Por José Renato Nalini,
desembargador do TJ-SP
Nunca se duvidou de que para ser juiz é preciso estar disposto a sacrifícios. O concurso de ingresso na magistratura converteu-se num complexo de exigências que poucos superam. Espera-se que o julgador seja uma enciclopédia de conhecimentos que inclua a integralidade do prolífico cipoal normativo, totalidade da doutrina e jurisprudência dominante, sem descurar de conhecer as divergências.
Por esse motivo, a conclusão do bacharelado em ciências jurídicas é mero pressuposto a se habilitar ao certame seletivo. A alternativa é imergir no estudo contínuo ou seguir os passos postos à disposição pelos bem-sucedidos cursinhos de preparação.
Os concursos vinham sendo os mesmos, previsíveis e sem inovação, até à edição da Resolução n.º 75/2009 do Conselho Nacional de Justiça. Este novo órgão do Poder Judiciário, situado na topografia constitucional logo abaixo do Supremo Tribunal Federal e acima do Superior Tribunal de Justiça, assumiu suas atribuições e se pôs a disciplinar uma Justiça que até então formava um enorme arquipélago de autonomias.
Escusado questionar a competência do CNJ para normatizar os processos de seleção, pois o colegiado está no pacto federativo e ninguém oferece argumentos capazes de reduzir a sua legitimidade. Nem se invoque o assimétrico federalismo brasileiro, mal copiado quando da instauração da República e que, sendo às avessas do modelo americano, não conseguiu disfarçar a vocação centralizadora do Estado.
A Resolução n.º 75/2009 alterou, de maneira substancial, a forma de recrutamento dos juízes. O aspecto mais relevante é a exigência de outros saberes, que não exclusivamente a técnica jurídica. Para se tornar magistrado o candidato precisa se interessar por ética, filosofia, sociologia, psicologia, teoria geral do direito, gestão das unidades judiciais. Não se exclui, por óbvio, o domínio das ciências do direito. Mas se introduz no sistema a constatação de que o ser humano chamado a julgar seu semelhante precisa exatamente deste atributo imprescindível: humanismo.
A erudição traduzida por um acervo de informações que mais comprovam a capacidade mnemônica do que um chamado a exercer uma carreira já não se mostra suficiente. Foi um passo enorme em direção ao aperfeiçoamento na escolha de quem se tornará vitalício e servirá a seu povo – presumivelmente – durante algumas décadas.
Ainda é preciso avançar na aferição da capacidade de trabalho. O Judiciário é serviço público, remunerado pelo erário, posto à disposição dos destinatários que o sustentam. Não é emprego para quem gosta de filosofar, para quem superestima a sua autoridade ou não se preocupa com a otimização dos parcos esquemas postos à sua disposição, com vista a outorgar o melhor justo concreto.
Produtividade requer consciência e talento. O desmotivado é incapaz de superar dificuldades e enfrentar o desafio de um volume crescente de processos. Muitos dos quais, reconheça-se, não ostentam complexidade. Queira ou não, o juiz torna-se um especialista. Acredita-se que o trato contínuo com as questões postas à sua apreciação o convertam num experto capaz de acelerar a prestação jurisdicional.
O Judiciário está submetido ao princípio da eficiência, colocado no texto constitucional dez anos depois da promulgação da Carta cidadã, exatamente porque a Justiça não conseguia adequar-se aos anseios contemporâneos.
Para completar a mudança na seleção dos novos quadros o CNJ também editou o Código de Ética da Magistratura, que em 2011 completa três anos. Nele se inseriu o comando ético do conhecimento e capacitação permanente do magistrado. É o contraponto ao direito dos jurisdicionados e da sociedade em geral à obtenção de um serviço de qualidade na administração de justiça.
Não significa o crescimento intelectual exclusivamente nas disciplinas jurídicas, embora ele continue exigível e não se consiga decidir sem apreender o direito. Mas o Código da Magistratura insiste nas capacidades técnicas e nas atitudes éticas adequadas a uma correta aplicação do direito.
Enfatiza a codificação destinada ao juiz brasileiro que a obrigação de formação contínua se estende tanto às matérias especificamente jurídicas quanto no que se refere aos conhecimentos e técnicas que possam favorecer o melhor cumprimento das funções judiciais.
Inegável o plus qualitativo de quem estudar psicologia, para melhor lidar com o sofrimento humano. Todo processo tem uma carga de angústias que a pasteurização da forma e da excessiva tecnicalidade não consegue ocultar. Mas é preciso penetrar na seara sociológica, antropológica, econômica, histórica e política, sem o que o magistrado será um profissional incompleto. Deslocado do contexto social, insuficientemente preparado, produtor de potenciais injustiças, em lugar de assumir o papel de décideur, pacificador e conciliador das partes que controvertem.
Os novos tempos impõem a quem queira bem cumprir o seu dever de solucionar conflitos a obrigação do estudo permanente. A formação continuada servirá não apenas para o desempenho adequado do ofício, mas também para o melhor desenvolvimento do direito e administração da justiça. O direito não é senão ferramenta de tornar os homens menos infelizes. Não é ciência neutral, de que podem servir-se os desprovidos de freios inibitórios, aqueles que fazem da ética um deboche e instrumentalizam a Justiça para melhor se safar das responsabilidades.
O compromisso do estudo incessante é pessoal, de cada integrante do Judiciário. Mas constitui dever de cada magistrado atuar no sentido de que a instituição a que serve também ofereça os meios para que sua formação tenha prosseguimento. Sem isso não se oferecerá ao povo brasileiro a justiça oportuna e de melhor qualidade que há muito ele está a exigir.