossa legislação, inclusive, no atual Código Civil ao tratar da responsabilidade civil, afirmando que “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem” (parágrafo único do artigo 927 do Código Civil).

Não obstante a evolução do instituto da responsabilidade civil objetiva, esta ainda para que exista há a necessidade do dano, nexo de causalidade e conduta do indivíduo, deixando de prover a responsabilidade no caso de desastres naturais que lesem a sociedade, apesar de inexistir a conduta do responsável.

Emerge e com bastante apoio doutrinário, inclusive judicial, a Teoria do Risco Integral, que tem os contornos da responsabilidade objetiva, porém, não há a necessidade da existência do dano para que seja condenado o infrator, inclusive, agindo licitamente.

Feitas essas considerações, trataremos do tema em voga, sem a pretensão de esgotá-lo, mas de discutir a ascendente teoria da responsabilidade por ato lícito.

Dimensões dos Direitos Humanos
Os direitos humanos fundamentais, pela tradição ocidental, são essenciais a qualquer Constituição, tendo como propósito assegurar a promoção de condições dignas de vida humana e de seu desenvolvimento, assim como, garantir a defesa dos seres humanos contra abusos de poder econômico cometidos pelos órgãos do Estado.

Os valores tornam-se preponderantes na busca por equilíbrio, tais como a dignidade em sentido moral e jurídico, efetivamente; a igualdade tal como prevista em nossa Carta Magna, direito fundamental, no artigo 5º, caput e a liberdade, o que remete ao antigo trinômio “igualdade, liberdade e fraternidade” parte de nossa história e de onde são captadas as premissas para o entendimento como algo maior que são os direitos humanos.

Como estes direitos fundamentais foram sendo reconhecidos pelos textos constitucionais e o ordenamento jurídico dos países de forma gradativa e histórica, os autores começaram a reconhecer as gerações destes, podendo assim ser sintetizado tal pensamento:

Direitos de primeira geração: Surgidos no século XVII, eles cuidam da proteção das liberdades públicas, ou seja, os direitos individuais, compreendidos como aqueles inerentes ao homem e que devem ser respeitados por todos os Estados, como o direito à liberdade, à vida, à propriedade, à manifestação, à expressão, ao voto, entre outros.

Como afirma Alexandre de Moraes, “essas idéias encontravam um ponto fundamental em comum, a necessidade de limitação e controle dos abusos de poder do próprio Estado e de suas autoridades constituídas e a consagração dos princípios básicos da igualdade e da legalidade como regentes do Estado moderno e contemporâneo”. (1)

Direitos de segunda geração: os ora chamados direitos sociais, econômicos e culturais, onde passou a exigir do Estado sua intervenção para que a liberdade do homem fosse protegida totalmente (o direito à saúde, ao trabalho, à educação, o direito de greve, entre outros). Veio atrelado ao Estado Social da primeira metade do século passado.

A natureza do comportamento perante o Estado serviu de critério distintivo entre as gerações, eis que os de primeira geração exigiam do Estado abstenções (prestações negativas), enquanto os de segunda exigem uma prestação positiva.

Direitos de terceira geração: os chamados de solidariedade ou fraternidade, voltados para a proteção da coletividade. As Constituições passam a tratar da preocupação com o meio ambiente, da conservação do patrimônio histórico e cultural, etc.;

A partir destas, vários outros autores passam a identificar outras gerações, ainda que não reconhecidas pela unanimidade de todos os doutrinadores.

Direitos de quarta geração: o defensor é o professor Paulo Bonavides, para quem seriam resultado da globalização dos direitos fundamentais, de forma a universalizá-los institucionalmente, citando como exemplos o direito à democracia, à informação, ao comércio eletrônico entre os Estados.

Direitos da quinta geração (?): defendida por apenas poucos autores para tentar justificar os avanços tecnológicos, como as questões básicas da cibernética ou da internet.

Vale observar que ainda que se fale em gerações, não existe qualquer relação de hierarquia entre estes direitos, mesmo porque todos interagem entre si, de nada servindo um sem a existência dos outros. Esta nomenclatura adveio apenas em decorrência do tempo de surgimento, na eterna e constante busca do homem por mais proteção e mais garantias, com o objetivo de alcançar uma sociedade mais justa, igualitária e fraterna, como defendia Noberto Bobbio (2). Por isto, a mais moderna doutrina defende o emprego do termo dimensões no lugar de gerações.

Ainda para prestigiar sua importância, em geral, os direitos e garantias fundamentais têm aplicabilidade imediata (artigo 5º parágrafo 1º Constituição), dependendo naturalmente da forma que foi enunciada pela Constituição para que seja afirmada se a mesma será de eficácia plena ou limitada.

O meio ambiente como direito de todos
A Constituição Brasileira de 1988 é eminentemente ambientalista e podemos afirmar que é uma das mais ambientais do mundo; anteriormente a sua promulgação, o tema estava abordado somente de forma indireta, mas mencionado em normas hierarquicamente inferiores. Nos diz o artigo 225: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo para as presentes e futuras gerações”.

Cristiane Derani, em sua obra, citando a brilhante doutrina alemã de Rolf Stober, assim preleciona:

A necessidade de assegurar a base natural da vida (natureza) coloca novos matizes na política econômica. É, na verdade, o grande desafio das políticas econômicas. A obviedade da necessidade de uma relação sustentável entre o desenvolvimento industrial e meio ambiente é exatamente a mesma da irreversibilidade da dependência da sociedade moderna dos seus avanços técnicos e industriais. Assim, qualquer política econômica deve zelar por um desenvolvimento da atividade econômica e de todo seu instrumental tecnológico ajustado coma conservação dos recursos naturais e com uma melhora efetiva da qualidade de vida da população. (DERANI, 1997, p. 239).

O princípio contido no inciso IV, do artigo 170 da Carta Magna, revela a necessidade de haver um desenvolvimento econômico compatível com o meio ambiente, mantendo-o ecologicamente equilibrado, gerando, dessa forma, o desenvolvimento e o uso sustentável dos recursos naturais, neutralizando o crescimento econômico, e, o mercado de consumo, com a qualidade de vida e do meio ecológico em que o indivíduo se encontra inserido. Destarte, torna-se evidente a estreita relação entre a economia e o meio ambiente, e, portanto, tem como conseqüência o caráter econômico do direito ambiental. Assim, o desenvolvimento econômico, fundado na sustentabilidade dos recursos naturais, torna-se um tema de grande relevância para a atual conjuntura sócio-econômico.

O parágrafo 2º, do artigo 225, da Constituição Federal, estabelece que qualquer que explore os recursos ambientais devem, necessariamente, reparar o que foi degradado, em conformidade com a solução técnica exigida pelo órgão competente. O Parágrafo 3º, juntamente com a Lei 6.938/81 (que será analisada em subseção própria), estabeleceram a responsabilidade objetiva do poluidor pelos danos ambientais, independentemente de culpa.

O Poder Judiciário acolheu a doutrina e já temos decisões nesse sentido. Vejamos decisão do TRF1 e STJ:

DIREITO AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEGRADAÇÃO DE ÁREA AMBIENTAL. NEXO DE CAUSALIDADE. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DEVER DE INDENIZAR.

1. O sistema normativo-ambiental instituído no País, a partir da Lei n. 6.938/81, reflete o princípio da responsabilidade objetiva integral pelo dano ecológico, especificamente: “a) irrelevância da intenção danosa (basta um simples prejuízo); b) irrelevância da mensuração do subjetivismo (o importante é que, no nexo de causalidade, além tenha participado, e, tendo participado, de alguma sorte, deve ser apanhado nas tramas da responsabilidade objetiva; c) inversão do ônus da prova; d) irrelevância da licitude da atividade; e) atenuação do relevo do nexo causal – basta que potencialmente a atividade do agente possa acarretar prejuízo ecológico para que se inverta imediatamente o ônus da prova, para que imediatamente se produza a presunção da responsabilidade, reservando, portanto, para o eventual acionado o ônus de procurar excluir sua imputação” (Sérgio Ferraz, citado por José Afonso da Silva).

2. “Não libera o responsável nem mesmo a prova de que a atividade foi licenciada de acordo com o respectivo processo legal, já que as autorizações e licenças são outorgadas com a inerente ressalva de direitos de terceiros; nem que exerce a atividade poluidora dentro dos padrões fixados, pois isso não exonera o agente de verificar, por si mesmo, se sua atividade é ou não prejudicial, está ou não causando o dano” (José Afonso da Silva).

3. Dos autos de infração, verifica-se conduta da ré de exploração de atividade mineral em áreas protegidas em desacordo com a licença ambiental.

4. Comprovado o dano e o nexo de causalidade, cumpre à ré o dever de reparar.

5. Negado provimento à apelação. (AC 2002.34.00.033143-9/DF; APELAÇÃO CIVEL; relator desembargador federal João Batista Moreira; 5ª Turma TRF-1).

AgRg no REsp 1206484 / SP AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2010/0139351-6

ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. DANO AMBIENTAL. DEVER DE REPARAÇÃO. OBRIGAÇÃO PROTER REM. INDENIZAÇÃO EM FACE DAS RESTRIÇÕES ECONÔMICAS. SÚMULA 7/STJ.

1. Não ocorre ofensa ao art. 535, II, do CPC se o Tribunal de origem decide, fundamentadamente, as questões essenciais ao julgamento da lide.

2. Esta Corte Superior tem entendimento sedimentado no sentido de que os deveres associados às APPs e à Reserva Legal têm natureza de obrigação propter rem, isto é, aderem ao título de domínio ou posse.

3. Por esse motivo, descabe falar em culpa ou nexo causal, como fatores determinantes do dever de recuperar a vegetação nativa e averbar a Reserva Legal por parte do proprietário ou possuidor, antigo ou novo, mesmo se o imóvel já estava desmatado quando de sua aquisição.

4. As alegações de perda da capacidade econômica de propriedade, a ausência de órgão gestor e regulamentação foram decididas com base em análise da situação fático-probatória, o que inviabiliza o conhecimento delas por esta Corte Superior, em razão do óbice imposto pela Súmula 7/STJ.

Agravo regimental improvido.

A doutrinadora Annelise Monteiro Steigleder, leciona:

“A responsabilidade civil pelo dano ambiental, instituída pelo artigo 14 § 1º, da Lei 6.938/81, encontra o seu fundamento axiológico na própria constituição federal, a qual incide diretamente sobre as relações privadas, e passa ater uma função especifica: servir a relação do dano ambiental autônomo, protegendo-se a qualidade dos ecossistemas, independentemente de qualquer utilidade humana direta e de regimes de apropriações públicos e privados. Esta percepção é extraída do fatos de os parágrafos segundo e terceiro do artigo 225 tratarem de responsabilidade pelo dano ambiental logo após o reconhecimento da importância do direito em causa. Cuida-se, então, de perceber que a responsabilidade ambiental pelo dano ambiental possui uma função social que ultrapassa as finalidades punitiva, preventiva e preparatória, normalmente atribuídas ao instituto”. (STEIGLEDER, 2004,p.177).

A teoria do risco criado e a responsabilidade por ato lícito
A teoria do risco criado (ou risco administrativo ou risco proveito) nos parece apontar o principal motivo da introdução da responsabilidade objetiva no direito brasileiro. Ela é conseqüência de um dos princípios básicos da proteção do meio ambiente em nível internacional – o princípio do poluidor-pagador – consagrado ultimamente nas Declarações Oficiais da Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (RIO-92 – UNCED) [03]. Uma conseqüência importante dessa linha de fundamentação da responsabilidade objetiva pelo dano ambiental é a possibilidade de admitir fatores capazes de excluir ou diminuir a responsabilidade como o caso fortuito e a força maior, o fato criado pela própria vítima (exclusivo ou concorrente), a intervenção de terceiros e, em determinadas hipóteses, a licitude da atividade poluidora.

A teoria do risco integral é uma modalidade extremada da doutrina do risco para justificar o dever de indenizar mesmo nos casos de fato exclusivo da vítima, em caso fortuito (evento causado pela ação humana de terceiros) ou de força maior (evento causado pela natureza). Sergio Cavalieri Filho [04], ao comentar o artigo 14, parágrafo 1º da Lei 6.938/1981, ressalta que o artigo 225 parágrafo 3º, da Constituição, recepcionou o já citado artigo 14 parágrafo 1º, da Lei 6.938/1981, criando a responsabilidade objetiva baseada no risco integral, ou seja, na teoria segundo a qual não se admitem excludentes de responsabilidade. O autor aduz que “se fosse possível invocar o caso fortuito ou a força maior como causas excludentes de responsabilidade civil por dano ecológico, ficaria fora da incidência da lei a maior parte dos casos de poluição ambiental [05]”.

O nexo de causalidade implica que a responsabilidade objetiva em matéria de dano ambiental afasta qualquer perquirição e discussão de culpa, não prescinde do nexo causal entre o dano havido e a ação ou omissão de quem cause o dano. Para se pleitear reparação há necessidade da demonstração do nexo causal entre a conduta e a lesão ao meio ambiente. Assim, para haver a responsabilização imprescindível ação ou omissão, evento danoso e relação de causalidade.

Com relação à licitude da atividade exercida, verifica-se que, no direito brasileiro, a responsabilidade civil pelo dano ambiental não é típica, independe da ofensa a standard legal ou regulamento específico. É irrelevante a licitude da atividade. Pouco importa que determinado ato tenha sido devidamente autorizado por autoridade competente ou que esteja de acordo com normas de segurança exigidas, ou que as medidas de precaução tenham sido devidamente adotadas. Se houve dano ambiental, resultante da atividade do poluidor, há nexo causal que faz surgir o dever indenizatório. A legalidade do ato desimporta, basta a simples potencialidade de dano, para que a responsabilidade civil seja objetiva. Neste sentido, leciona Celso Antonio Bandeira de Melo [06]:

O fundamento da responsabilidade estatal, no caso de comportamentos lícitos, assim como na hipótese de danos ligados à situação criada pelo Poder Público – mesmo que não seja o Estado o próprio autor do ato danoso – é garantir uma equânime repartição dos ônus provenientes de atos ou efeitos lesivos, evitando que alguns suportem prejuízos ocorridos por ocasião ou por causa de atividades desempenhadas no interesse de todos.

Conclusão
A necessidade de uma relação sustentável entre o desenvolvimento industrial e meio ambiente é exatamente a mesma da irreversibilidade da dependência da sociedade moderna dos seus avanços técnicos e industriais.

As consagradas teorias da responsabilidade civil subjetiva e objetiva já não são suficientes para garantir a precaução e prevenção ambiental, sobressaindo-se a teoria do risco integral, justificando o dever de indenizar mesmo nos casos de fato exclusivo da vítima, em caso fortuito (evento causado pela ação humana de terceiros) ou de força maior (evento causado pela natureza), e até mesmo por atividade lícita, licenciada e/ou autorizada pelo Poder Público.

Referências bibliográficas
(1)Direitos Humanos Fundamentais. Ed. Atlas, São Paulo, 2000, 3ª ed, p. 19

(2)A era dos Direitos

(03) Princípio 16 – As autoridades nacionais deverão esforçar-se por promover a internalização dos custos ambientais e a utilização de instrumentos econômicos, tendo em conta o princípio de que o poluidor deverá, em princípio, suportar o custo da poluição, com o devido respeito pelo interesse público e sem distorcer o comércio e investimento internacionais.

(04) CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 4. Ed. São Paulo : Malheiros, 2003, p. 154.

(05) Ibidem, p. 154.

(06) MELO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 4. Ed. São Paulo : Malheiros Editores, p.442.

(07) DOURADO, Maria de Fátima Abreu Marques. Responsabilidade civil ambiental. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 905, 25 dez. 2005. Disponível em: . Acesso em: 31 maio 2011.

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