Por Theobaldo Spengler Neto e Marson Toebe Mohr,
advogados
Por definição legal, o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) é uma autarquia federal subordinada ao Ministério da Justiça, portanto, ao Poder Executivo, com poderes judicantes (e não jurisdicionais, na medida em que estes são inerentes apenas ao Poder Judiciário). Entre suas principais funções, estão as de prevenir e reprimir o abuso do poder econômico, nas suas mais variadas hipóteses.
Inegável que nos últimos anos, com o despertar do Brasil no cenário econômico internacional, o órgão antitruste brasileiro vem ganhando mais autonomia e maior visibilidade, além de se mostrar mais maduro e astuto em suas intervenções.
Não é difícil lembrar do rumoroso ato de concentração “Kolynos–Colgate”, onde a Kolynos do Brasil S/A foi adquirida pela Colgate-Palmolive Company, nos idos de 1996. Apenas dois anos antes entrara em vigor a Lei nº 8.884/1994, a qual alçava o CADE à esfera de autarquia federal.
Inauguravam-se em terras tupiniquins conceitos primordiais de análise econômica do mercado, tais como mercado relevante, estrutura de mercado barreiras à entrada de novos produtos, dentre outros. O caso “Kolynos-Colgate” foi de suma importância ao Direito Concorrencial brasileiro, não obstante as tímidas restrições impostas pelo CADE.
Àquela época, houve a constatação, pelo CADE, de uma alteração do padrão de concorrência nos mercados de creme e escova dental, e da detenção do controle de cerca de 80% do mercado nacional pela empresa resultante da incorporação. Para prevenir o abuso de poder econômico, o CADE estabeleceu como condição à aprovação da incorporação da Kolynos pela Colgate a alienação da marca Kolynos. Todavia, estabeleceu como alternativas à alienação ou a suspensão temporária do uso da marca Kolynos por quatro anos, ou a licença exclusiva da marca Kolynos para terceiros por 20 anos.
Considerando as condições de hoje, após mais de uma década de estudos e interpretações, aquelas medidas podem ser consideradas brandas.
Casos subseqüentes, mas de igual rumor, como na fusão das cervejarias Brahma e Antárctica para criação da Ambev e na incorporação da empresa Chocolates Garoto S.A. pela Nestlé Brasil Ltda. – este último ato vetado pelo CADE –, ou mesmo no recente Termo de Compromisso de Desempenho (TCD) assinado pela empresa BRFoods e pelo CADE, mereceram tratamento mais severo.
Voltando ao caso “Kolynos-Colgate”, o CADE apresentou alternativas à alienação da marca Kolynos, como por exemplo a suspensão temporária da marca pelo período de quatro anos. Ocorre que, aproveitando-se da dinamicidade do mercado, a empresa lançou uma nova marca trissilábica com evidentes semelhanças à marca Kolynos.
O setor de marketing não deixou por menos: tratou logo de associar a nova marca “Sorriso” à suspensa “Kolynos”, trazendo grandes resultados em um mercado até então bem conservador na relação produto/consumidor. Nesse andar, a medida de suspensão imposta pelo CADE mostrou-se praticamente inócua, tendo em vista que em menos de quatro anos a empresa resultante da incorporação criou nova marca com nítidas semelhanças da marca suspensa, apenas substituindo o nome da marca.
O apelo publicitário e as mesmas características da marca suspensa foram mantidas, sem qualquer forma de controle por parte do CADE. Tanto sucesso fez a marca Sorriso que, apesar de transcorrido o prazo de suspensão do uso da marca Kolynos, esta sequer foi reintroduzida no mercado de cremes dentais.
No recente caso da fusão entre Sadia S.A. e Perdigão S.A., o CADE mostrou-se mais prudente e sinalizou que não repetirá as mesmas medidas, as quais poderiam hoje ser tituladas de ingênuas. Além da alienação de unidades de produção, centros de distribuição, da cessão de contratos com produtores integrados de aves e suínos, o Termo de Compromisso de Desempenho – espécie de acordo firmado entre o CADE e as empresas como requisito à aprovação do ato de concentração – também impôs ao novo grupo econômico a alienação de diversas marcas e de seus direitos intelectuais e a suspensão do uso das marcas Perdigão e Batavo em diferentes produtos no mercado nacional, variando o prazo de suspensão de acordo com determinados produtos.
Neste ponto, válido destacar que o CADE, atento às práticas comerciais, e ao histórico do caso Kolynos-Colgate, restringiu a BRFoods de se utilizar de qualquer marca já existente ou mesmo que vier a ser criada, pelo prazo de cinco anos, nos segmentos onde houve determinação de suspensão do uso da marca Perdigão, evitando-se, assim, o uso do mesmo artifício utilizado pela Kolynos-Colgate com a criação ou remanejo de uma marca já existente nos setores onde a marca Perdigão foi suspensa.
Além do mais, a análise técnica de inúmeras variantes econômicas e jurídicas em busca de um equilíbrio concorrencial, acompanhado da imposição de restrições como alienação de marcas e unidades produtivas e cessão de contratos com os produtores da BRFoods apenas confirmam a ideia de autonomia do órgão antitruste.
Revela-se seu crescente poder no jogo de forças do mercado e o ganho de confiança junto às empresas e aos consumidores, que em tese são os mais beneficiados com essa interferência estatal.
É essa forma de intervenção no mundo econômico público e privado que, em sede de Estado Democrático de Direito, se pretende ver surtindo efeitos em busca da proteção do livre mercado. Entretanto, o CADE, muito embora formado por conselheiros indicados pelo Poder Executivo, deve manter-se isento e sobretudo afastado de interferências políticas e econômicas, para que possa fazer cumprir com seu objetivo.
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