(Archimedes Marques)
Há aproximadamente uns 20 anos atrás, quando eu estava como Delegado de Polícia da Barra dos Coqueiros, um município litorâneo banhado pelo Oceano Atlântico e que faz divisa com Aracaju através do Rio Sergipe, então recebi na Delegacia a visita de uma senhora aparentando ter de 65 a 70 anos de idade, mas, bem lúcida e ágil, que me fez pessoalmente a seguinte denuncia:
– Doutor, eu moro em um sítio aqui próximo junto com meu filho que é meio “estranbelhado” da cabeça, onde crio galinhas e junto ovos a semana toda para vender na feira aos sábados, mas aí descobri que o meu vizinho anda comendo as minhas galinhas e eu quero a solução da Polícia para ver se ele para com isso…
– A senhora sabe quantas galinhas ele já comeu?…
– Aí o senhor me pegou doutor, é difícil de saber por que tenho umas quarenta e todas elas vivem presas no meu terreiro. Coloquei varas bem juntinhas umas das outras no cercado e no meio construí o galinheiro, mas aí algumas delas conseguem pular a cerca e vão ciscar no sítio dele, então ele come todas elas…
– Mas como é que a senhora sabe que as galinhas que ele está comendo são as suas?…
– Ah doutor… Primeiro porque ele não cria galinhas… Segundo porque eu conheço todas elas… Terceiro porque eu o vi comendo uma…
– Está certo, vou mandar uma intimação pra ele e se ficar constatado essa acusação a senhora vai ter as suas galinhas ressarcidas e ele será processado.
E então no dia marcado lá estavam a nossa simpática velhinha e o suposto larapio das suas galinhas. De início o cidadão que aparentava ter uns vinte e cinco anos, negou veementemente a acusação, mas aí a vítima insistiu:
– É mentira dele doutor!… Ele está comendo as minhas galinhas mesmo… O meu filho “estrambelhado” já tinha me dito isso e não acreditei, mas, na segunda-feira passada logo cedinho, quando eu estava no galinheiro catando os ovos, escutei uns “gritos” de galinha que vinha de dentro do mato e aí pensei que era alguma que estava pondo os seus ovos num ninho escondido, então segui o barulho e escondida vi muito bem com esses olhos que a terra há de comer, ele nu segurando fortemente as asas da bichinha com as duas mãos “enfincando” o negócio dele no rabo dela, na maior safadeza e “chumbregancia” com a minha galinha e ela, coitadinha, se “esguelando” de dor… Só não me apresentei na hora porque fiquei com medo dele me matar, doutor…
Diante daquela situação hilária assim terminei de saber de qual maneira era que o cidadão estava comendo as galinhas da velhinha, e, então continuei a audiência falando sério e de um jeito mais severo, como se já soubesse daquele fato inusitado desde o início:
– Mas rapaz… Você ainda tem a cara safada de dizer que uma senhora idosa como essa, que tem a idade de ser a sua avó, está mentindo?… Vou instaurar um Inquérito Policial e pedir à Justiça a sua prisão… Você vai mofar na Penitenciaria…
Além do mais os presos vão fazer com você o que você fez com as galinhas dela…
– Não doutor, pelo amor de Deus, pelo amor que o senhor tem aos seus filhos, não faça isso comigo não… Eu pago quantas galinhas ela quiser e prometo que nunca mais faço isso de novo…
E então interferiu a pretensa vítima alegando outro fato que ela achava grave:
– O problema maior doutor, é que agora eu não sei quais são as galinhas que estão com os ovos galados por ele e quais as que estão com os ovos galados pelo galo. Como vou saber quais os ovos que eu levo pra vender na feira para que o povo não me reclame nada e quais os ovos que eu coloco nos ninhos das galinhas chocas para nascerem os pintinhos?…
Para não rir da situação esdrúxula, tive que explicar que cientificamente e geneticamente não há qualquer possibilidade do espermatozóide humano interferir no óvulo da galinha ou de qualquer outro animal e que por isso não havia problema algum com os ovos das suas galinhas que continuavam sendo do mesmo jeito que sempre foram e em seguida interpelei o suposto “estuprador de galinhas” para o devido acerto de contas:
– Quantas galinhas você comeu nessa sua safadeza?…
– Não tenho certeza doutor… Acho que foram somente umas quatro!…
– Quando você fala quatro é porque certamente foi o dobro, por isso você vai indenizar ela com oito galinhas…
– Tenha dó de mim doutor… Eu estou falando a verdade e, além disso, eu sou mais pobre do que ela… No meu sítio tenho somente alguns coqueiros que de quando em vez vendo cocos… Eu ganho pouco… Pesco siris, alguns peixinhos “engasga-gatos” e cato caranguejos nos mangues para sobreviver… Tenho mulher e três filhos pequenos pra dar de comer…
E antes que eu me pronunciasse, interferiu novamente a vítima:
– Doutor, eu agora estou querendo também criar patos, então se ele me der três patas e um pato está resolvido o problema!…
Pesando a situação econômica do acusado apesar da sua pouca vergonha, então convenci a suposta vítima a aceitar um casal de patos, vez que, com o tempo ela certamente teria muitos patinhos que cresceriam e gerariam tantos outros.
Fechado o acordo então finalizei a audiência com a seguinte advertência:
– Preste atenção rapaz!… Você me prometeu que não vai mais importunar e “estuprar” as galinhas dela e eu acredito, pois notei que você é um batalhador e não um vagabundo como muitos que tem neste município, mas espero que ela não volte aqui se queixando que você esta comendo a própria pata que vai dar a ela, viu?…
Hoje esse cidadão vende mariscos, dentre os quais caranguejos, em uma das feiras livre de Aracaju e toda vez que passo pela sua banca para comprar esse crustáceo que tanto gosto, pergunto brincando se ele continua comendo galinha e ele às gargalhadas sempre me responde:
– Galinha agora só no prato, doutor, senão eu pago o pato… Vai quantas cordas no capricho?…
Autor: Archimedes Marques (Delegado de Policia no Estado de Sergipe. Pós-Graduado em Gestão Estratégica de Segurança Pública pela UFS) – archimedesmarques@infonet.com.br – archimedes-marques@bol.com.br