Por Alexandre Berthe Pinto
O STJ recentemente ao julgar o Resp 1.051.270, novamente, aplicou entendimento jurisprudencial que está se consolidando no sentido de inibir seja retirado do devedor de boa-fé (pessoa jurídica ou física) o bem adquirido em caso de inadimplência contratual.
Dentre várias teses doutrinárias, uma das mais importantes foi a de preservar a função social do contrato, ou seja, ofertar ao caso específico um julgamento muito mais humano e digno ao invés de interpretar a lei e o contrato com a frieza de um cálculo aritmético.
O impedimento de retirada do bem não viola qualquer dispositivo legal, especialmente, os declinados nos artigos 394 e 475 do CC, além de manter a essência do disposto no artigo 422.
Ademais, é notório que a essência da decisão manteve inabalável a função social do contrato e a proporcionalidade de seus efeitos, garantindo ao credor o direito em cobrar o saldo faltante e ao devedor de boa-fé o direito em permanecer com o bem, ao menos no momento inicial.
No caso de pessoas jurídicas devedoras de boa-fé, a importância de decisões semelhantes é inquestionável, pois, muitas vezes, a PJ avança operação contratual para aquisição de bem ou é ofertado algum como garantidor da dívida. E, não raramente, esse bem é utilizado nas linhas de produções, ou no exercício da atividade econômica. Assim sua retirada pode causar o rompimento da cadeia econômica, podendo acarretar no término de contratos trabalhos, ausência de pagamento aos fornecedores entre outros. Ou seja, sua retirada pode provocar um “efeito dominó” muito mais prejudicial às partes contratantes, e a própria sociedade, do que a busca mais por outro meio menos gravoso para satisfação do crédito.
No entanto, a grande dificuldade para o Poder Judiciário é diferenciar o devedor de boa-fé, que poderá permanecer com o bem, dos demais.
Assim, ao longo dos anos, algumas decisões nos permitem extrair que o Judiciário, na maioria das vezes, considera devedor de boa-fé àquele que já tenha adimplido 75% ou mais do contrato e em alguns casos quando o valor da dívida atualizada equivale a aproximadamente 20% do bem.
E esse entendimento é louvável, pois ninguém está imune as dificuldades econômicas e seria onerar demasiadamente o devedor em um momento de dificuldade financeira, anulando-se todo histórico do pagamento ocorrido.
Dessa forma, quando possível, é crível aceitar que o Judiciário intervenha, no sentindo de colocar as partes em grau de igualdade, resguardando o direito a as obrigações de cada.
Ademais, o indeferimento da retomada do bem, não significa anistia do débito, pois o credor continua com o direito resguardado, alterando-se apenas a forma processual para recebimento dos valores, sendo que o débito passa a ser cobrado em ações executivas, respeitando as condições de atualizações do débito contratada e o bem permanece com os gravames, já o devedor poderá se valer do parcelamento, hoje em dia muito bem aceito nos feitos executivos.
Outrossim, frustrada as tentativas em obter o crédito pela via executiva, aí sim o credor poderá requisitar a reintegração do bem, ocasião em que, dificilmente, o devedor de boa-fé obterá sucesso para evitar o ato.
Talvez a grande essência de decisões análogas ao do Resp. 1.051.270, seja a intenção em fazer com que devedores e credores ao invés de litigar de forma onerosa perante o Poder Judiciário, busquem o diálogo, fato que contribui para diminuição de processos judiciais e é benéfico para todas as partes.
Alexandre Berthe Pinto é advogado, sócio do Berthe e Montemurro Advogados Associados.
Revista Consultor Jurídico, 3 de setembro de 2011