Por Marcus Vinicius Furtado Coêlho
Certas verdades necessitam ser sempre ditas, sob pena de perecimento. A inviolabilidade do advogado no exercício da função é norma insculpida no artigo 133 da Constituição Federal. O Conselho Nacional de Justiça, na sessão dessa terça-feira (30/8), reafirmou essa lição.
Decorre da inviolabilidade constitucional que o juiz não pode ameaçar de prisão, muito menos prender, advogado, seja ele privado ou público, ao argumento que a parte por ele representada, seja particular ou autoridade, esteja descumprindo ordem judicial. O advogado não se confunde com o seu cliente, eis uma premissa de altivez profissional.
Ao julgar Pedido de Providência formulado pela União dos Advogados Públicos Federais (Unafe), tendo o Conselho Federal da OAB como interessado em favor do pólo ativo, o CNJ acolheu magistral voto proferido pelo relator Jorge Hélio Chaves de Oliveira (1), decidindo oficiar aos presidentes de tribunais e corregedores solicitando a orientação de juízes no sentido de eximir que seja ameaçado de prisão, menos ainda preso, advogados públicos federais e estaduais para forçar que sejam cumpridas ações judiciais dirigidas a autoridades públicas.
Todos os advogados são invioláveis, submetendo-se à correção disciplinar por sua entidade, a Ordem dos Advogados do Brasil. Tal situação se aplica tanto ao advogado público quanto particular. Em controle concentrado de constitucionalidade (2), o STF vaticinou: “Impugnação ao parágrafo único do artigo 14 do Código de Processo Civil, na parte em que ressalva ‘os advogados que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB’ da imposição de multa por obstrução à Justiça. Discriminação em relação aos advogados vinculados a entes estatais, que estão submetidos a regime estatutário próprio da entidade. Violação ao princípio da isonomia e ao da inviolabilidade no exercício da profissão. Interpretação adequada, para afastar o injustificado discrímen”.
Observa com propriedade, o conselheiro relator no CNJ, “se o STF entende inadequada a aplicação de multa ao advogado, quanto mais a prisão ou ameaça de prisão”. E, mais, “não se pode admitir que advogados públicos sejam punidos com a pena mais grave em vigor neste país — a restrição da liberdade — por desempenharem as funções a eles acometidas por lei, ou seja, pelo exercício de suas atribuições funcionais”.
Sobre a inviolabilidade constitucional do advogado, ou imunidade no exercício da profissão, bem salienta o ministro Celso de Mello, em lapidar julgamento, asseverando se tratar de “garantia destinada a assegurar-lhe o pleno exercício de sua atividade profissional”. Nesse sentido, “o Supremo Tribunal Federal tem proclamado, em reiteradas decisões, que o advogado — ao cumprir o dever de prestar assistência àquele que o constituiu, dispensando-lhe orientação jurídica perante qualquer órgão do Estado — converte, a sua atividade profissional, quando exercida com independência e sem indevidas restrições, em prática inestimável de liberdade”. E, mais, “qualquer que seja a instância de poder perante a qual atue, incumbe, ao advogado, neutralizar os abusos, fazer cessar o arbítrio, exigir respeito ao ordenamento jurídico e velar pela integridade das garantias — legais e constitucionais — outorgadas àquele que lhe confiou a proteção de sua liberdade e de seus direitos”.
Com efeito, “o exercício do poder-dever de questionar, de fiscalizar, de criticar e de buscar a correção de abusos cometidos por órgãos públicos e por agentes e autoridades do Estado, inclusive magistrados, reflete prerrogativa indisponível do advogado, que não pode, por isso mesmo, ser injustamente cerceado na prática legítima de atos que visem a neutralizar situações configuradoras de arbítrio estatal ou de desrespeito aos direitos daquele em cujo favor atua”. E conclui o digno decano do Supremo Tribunal Federal, “o respeito às prerrogativas profissionais do advogado constitui garantia da própria sociedade e das pessoas em geral, porque o Advogado, nesse contexto, desempenha papel essencial na proteção e defesa dos direitos e liberdades fundamentais”(3).
O julgamento do CNJ acaba por beneficiar e proteger todo e qualquer cidadão, ainda que não advogado, pois ficou assentado, “o juiz não pode restringir a liberdade o exercício de jurisdição cível fora das hipóteses constitucionais de prisão civil. Essa garantia atinge todo cidadão”.
As prerrogativas são exercidas pelos advogados, mas não lhes pertencem. São predicamentos estatuídos para proteger a sociedade que necessita do profissional da defesa para garantir seus direitos.
A alvissareira decisão do CNJ êxito protagonizado pela atuação conjunta da Unafe e da OAB nacional, sob a liderança do presidente Ophir Cavalcante Junior, há de ser celebrada pela advocacia e cidadania brasileiras, pois asseguradora da inviolabilidade do exercício da profissão, fundamental à proteção dos direitos e garantias da sociedade, dos quais o advogado é instrumento. Advogado respeitado significa cidadão valorizado.
(1) CNJ, Plenário, Pedido de Providências 0000749-61.2011.2.00.0000, julg. 30-08-2011;
(2) STF, Plenário, ADI n. 2.652/DF, rel. Min. Maurício Correia, julgado em 08/05/2003, DJ 14/11/2003, p. 12; entendimento reafirmado na Reclamação nº 5.133/MG, Plenário do STF, Rel. Ministra Cármen Lúcia, DJe-157 de 21/8/09; e na decisão monocrática do Min. DIAS TOFFOLI nos autos da Reclamação nº 5746
(3) STF, Segunda Turma, HC 98237, Rel: Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 15/12/2009, DJe-145 DIVULG 05-08-2010 PUBLIC 06-08-2010;
Marcus Vinicius Furtado Coêlho é Secretário-Geral do Conselho Federal da OAB.
Revista Consultor Jurídico, 31 de agosto de 2011