Para o juiz Paulo Martini, da 1ª Vara Cível de Sinop (MT), a forma também é conteúdo. Em uma decisão de tutela antecipada em caso de crime ambiental e de dilapidação de patrimônio alheio, o juiz resolveu exercitar seus dotes literários. Escreveu parte da decisão em versos e parte em prosa, sempre rimando.
O processo é de autoria de um empresário. Ele acusa o próprio filho de ter falsificado sua assinatura para dilapidar seu patrimônio. O réu, de acordo com a ação, se deu o cargo de sócio administrador dos bens do pai para vender cotas de suas empresas, porções de suas terras, cabeças de gado e extrair madeira das terras de forma ilegal. Além disso, extravasou os limites das terras do pai e extraiu madeira de áreas de preservação ambiental permanente, causando brigas com os vizinhos.
As peripécias do filho chegaram a colocar o empresário em problemas financeiros, e colocou as terras em litígio judicial. Paulo Martini, então, concedeu tutela antecipada para impedir que a dilapidação continuasse. “Lamentavelmente, trata-se de lesão ao meio ambiente, que curiosamente, neste milênio se coloca sob a proteção de tanta gente, mas por outro lado, conforme anunciado, me parece que os requeridos estão despreparados para com a natureza lidar”, diz a decisão.
O juiz estabeleceu multa de R$ 100 mil, caso o réu descumprisse a decisão. Baseou-se no artigo 273, parágrafo 7º, do Código de Processo Civil, e também proibiu novos registros na Junta Comercial de Mato Grosso (Jucemat) em nome das empresas dos envolvidos no processo.
Martini conta que é autor de “várias” decisões escritas em forma de prosa e verso. Decidiu fazer isso depois de receber por e-mail uma decisão de um desembargador que, durante a argumentação, citou passagens de sua história pessoal para se aproximar do caso. “Li aquilo e pensei ‘poxa, que legal! Finalmente um jeito de fazer nosso trabalho de forma mais humana.’ Aí comecei a falar da natureza, do que vivi, do que sofri”, lembra o juiz Martini.
O juiz se assemelha a Florentino Ariza, protagonista de O amor nos tempos do Cólera, de Gabriel García Márquez. No livro, Ariza, um funcionário do cartório da cidade, arrasado ao ver seu amor se casar com outro homem, destila suas dores em documentos notariais. Logo é advertido, pois não fora contratado para fazer literatura, e sim para escrever laudos, pareceres e memorandos.
Entretanto, não é por causa do coração partido que Paulo Martini rima em suas decisões. Mas sim porque foi a forma que ele encontrou de tornar o trabalho mais leve. “É uma ideia minha de brincar com a seriedade da coisa, porque a Justiça é muito séria. Assim a gente brinca com uma coisa que é séria e traz leveza para o ato de julgar.”
Outra diferença do protagonista da obra de Márquez é o nível de exposição dos trabalhos. Florentino Ariza é um rapaz tímido e soturno, e não gosta de mostrar sua produção a outras pessoas. Já o juiz Martini gosta da repercussão de suas decisões, inclusive nos jornais de Sinop. “Fiz uma vez e achei legal; vi que as partes do processo gostaram e que teve uma boa repercussão no jornal, e então comecei a fazer com mais frequência”, relata o magistrado.
Lições de vida
Martini conta que é um ávido leitor de tudo o que cai em suas mãos, independente do estilo, tema ou autor. O que realmente o influencia, porém, são suas experiências de vida e palestras que assiste.
Espírita de religião, Paulo Martini diz gostar muito das aulas de Raul Teixeira e Divaldo Pereira Franco. “Não são autores famosos, mas são pessoas muito inteligentes, muito cultas e que falam muito bem. Têm uma história de vida muito bonita, e me baseio neles”, explica.
As palestras dos dois autores espíritas não são usadas como base teórica para as decisões de Martini. Mas, segundo ele, é delas que ele tira a motivação para se aproximar dos que procuram a Justiça.
Isso não quer dizer que o juiz submeta o conteúdo à linguagem. Ele mesmo se defende e diz que não comete excesso de linguagens ou toma decisões levianas apenas para rimar. No caso do empresário, Martini justificou em prosa: “À guisa do exposto, como forma de extrair do angu o caroço e com base naquilo que está expressamente disposto no artigo 273, parágrafo 7º, do CPC, determino e declaro, sem qualquer tipo de atrapalho, que de agora para a frente ficam as áreas judicialmente embargadas e proibidas todas e quaisquer extrações de madeiras na forma mencionada.”
Autos Número 344-30.2011.811.0093