Entidades maquiam vínculo para sonegar encargos

Por Guilherme Pessoa Franco de Camargo

O atleta amador era caracterizado pelo praticante de modalidade desportiva, que não recebesse nenhum tipo de remuneração ou incentivo de ordem material, bem como a relação com o a entidade desportiva era marcada pela ausência de contrato de trabalho. Contudo, a evolução do Direito Desportivo exigiu à necessidade de adequação legal destes atletas aos patamares do desporto de participação.

Desta forma, a legislação foi alterada para acabar com a limitação do parágrafo primeiro da Lei 9615/98, apenas aos jogadores de futebol e a exclusão dos peões de rodeio, bem como para adequar e ampliar a redação limitativa trazida pelo termo “amador” e “semiprofissional” para as novas expressões “desporto de participação” e “não profissional”, sendo revogados as alíneas “a” e “b”, pela Lei 9.981/2000.

A diferença mais relevante na seara desportiva, refere-se aos atletas profissionais e os não profissionais, porque o primeiro caracteriza-se pelo exercício de atividade renumerada, com prévio contrato de trabalho, perante entidade desportiva, enquanto no outro existe o elemento facultatividade na realização de contratos ou no recebimento de incentivos materiais e de patrocínio, sem a existência de contrato de trabalho ou de elementos que desvirtuem a prática nesta modalidade com o intuito de fomentar fraudes trabalhistas, previdenciárias, cíveis ou tributárias.

Segundo a redação da Lei Pelé, em seu artigo 3º, o desporto pode ser reconhecido em qualquer das seguintes manifestações: I – desporto educacional, praticado nos sistemas de ensino e em formas assistemáticas de educação, evitando-se a seletividade, a hipercompetitividade de seus praticantes, com a finalidade de alcançar o desenvolvimento integral do indivíduo e a sua formação para o exercício da cidadania e a prática do lazer; II – desporto de participação, de modo voluntário, compreendendo as modalidades desportivas praticadas com a finalidade de contribuir para a integração dos praticantes na plenitude da vida social, na promoção da saúde e educação e na preservação do meio ambiente; III – desporto de rendimento, praticado segundo normas gerais desta Lei e regras de prática desportiva, nacionais e internacionais, com a finalidade de obter resultados e integrar pessoas e comunidades do País e estas com as de outras nações.

Existe distinção entre “amadorismo legal” do “amadorismo por falta de recursos”, sendo que as praticas esportivas em setores pouco sedutores financeiramente para patrocinadores, mídias televisivas ou de interesse geral, não podem servir de justificativa para o afastamento de direitos trabalhistas consagrados, porquanto a conseqüência poderia ser a quebra de isonomia no tratamento de situações idênticas.

O Sport Club Corinthians recentemente foi obrigado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região a reconhecer o vínculo empregatício de uma jogadora amadora. O time paulista alegava que a atleta praticava atividade esportivo nos moldes do artigo 3°, III da Lei 9.615/98 (Lei Pelé).

O acórdão proferido no RO 01281006620095020069, que negou prosseguimento do Recurso Ordinário, confirmando assim a sentença de 1ª instância, ainda destacou que o desporto de rendimento ainda pode ser praticado de modo não-profissional, porém marcado pela liberdade da prática e inexistência obrigacional de contrato formal de trabalho.

Como foram feridos estes pressupostos, caracterizou-se o contrato de trabalho, especialmente porque os treinos eram diários, de segunda a sábado, jogos aos domingos. Se houvesse atrasos ou faltas nos treinos, havia descontos nos pagamentos. No caso de falta nos jogos, havia punição da comissão técnica, fato que demonstrou a existência de subordinação.

Nesta linha, a 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, com origem na 1ª Vara do Trabalho de Suzano destacou que o atleta que recebe salário não pode ser considero atleta amador. O caso citado refere-se ao famoso jogador de vôlei Giovane Farinazo Gavio, medalhista olímpico na ação movida contra o Esporte Clube União Suzano.

O atleta matinha, como é comum no meio desportivo, um contrato de cessão de direito de uso de nome, apelido desportivo, voz e imagem, de atleta desportivo profissional. O clube alegava que o vôlei não seria modalidade desportiva profissional e sim amadora, ou seja, não profissional. Mas, o juiz decidiu que tratava-se de descumprimento de normas de ordem pública e que “a polêmica sobre o falso amadorismo no âmbito esportivo em nosso país é antiga e as práticas ilegais atingem proporções endêmicas. Para sonegar encargos trabalhistas, sociais e fiscais, clubes ocultam a natureza trabalhista da relação contratando os atletas pura e simplesmente sem qualquer registro, ou através de empresas criadas em nome dos jogadores, derivando no todo ou em parte a remuneração para os chamados contratos de imagem”.

Em outro caso, a Turma da 1ª Turma do TRT da 4ª Região julgou improcedente o pedido de reconhecimento de vínculo, apesar dos registros contidos na CPTS do jogador, porquanto ser a entidade desportiva era recreativa e sem fins lucrativos.

A necessidade de distinção também é relevante para os clubes não-profissionais, quando sujeitos à Justiça Desportiva, fazerem jus à pena de multa e demais consectuários legais.

A Constituição Federal dispões no artigo 217 que “é dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados” e que “a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para a do desporto de alto rendiment”. Já a Lei 9.615/98, no artigo 2º relata que “o desporto, como direito individual, tem como base os princípios: da diferenciação, consubstanciado no tratamento específico dado ao desporto profissional e não-profissional.” A Lei 10.672/2003 ainda incluiu: “do tratamento diferenciado em relação ao desporto não profissional”. E o Código Brasileiro de Justiça Desportiva, alterado pela Resolução da CNE 11 e 13 de 2006 para: Artigo 183, “ As penas previstas neste Código serão reduzidas pela metade quando a infração for cometida por atleta não-profissional ou por entidade partícipe de competição que congregue exclusivamente atletas não-profissionais.”

O corolário lógico decorrente destas normas, notadamente o constante na Lei 10.672/2003, demonstra o tratamento diferenciado concedido aos atletas não-profissionais.

O CBJD, cuja margem de abrangência punitiva e dosimetria são amplas, trouxe outro elemento limitador ao julgador, que deve atenuar a pena imposta ao atleta não-profissional. A Lei Pelé reforça tal entendimento, inclusive determina a isenção das penas pecuniárias ao não-profissional. Cumpre informar, que tal isenção não é estendida as entidades desportivas.

Apesar da Copa do Mundo de 2014, as Olimpíadas de 2016 e a profissionalização natural do setor, que têm levado multidões a uma verdadeira corrida por cursos de especialização nos esportes, o amadorismo ainda expressa a verdadeira natureza e origem da prática esportiva, pela sua própria constituição.

O esporte sem dúvida é um relevante instrumento no desenvolvimento da nação, em praticamente todos os aspectos sociais. Certa vez, um Deputado chegou até mesmo a propor a inclusão o esporte no artigo 6º da Constituição, com direito social. E, o amadorismo que tanto contribui para o desporto nacional não pode ser mola de escape para entidades desportivas que visam apenas sonegar direitos e obrigações, sendo que os tribunais do trabalho tem atuado nestes casos de forma clara e harmônica a coibir abusos e distorções que tentam macular o desporto nacional.

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