Julgamento eletrônico prejudica direito de ampla defesa

Por José Fernando Moro e Luís Carlos Moro

Proposta da lavra do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo pretende implantar, por Resolução Administrativa, mecanismo pelo qual as sessões de julgamentos sequer sessões serão. Passarão a ser virtuais, consubstanciados em trocas preparatórias de correios eletrônicos entre os desembargadores para, como corolário dessa providência, estabelecer:

“Os agravos de instrumento, agravos internos ou regimentais e embargos de declaração poderão ser julgados virtualmente, a critério da turma julgadora, determinando, o relator, a prévia ciência das partes pela imprensa oficial, para fim de preparo de memoriais, ou eventual oposição à forma de julgamento, em cinco dias”

Depois, admite que até mesmo apelações e outros processos em que o Tribunal seja a instância originária, como Mandados de Segurança e Habeas Corpus, possam ser também assim julgados.

As razões da indigitada Resolução estão contempladas em um introito que reconhece, nos consideranda, o colossal volume de processos que aguardam julgamento; a necessidade da ação de medidas práticas para economizar o tempo dos senhores magistrados; a adoção de medidas desburocratizadoras para o atendimento do que norma constitucional batizou “duração razoável do processo” (artigo 5º, inciso LXXVIII, da Lei Maior), dentre outras.

Não tenhamos apego excessivo ao formalismo processual, mas não tratemos o ordenamento jurídico como norma disponível e tão disponível que resvale na esfera da confusão do papel institucional.

No princípio era o verbo (João 1:1). E o verbo, que tudo cria e transmuda, desde o princípio da Resolução, encerra proposta como mais um ato legisferante do maior dos Tribunais pátrios, os quais, diante dos desafios propostos pela modernidade, buscam mudar procedimentos judiciais em razão do processo judicial eletrônico, que tende a ser a coqueluche (ou o tétano?) dos próximos anos em matéria processual que, aos olhos, corações e mentes dos subscritores, soa irregular, ilícito, inconstitucional, inconveniente e inadmissível.

O ideal é o estabelecimento de debate que possa transcender aos seus termos e alcançar todo o trajeto de “eletronização” (ou será “eletrocução”?) do processo judicial.

Vivenciamos os tempos da transição entre o mundo dos autos físicos para o processo virtual. E a medida alvitrada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (o do Rio também já se lançou nesse caminho) constitui um bom motivo para raciocinar sobre o trilhar dessa modificação.

Não há receio do novo ou da claridade. O temor é do antigo. Desde logo melhor confessarmos tanto o apreço quanto a convicção da indispensabilidade do uso constante dos meios tecnológicos. Aqui, não se repele qualquer iniciativa em razão de nos lançar no admirável mundo do novo.

Os gadgets, os brinquedinhos e instrumentos da moderna virtualidade. Inexiste ojeriza ou receio do novo. Ao contrário, teme-se o que de mais antigo há na humanidade: a barbárie e o obscurantismo. O Processo de Kafka.

Julgamento que se processa sem saber como não é senão a hipótese de Joseph K., que não obstante tivesse nascido no gênio inventivo de Franz Kafka, poderia muito bem ser um islamita nas prisões de Abu Ghraib, no Iraque, um descendente de povos árabes em Guantánamo, em Cuba, nas masmorras comandadas pelos Estados Unidos da América, ou um checheno em prisões russas.

Estamos diante de exemplos de sistemas judiciários que, como o da história de Josef K., não respeitam as leis e operam acima delas. E isso nada mais é que obscurantismo a ser temido, mas combatido com a mesma potência do temor.

Somos usuários dentre os pioneiros e curiosos dos meios eletrônicos de transmissão de dados processuais, programas e sistemas e-saj, e-doc, sisdoc, e-jus, do e-pet, do Convênio Bacen-Jud, do Renajud, do Infojud, guardamos no peito com carinho e orgulho para uso constante as nossas senhas, chips, cartões de identificação, tokens, rádios, smartphones, tabuletas (ou tablets), notebooks, desktops, todos eles muito úteis e inovadores na relação de mediação tecnológica existente entre Judiciário e advocacia.

Dependêssemos exclusivamente das normas processuais tais como existentes na Consolidação das Leis do Trabalho, por exemplo, ainda estaríamos a obedecer o vigente artigo 771 que diz, ipsis verbis:

“Art. 771. Os atos e termos processuais poderão ser escritos à tinta, datilografados ou a carimbo”

Despiciendo dizer do desapego aos carimbos ou a tinta que torna indistinta a distinção entre o nada e coisa nenhuma, como dizia Pessoa. Não é, portanto, o apreço à norma, às tradições, à família ou à propriedade que nos incita.

Admiramos os esforços do Judiciário pela inserção de meios modernos de gestão e de tecnologia da informação em seu seio. Nesse campo, a TV Justiça e a transmissão por internet de sessões públicas de julgamento foram belíssimos passos para fazer o Judiciário chegar ao povo e não dele isolar-se.

É fonte de orgulho poder assistir às sessões de julgamento, depreender sua lógica e a pedagogia dos debates. E nesse campo, a Justiça do Trabalho está na frente dos demais ramos do Judiciário, alguns deles ainda a se valer da velha sovela, costurando autos de processos.

Olhar para o futuro é imprescindível. E se admite que o Tribunal de Justiça de São Paulo busca o futuro em sua Resolução. Mas o procura na direção errada.

É que não se opera a construção do futuro a despeito da literalidade de preceitos que impedem a Resolução tal como se encontra. Há leis impeditivas da tentativa de estabelecer essa nova medida. Causa espécie a desatenção partir de quem delas deveria, ao menos, senão obediência cega, ao menos consideração pela vigência e eficácia.

A Advocacia e a magistrotronia

O que nos preocupa é a deformação do processo como método[1], como assentamento de um fluxo de trabalho por meio de lei.

Esse encadeamento lógico de atos sucessivos e preclusivos não prescinde de normas de ordem pública, de caráter público (na gênese, na aplicação e no fim), como manifestação que integra o conjunto de preceitos fundamentais constitutivos de um Estado de Direito democrático.

A Resolução alvitrada pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo segue uma triste tendência: a da visão magistrocêntrica do processo, contra a qual impele uma obrigação institucional de agir.

O poder, no entanto, não emana do magistrado, senão do povo, nos termos do parágrafo primeiro do artigo 1º de nossa Constituição. Vejo nessas normas dois entraves de ubiquação, de locus, de ambiência.

É que elas transferem o palco de debate do Poder Legislativo para o estrado da magistratura. Querem os eminentes desembargadores do Estado de São Paulo regular o processo judicial. Enquanto isso, a Constituição Federal, no seu artigo 22, inciso I, diz, de modo textual:

“Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

I – direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;”

Fica claro que somente a União poderá legislar sobre processo! Qualquer tentativa em contrário vulnera o artigo 22, I, da Lei Maior.

Aqui, poder-se-ia objetar o raciocínio, afirmando que estaríamos diante da competência residual e concorrente dos entes federativos para legislar sobre procedimentos em matéria processual, dado o teor do inciso XI do artigo 24 da Constituição Federal.

Afasta-se, porém, o contra-argumento porque, em primeiro lugar, ainda que estejamos tratando de procedimento (afirmação com a qual não concordamos), não se dispensa a lei. Resolução não se presta para tal finalidade. E a Assembléia Legislativa de São Paulo está ao largo da Praça da Sé ou do Largo São Francisco.

No entanto, ainda pensamos que estamos a tratar de processo e não de procedimento, uma vez que a Resolução não se preordena a alterar tão somente o modus faciendi da sessão de julgamento, mas sua própria estrutura, modificando, ao fim e ao cabo, a jurisdição e a defesa, institutos fundamentais da ciência processual.

Tanto isso é fato que não se diz de procedimento eletrônico, mas de processo eletrônico. E isso demanda lei federal, nos termos do artigo 22, I, da Constituição da República.

E a União já legislou sobre processo eletrônico! Já o fez por meio da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. Essa lei, como veremos, não somente não previu a hipótese da iniciativa, mas também vedou essa iniciativa, que entendemos equivocada do Tribunal de Justiça.

O equívoco só é possível porque há uma discutível transferência do ambiente de discussão dos parâmetros legais.

Os Tribunais têm sido muito ciosos de suas funções extraordinárias e atípicas de criar normas e, na prática, legislar. E, a pretexto de regulamentarem a lei, legisferam.

Expedem uma miríade de normas, regras, resoluções, portarias, instruções normativas, colmatando lacunas e, de quando em quando, invadindo áreas de competência legislativa. O que causa perplexidade, além do conteúdo de várias dessas iniciativas, é a conversão do “quando em quando” em “quase sempre”.

A advocacia, porém, tem recebido essas normas quase com obsequiosa reverência. É convocada a ser partícipe da administração da Justiça quando esta lhe repassa funções, transmite responsabilidades, impõe-lhe novos ônus. Advogados acabam por ter reservado o papel de expectadores passivos, plateia que não reage. Só interage quando convocada, se convocada, para aplaudir ou arcar com os ônus decorrentes da direção do espetáculo da jurisdição.

Na origem dessa discussão, um embate que tende a se renovar e reproduzir, cada vez mais intensamente entre nós se verifica: tensão entre a aparente ontologia jurídica e a axiologia jurídica. Normas e princípios em sentidos opostos.

E aqui o que se propõe não é senão mais uma manifestação desse embate, pois a Resolução (aparente norma a existir) em apreço é confessa em vislumbrar o mundo a partir da ótica preponderante do magistrado, enquanto todos os esforços das democracias modernas corrigem essa distorção de ótica, centrando o destinatário do processo no jurisdicionado.

A advocacia, não obstante os esforços de muitos de seus integrantes e dirigentes, já se acha esgotada, exangue, lassa, sem forças para reagir, tantas as formas pelas quais seu prestígio e força já foram assestados.

E a proposta da Resolução ainda encontra eco entre nós, pela sensação de que já fomos vítimas de iniciativas ainda piores, de que dentre tantos males, não há neste um a justificar uma resistência tão onerosa do ponto de vista político institucional. Há quem sustente que haveremos de absorver alguma dose de derrota.

Afinal, até mesmo a Suprema Corte já se lançou na virtualidade dos julgamentos das questões, inserindo em seu Regimento Interno norma segundo a qual, para decidir se as questões sob exame revestem-se ou não de repercussão geral.

Sem embargo de nossa opinião contrária até mesmo à decisão da Suprema Corte, estender esse mecanismo a todos os Tribunais consubstanciaria um perigoso precedente de alijamento da participação (mesmo que de respeitosa presença silente) dos populares ao julgamento.

Embora respeitemos profundamente as opiniões em contrário, pensamos que a situação é distinta e que não podem os magistrados enclausurar os debates próprios dos julgamentos que assim merecem ser chamados (e que devem ser públicos) ao restrito mundo da virtualidade de suas caixas postais eletrônicas.

De lembrar que empoderados, segundo a Constituição Federal, não são os julgadores, mas suas missões constitucionais. E pelo poder que emana do povo e, entre ele, os advogados, cuja voz veicula seus reclamos.

Os magistrados estão diante do dilema que se dá entre a necessidade de cumprir princípios e normas constitucionais e a pletora de processos que se acumularam ao longo dos anos, boa parte em decorrência da pouca sensibilidade política dos integrantes dos Poderes da República e dos Estados, que assistiram inertes ao desenvolver de uma situação caótica, em que se confessa que há nada menos que 550 mil feitos à espera do milagre da jurisdição.

Notemos o primeiro considerando da norma que circula como proposta:

CONSIDERANDO existir, no acervo do Tribunal de Justiça, mais de 550.000 recursos a aguardar julgamento, número que não diminui apesar da grande produtividade média de seus Magistrados, classificado, por isso, em primeiro lugar nas estatísticas do Conselho Nacional de Justiça;

A despeito das estatísticas de que se jactam (somos os que mais julgamos), há estatísticas das quais se penitenciam (acervo de 550.000 recursos pendentes de julgamento).

Isso demonstra um aspecto importante. O acervo não decorre de culpa exclusiva dos magistrados, é certo. Mas não autoriza a previsão de uma modificação do sistema de julgamento contra legem.

Tal é o acúmulo represado que se pretende justificar o fechamento das portas das sessões de julgamento – cuja abertura é imposição constitucional – pelo acervo que resulta da insensibilidade dos Poderes frente ao exercício do direito de ação.

Esse acúmulo, que nada é senão decorrência da ausência de resposta às demandas populares por serviços judiciários, em situação para a qual os cidadãos não concorreram com abuso, senão com o uso de seus direitos e garantias constitucionais em contraposição à inércia permissiva dos titulares da representação popular, seja no Executivo paulista, seja no seu Legislativo.

Sentem-se os magistrados pressionados pela meta 2 do Conselho Nacional de Justiça.

Descobriram-se descobertos e não acobertados pela intangibilidade da toga. Viram-se diante das pressões (populares, da mídia e também de tecnocratas), todos na ânsia por serviços escorreitos.

Mas há normas e princípios que gizam os serviços escorreitos. E querem agora editar uma antinorma, autorizadora do afastamento das normas e princípios incidentes. Tudo em nome do jurisdicionado!

A Resolução, porém, acerca-se do jurisdicionado sob perspectiva meramente remota, para atendimento do interesse próximo de reduzir a duração das sessões de julgamento, afastando os seus circunstantes, para atendimento do interesse do magistrado. Observa-se o mundo a partir da cátedra do magistrado. E, se possível, a cadeira instalada em sua própria residência, a fim de que se reduzam os deslocamentos à Praça da Sé.

E, nesse ponto, chega a cometer deslizes de linguagem que Freud facilmente identificaria como atos falhos. Vejamos o segundo considerando do projeto de resolução:

“CONSIDERANDO ser necessário adotar providências de ordem prática para o julgamento mais rápido dos recursos, com economia de tempo para os julgadores, bem como para cumprimento da Meta 2 do CNJ e para o urgente atendimento do princípio constitucional da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, da CF);”

Pretende-se, de modo desabrido, a economia de tempo para os julgadores!! O terceiro considerando acresce que o objetivo é reduzir as pautas das sessões de julgamento, as quais ficam “sobrecarregadas, consumindo tempo que poderia ser usado para o preparo de votos em apelações”.

E, num último considerando, voltamos a que se imagina como o centro do processo: o magistrado, cujo tempo magistral (muito dele também dedicado por uma parcela dos julgadores ao magistério) se deseja economizado:

“…a dispensa da sessão de julgamento, nos casos dos recursos previstos nesta Resolução, auxiliará o adequado cumprimento da Resolução nº 542/2011, disponibilizando maior tempo aos magistrados…”

Veja-se que o tempo aqui preservado não é do processo. É do julgador! Estamos diante do que temos denominado “Processo Judicial Magistrocêntrico” ou “Magistrocentrismo do Processo Judicial Eletrônico” ou, ainda, uma nova ciência, a “Magistrotrônica”, que se dedica a por a eletrônica a serviço do bem estar do magistrado.

A ideia do processo judicial eletrônico tem sido veiculada como verdadeira fonte de prazeres para a magistratura. Sinecura e remédio para todos os seus males. Visa a asseguração de sessões breves de julgamento, pela cessão prévia e privativa dos votos que deveriam ser públicos e sujeitos a fiscalização. Privação do contato presencial das partes, distanciamento dos procuradores, preservação dos magistrados na pureza asséptica de suas togas domiciliares.

Do ponto de vista gráfico, o processo é visto como um átomo em cujo núcleo se acha a magistratura. Núcleo em torno do qual devem gravitar os outros partícipes, como se fossem elétrons (quando não nêutrons). Partes, advogados, servidores do Judiciário, auxiliares da justiça e técnicos, figurantes que seriam, devem se movimentar em torno do elemento nuclear das atenções da virtualização do processo: o julgador.

Visto desse trono, o processo eletrônico serve a servidor público que não deseja servir ao público de modo público, mas busca o exercício do serviço público em ambiente vitual e privativo do qual o povo fica privado. Mister público em monastério privado, de modo a privar o jurisdicionado do presenciar o julgamento de seu caso.

Essa ótica desserve não somente à advocacia. Constitui agravo ao cidadão e, implicitamente, revela um distanciamento da magistratura paulista da noção de realidade que milita contra a indispensabilidade da Justiça como forma superior de expressão da democracia e da civilidade.

A teoria evolutiva do trabalho e sua descoberta
Parece que se descobriu, de vez, a teoria evolutiva do processo de trabalho e se pretende deixar o trabalho manual para alcançar o trabalho automatizado por passes de mágica. Na teoria da evolução do trabalho[2], há três fases importantes.

No trabalho manual, a pessoa executa as ações, conduz e controla o processo. Despende-se energia gerada e fornecida pelo próprio trabalhador, detentor de todas as informações necessárias para a execução da tarefa, com as quais ele alimenta o sistema. Se há ferramentas, são rudimentares ou utilizadas como tais. É o trabalho que predomina na Construção Civil de pequeninas empreiteiras, por exemplo, assim como na agricultura familiar. É freqüente nos serviços (inclusive numa advocacia mais artesanal, que também somos partícipes).

No trabalho mecanizado, o meio de trabalho executa ações conduzidas e controladas por pessoas. Há aqui maior incidência de máquinas, equipamentos, ferramentas. A energia utilizada é fornecida externamente ao trabalhador, mas este também precisa gerar energia para aportar ao processo ou sistema de trabalho.

Por fim, há o trabalho automatizado. Neste, é o meio de trabalho executa as ações e conduz o processo. As pessoas somente o controlam. Toda a energia necessária à execução da tarefa provém de fontes externas ao trabalhador. E a informação imprescindível é fornecida ao sistema, ao meio de trabalho por um gerenciador de programas.

Essa alteração de paradigma do trabalho, quando transposta para o processo judicial, traz uma série de questionamentos relevantes.
É possível que a “eletronização” das tarefas processuais transfira a condução do processo do julgador para o sistema? Poderemos admitir que o processo seja parametrizado não pela lei, mas por resoluções que imponham determinações a um gerenciador de programas e sistemas?

Pois nos parece que assim as coisas têm se encaminhado.

No processo tradicional, se é verdade que se admite a existência, por um lado, de uma enorme variação de procedimentos em cada unidade de jurisdição, por outro, gozamos de uma liberdade de trabalho constitutiva de nossa profissão.

O processo eletrônico, em grande parte, tem sido compreendido (e vendido, propagado, difundido) como um mecanismo de automatização do trabalho dos juízes, quando, no máximo, poderia ser admitido como um mecanismo de automatização das atividades meio, das secretarias, cartórios, ofícios e serventias, ampliando-se o acesso ao processo, da publicidade, da transparência e não da opacidade…

Necessitamos da cidadania eletrônica e não a eletrocução dos direitos do cidadão. Por isso, lamentamos dizer que o processo eletrônico precisa ser difundido e preservado, mas não para servir aos juízes, mas ao jurisdicionado, ao processo em si, num primeiro momento e, mediatamente, às partes e procuradores que nele intervêm.

A cidadania eletrônica pressupõe transparência, clareza ou, o que Boaventura de Souza Santos bem qualifica: a fiscalidade, ou possibilidade, ao menos em potência, da fiscalização dos procedimentos públicos: a accountability dos americanos. Ou o que o professor canadense Don Tapscott[3] diz da nova “civillização da internet”, mas sobre os primados da colaboração, abertura, compartilhamento, independência e integridade.

O que temos visto, no entanto, é a tentativa de automação da atividade humana da jurisdição para preservação apenas da independência e integridade do Judiciário. Mas sem abertura, colaboração e compartilhamento, o que resulta na eletrocução dos direitos do cidadão pela imposição, sem lei, sem debate, sem razão, de inúmeras restrições, em iniciativas mais ou menos institucionais, para a complexidade ainda maior do exercício da advocacia.

Já há diversas limitações, todas elas com algum fundamento, mas nenhuma lei: limitação do número de páginas das petições[4], do uso do sistema[5], do número de bytes do arquivo[6], da remessa de petições em segundo grau[7], dos horários de atendimento.

Isso para não dizer da limitação em ser recebido por magistrado, conduta apenas para ficar nos exemplos que estão mais vivos em minha memória.

A legislação é claramente defectiva. A Lei 11.419/2006, porém, evidenciou que o procedimento eletrônico não alcança o julgamento. Vejamos o seu artigo 1º:

“Art. 1o O uso de meio eletrônico na tramitação de processos judiciais, comunicação de atos e transmissão de peças processuais será admitido nos termos desta Lei.”

O que se admite é a utilização de meio eletrônico para a tramitação de processos; comunicação de atos e transmissão de peças processuais. A lei jamais pretendeu virtualizar o próprio julgamento ou as sessões dos órgãos colegiados.

O projeto de lei foi aprovado e a norma vinha com um artigo 21 que recebeu veto total. Era assim imaginado pelos legisladores:

“Art. 21. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios editarão normas para o cumprimento do disposto nesta Lei, com o objetivo de possibilitar o acesso ao serviço de recebimento e envio de comunicações de atos judiciais por meio eletrônico.”

À época, Márcio Thomaz Bastos era o Ministro da Justiça. E não consta que esse verdadeiro paradigma da advocacia estivesse a contribuir com lei da opacidade do julgamento público. E o veto presidencial à delegação de regulamentação da lei não poderia ser mais eloqüente:

“Razões do veto

“Não cabe à lei ordinária federal determinar a Estados e Municípios que editem normas a respeito de alguma matéria. O dispositivo viola o pacto federativo (art. 18 da Constituição).

Além disso, o dispositivo poderá causar a equivocada impressão de que a lei dependeria de regulamentação para ser aplicada, o que não é correto.”

Assim, ficou patente que a Lei 11.419/2006 prescinde de regulamentação para ser aplicada. Ademais, regula o trâmite processual como objeto da automatização, não a solenidade decisória, matéria atinente a legislação processual, de competência privativa da União.

Demais disso, automação da decisão corresponde a prescindir do juiz. Viabilizar a delegação da indelegável jurisdição e não se permitir sequer a fiscalização dessa delegação que, ainda que possível, mantém-se indelegável ao menos na sessão de julgamento, que se pretende transformada em cessão do voto (próprio ou alheio).

A admissão da mecanização da jurisdição como proposta equivale a anuência com processo decisório que caminha para a decodificação de letras (expressas no contraditório) em números, sejam aqueles expressos nas decisões judiciais de acordo com autotextos (nas teclas F1 a F12), hipertextos e pretextos, sejam aqueles preconcebidos em Súmulas vinculantes, súmulas, enunciados, orientações jurisprudenciais, que transformam decisões judiciais em fórmulas que mais parecem extrações da loteria federal.

Jamais a tarefa jurisdicional poderá ser – a não ser que queiramos perder voluntariamente a condição de Estado de Direito – automatizada, seja exercida como um múnus individual, seja como mister coletivo, em órgãos colegiados.

Sempre há de ser pública. Sempre há de ser fundamentada. Sempre há de ser transparente e sem opacidades, sem fases ocultas, sem meios eletrônicos privativos dos senhores magistrados a constar do procedimento formal.

O processo eletrônico precisa ser debatido sob essas outras bases, até para que evitemos o surgimento de “especialistas” em procedimentos e processos eletrônicos.

Acumulam-se escritos, trabalhos, explicações de como se dá o encadeamento de atos processuais ou de como se dará. Mandrakes e Herculanos Quintanilhas do processo eletrônico, turbadores sem turbante, todos dotados de perigoso vezo verbal de tecnicismo e oficialidade que, considerado o natural exaurimento das energias dos atores da Justiça (e isso não se nega a magistrado algum), pode tender a um silêncio omissivo de consequências imprevisíveis, mas claramente lesiva que a adesão preguiçosa induz.

Como pouco se aprofunda no exame dos limites da eletronização do processo, fundamental estabelecer mecanismos eficientes de obstrução da virtualização da atividade judicante como meio de imposição de um “coronelismo virtual”. Embora este não seja o caso, poderia ser um precedente que nos conduziria a tanto.

O Tribunal edita uma Resolução e tudo se resolve. Mas a norma a qual que se pretende impor não se sobrepõe às normas legais, aos dispositivos supra legais, às disposições, direitos, liberdades e garantias constitucionais e aos princípios gerais de Direito. Isso não é sequer resolução. Ao revés, constitui verdadeira dissolução em que dissoluto é o processo.

Independentemente da análise do conteúdo da Resolução, vemo-la agressiva em relação a institutos que são muito caros ao estado democrático de direito e não podem passar ao largo de quem tem a missão constitucional e o dever funcional de preservá-los. Vejamos:

Princípio da Publicidade dos Atos Processuais:

Expresso em nossa Constituição Federal, no inciso IX do artigo 93 da Constituição Federal, cujo texto é autoexplicativo:

“IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.”

Sejamos literais, a princípio. Se todos os julgamentos do Poder Judiciário serão públicos, a publicidade desse julgamento não se condiciona à viabilidade ou não da utilização da palavra oral pelo advogado.

Se a limitação da presença das partes subordina-se à lei, não será uma Resolução que haverá de impor tal limitação.

O direito à presença supõe colegialidade simultânea e não sucessiva ou virtual. Como fazer a parte presente na transmissão do voto de um julgador para outro?

Receberão as partes cópias dos votos? Obviamente não. Suas presenças não são desejadas. Há uma expulsão da parte no curso do processo. Ou o “julgamento em nuvem”, que mais se aproximaria do juízo final…

É importante notar que a publicidade do julgamento não é um dado exclusivo da Constituição da República Federativa do Brasil. Está presente em quase todas as Constituições ocidentais, porque decorre de um princípio de direito.

O princípio da publicidade tem uma dupla finalidade. Protege as partes de uma Justiça subtraída ao controle público (o que o processo virtual, tal como proposto, nos faz restituir a tempos anteriores ao Século XIII); e busca manter a confiabilidade do próprio Poder Judiciário, apresentado à comunidade como um ambiente de regras transparentes.

A publicidade do processo ocupa tal posição institucional no Estado de Direito Democrático que se converte em uma das condições de legitimidade constitucional da administração da Justiça.

Vincula-se, portanto, ao conceito de devido processo legal, garantia constitucional associada a direito fundamental, insuscetível de supressão.

Desde a Magna Carta, de João Sem Terra, em 1215, a publicidade do julgamento é uma conquista gradativamente aprofundada. O artigo 17 daquela Carta, em tradução livre, já dizia:

“17 – Os processos comuns não virão ao nosso tribunal mas serão apreciados num lugar fixado.”

Objetivava-se, com isso, permitir o acompanhamento dos julgamentos, evitando-se a barbárie. De 1215 a 2011, os oitocentos anos de construção civilizatória não foram bastantes ao assentamento da noção de que julgamento é público por essência.

No direito comparado, também não há como negar o assentamento do princípio.

Não à toa, na Constituição Espanhola, o princípio surge expresso na norma positivada do artigo 24.2, alusivo aos direitos fundamentais, assim como no artigo 120,1, que o identifica de modo claro. Nesse sentido, vale a pena observar o conteúdo de uma decisão do Tribunal Constitucional da Espanha:

“El derecho a la tutela judicial efectiva (art. 24.1 CE) y, más en concreto, el derecho a un proceso público con todas las garantías (artículo 24, 2 CE), incluyen no solo el derecho de acceso a la justicia, sino también el de hacerse oír por esta, por tanto, el de ser emplazados en la forma legalmente prevista para comparecer en aquellas situaciones judiciales cuya finalidad es precisamente la de dar a las partes la ocasión de hacerse oír, de exponer cuanto convenga a la defensa de sus derechos e interesses legítimos;…”[8]

O direito à tutela judicial efetiva, portanto, não supõe apenas um julgamento por órgão competente, mas acesso à jurisdição sob as vistas do jurisdicionado, razão de ser e destinatário dos trabalhos daqueles órgãos.

Outras constituições asseguram julgamentos públicos. A portuguesa o faz em seu artigo 206, assim redigido:

“Artigo 206º

Audiências dos Tribunais

“As audiências dos Tribunais são públicas, salvo quando o próprio Tribunal decidir o contrário, em despacho fundamentado, para salvaguarda da dignidade das pessoas e da moral pública e para garantir o seu normal funcionamento.”

Na França, berço e inspiração das normas consagradoras dos direitos humanos fundamentais, todos os cursos de Direitos Humanos esclarecem que há o direito à colegialidade[9], que, ao menos em tese, permite que os juízes uns fiscalizem-se aos outros, o que fez nascer a expressão exagerada juge unique, juge inique.[10]

A Convenção para a Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais da Comunidade Européia, no seu artigo 6º, 1, estatui que:

“Toda pessoa tem direito a que sua causa seja ouvida equitativa, publicamente e dentro de um prazo razoável por um Tribunal independente e imparcial”.

E o próprio Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, a partir de 1981 para jamais alterar sua orientação, ao julgar o caso Buchholz, assentou que a norma do artigo 6º, 1, não se limita às questões penais mas também abarca os litígios sobre seus direitos e obrigações de caráter civil.

Direito de ouvir e ser ouvido. Ter julgamento público e não cerrado nos limites da virtualidade. E para que não nos restrinjamos à Europa, citemos o conteúdo da Declaração Universal dos Direitos do Homem:

“Artigo X

Toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.”

Audiência vem do verbo audire, ouvir, que aqui há de ser lido em duplo sentido: o direito de ser ouvido por um Tribunal independente e imparcial e o direito de ouvir a manifestação do próprio Tribunal.

Nos glaciares do virtualismo eletrônico, não há espaço nem tempo para audire.

E vejamos a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, ou o Pacto de São José da Costa Rica:

ARTIGO 8

Garantias Judiciais

1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação pena formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.

2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:

a) direito do acusado de ser assistido gratuitamente por tradutor ou intérprete, se não compreender ou não falar o idioma do juízo ou tribunal;

3.omissis;

4.omissis;

5. O processo penal deve ser público, salvo no que for necessário para preservar os interesses da justiça.

Disso já se extrai que também estão vulnerados:

O Princípio do Devido Processo Legal

O Princípio da colegialidade

O Princípio da Imediação

Um dos direitos mais importantes ao jurisdicionado decorre do princípio da imediação, ou seja, aquele segundo o qual quem conheceu dos autos profere o julgamento.

Isso não prescinde de contato físico entre as pessoas.

Advocacia vem de voz. Ad vocare. Voz junto a alguém. Voz que pressupõe não apenas a existência aparelho fonador de quem diz, mas aparelho auditivo do que recebe o estímulo sonoro.

Se advocacia provém de voz, audiência vem de audire, ouvir. É na dialética do dizer e do ouvir que se compõe o processo. E, dento deste, como ato ápice, o julgamento. Não estamos na legerência, mas em audiência.

Tribunal também é vocábulo que deriva de tribuna. Tribuna é, segundo Houaiss, o lugar elevado de onde falam os oradores. A idéia de tribuna e tribunal associa-se a um lugar, uma instalação que permite a simultaneidade da presença e participação de um conjunto de pessoas.

Penso, inclusive, se pudéssemos, que deveríamos financiar os misteres de ouvintes qualificados das sessões de julgamento dos sessenta e quatro tribunais do país. Apenas para o exercício prazeroso da venturosa fiscalidade propugnada por Boaventura.

A Resolução, ainda que admitida como factível, tal como redigida não poderia prevalecer.

Superemos, por epítrope, todos os óbices aqui lançados. Ainda assim, não há como deixar de lançar outras objeções à norma. Diz seu artigo 1º:

Art. 1º – Os agravos de instrumento, agravos internos ou regimentais e embargos de declaração poderão ser julgados virtualmente, a critério da turma julgadora, determinando, o relator, a prévia ciência das partes pela imprensa oficial, para fim de preparo de memoriais, ou eventual oposição à forma de julgamento, em cinco dias.

Agravos de instrumento, agravos internos, agravos regimentais e embargos declaratórios não são meios de defesa de somenos. Todos trazem em si carga e esperança e potencialidade modificativa das decisões que lhes antecedem.

Tenha-se em conta o precedente perigoso gerado pelo emprego da expressão “a critério da turma julgadora”, à medida em que a própria norma deixa claro que isso só seria possível a critério das partes, que teriam poder de veto à decisão da turma julgadora, cujo critério fica condicionado à aceitação e não oposição das partes.

Não se pode questionar padecer a redação de um vício lógico. Mas há outro ainda pior: como que a turma julgadora pode ter algum critério se ela não sessiona? Então o critério será do Relator e não da Turma…

E, logo em seguida, outro equívoco lógico. Assegura o direito de apresentação de memoriais, mas não impõe aos desembargadores a obrigação correspondente de receber advogados para a sua respectiva entrega bom pena de escancarar o propósito de alijamento do advogado do processo, o que robustece a impressão primeira de inconstitucionalidade.

Os parágrafos igualmente não merecem encômios.

“§ 1º No julgamento virtual, o relator encaminhará seu voto aos demais componentes da turma julgadora por mensagem eletrônica.”

“§ 2º O segundo e o terceiro Juízes, que poderão requisitar os autos para exame e visto, manifestarão sua adesão aos demais da turma julgadora, igualmente mediante mensagem eletrônica.”

“3º Caso ocorra divergência, o discordante elaborará seu voto e o transmitirá ao relator e ao outro Juiz componente da turma. Confirmado o voto original pelo relator, dar-se-á sua publicação e o do Juiz discordante, prevalecendo, para acórdão, aquele que for acolhido pela maioria. Não manifestada divergência ou ocorrendo o consenso, o voto do relator ou do Juiz para tal designado servirá como acórdão para publicação na imprensa oficial.”

Os debates virtuais, se e quando existentes, não serão dados a público, ferindo um direito das partes, até porque debates não são conversas de coxia, mas elementos integrantes do espetáculo público do julgamento.

Mas o artigo 2º do projeto de Resulução é ainda pior que o primeiro:

Art. 2º – O julgamento das apelações e dos mandados de segurança e habeas corpus originários também poderá ser virtual, desde que, ao relatar o processo e enviá-lo ao revisor, ou o voto ao segundo e terceiro Juízes, conforme o caso, seja concedido o prazo de dez dias para manifestação do propósito de realizar sustentação oral, seguindo-se, no mais, os trâmites estabelecidos no art. 1º e seus parágrafos.

Aqui o equívoco está em centrar a finalidade da sessão de julgamento apenas em permitir sustentação oral.

Antes, a Turma (sem se reunir em sessão) era quem decidia pelo julgamento virtual. Agora, nas apelações, em que o direito à sustentação é líquido e certo e se pretende transformá-lo em condicionado, o relator supera em importância a turma julgadora e transmite o voto aos demais, decidindo monocraticamente pelo procedimento virtual.

Nos mandados de segurança e habeas corpus (lembrando que estes podem ser impetrados por qualquer popular), então, o paroxismo é maior ainda. Julgamento de colegiado de primeiro grau sigiloso!!

E, nas apelações, caso seja o entendimento que esposo vencido pela maioria do Conselho, que haja a inversão da proposta e apenas quando expressamente autorizado pelas partes o Tribunal promova as sessões virtuais que pretende levar a (d)efeito.

Há Câmaras que sequer respeitam o Regimento Interno e não realizam sessões nem mesmo hebdomadárias… Agora, serão elas bissextas?

Há mais aspectos a priorizar no processo eletrônico na Justiça paulista. Nela, não se vê nem mesmo a comunicação de atos e o protocolo de peças transmitidas por meio eletrônico para todos os graus de jurisdição. Não há investimentos bastantes para o básico. Os links estão sobrecarregados e há dificuldade de acesso à pouca informação existente. Relegar o básico a um segundo momento, para atribuir prioridade ao conforto pretendido pelos senhores Desembargadores é valer-se do dinheiro público contra o público.

O não à Resolução pelo qual estamos a pugnar é o mínimo a dizer. Já é tão gauche o dispositivo pretendido, que a ele sequer é admissível propor melhorias. É o caso de promover homenagem póstuma a nossa amada avó, Mercedes Marques de Oliveira Sani, que de letras jurídicas nada sabia, mas com os sábios, só o essencial sabia e dizia: “não nasceu para ser poeta, deixe em paz pobre musa”!

Caso persista a tentativa, nos moldes pelos quais proposta, emprestemos um halo de luz ao obscurantismo, embora saibamos que, no fundo, estamos diante do buraco negro, que busca absorver toda a energia da advocacia.

Não tentamos aqui, investir-nos da condição de corregedores da magistratura ou da humanidade. Podemos nos enganar em nossa firme convicção. E se formos, ao final, vencidos e estivermos equivocados, sejamos ao menos julgados em sessão colegiada e pública, assegurando-se-nos a ampla defesa, a palavra, o direito de invocá-la pela ordem e o devido processo legal.

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[1] E Eduardo Couture nos ensinava que processo não é senão método.

[2] Extraída do texto de SELL, Ingeborg, Projeto do Trabalho Humano: melhorando as condições de trabalho, Editora da UFSC: Florianópolis, 2002, pp. 180 e ss.

[3] Vide Folha de São Paulo de 29 de julho de 2011, página B14.

[4] TRT da 3ª Região editou a IN 3/2006, passando a determinar que as petições e seus anexos, tenham no máximo 50 folhas impressas (respeitado o limite de dois megabytes), sob pena de seu não processamento. Há notícia de decisão que considera “intempestivo” o recurso que suplante tais limites.

[5] Em duas Varas do Trabalho de Manaus, os advogados foram proibidos, por meio de portarias, de enviar petições por meio eletrônico. Agora, só vale a versão em papel. Os magistrados argumentam que o Sistema Integrado de protocolização e fluxo de documentos eletrônicos (e-Doc), adotado em todo o país pela Justiça do Trabalho, está sendo utilizado por advogados “de forma indiscriminada e sem controle”. Editaram então portarias, os juízes Lairto José Veloso e Mauro Augusto Ponce de Leão Braga, titulares da 3ª e da 5ª Vara do Trabalho de Manaus, que, respectivamente, informam que o uso do e-Doc aumentou “significativamente” o fluxo de trabalho, “além de onerar de forma substancial os cofres públicos com gasto excessivo de papel e material de informática”.

[6] O próprio Tribunal Superior do Trabalho não permite a remessa de arquivos e anexos com volume superior a 2MB. O lote de arquivos, constituído em arquivo principal e seus anexos, não pode ultrapassar 2Megabytes. Não são aceitos documentos fracionados, ou seja, que parte do documento (petição ou documento que a acompanha) seja enviado em um lote e o restante em outro lote.

[7] No âmbito do Tribunal Regional do Trabalho, o E-PET – Peticionamento Eletrônico, restrito para o envio de petições relativas a ações em grau de recurso, limita em aproximadamente duas páginas o tamanho de cada petição enviada.

[8] In NAVARRETE, José F. Lorca, Temas de Teoría y Filosofia Del Derecho, Pirámide: Madrid, 2008, p. 601.

[9] In CABRILLAC, Rèmy, Libertés et Droits Fundamentaux, 11ª Ed., Dalloz, 2005, p. 468

[10] In ROLLAND H. e BOYER, L. Adages du Droit Français, 4e Ed. Litec, 1999, 178.

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