Direitos constitucionais precisam de legitimação

Por Megbel Abdalla Ribeiro Ferreira

Controle de Políticas Públicas na Constituição Federal tem por objetivo possibilitar a reflexão crítica sobre a realidade que nos cerca das questões fundamentais do Direito Constitucional. Particularmente na seara dos Direitos Sociais com os seus novos caminhos, na emissão de algumas considerações sobre os debates, aqui em estudo, refletidos de uma decisão soberana do Poder Judiciário.

A construção do tema, acima focalizado, vem de uma revelação das idéias e dos valores que o autor identificou em sua pesquisa com base em significativo decisum que não poderia deixar de conter, de início, a expressão do filósofo inglês Thomas Hobbes (1588-1679), quando afirma:

“Outra conseqüência da mesma condição é que não há propriedade, nem domínio, nem distinção entre o meu e o teu; só pertence a cada homem aquilo que ele é capaz de conseguir; e apenas enquanto for capaz de conservá-lo. É, pois, esta a miserável condição em que o homem realmente se encontra, por obra da simples natureza. Embora com uma possibilidade de escapar a ela, que em parte reside nas paixões, e em parte em sua razão.

As paixões que fazem os homens tender para a paz são o medo da morte, o desejo daquelas coisas que são necessárias para uma vida confortável, e a esperança de consegui-las através do trabalho. E a razão sugere adequadas normas de paz, em torno das quais os homens podem chegar a acordo. Essas normas são aquelas a que por outro lado se chamam leis da natureza.”

É necessário, pois, a propósito disso, lembrar o artigo 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789, que foi recepcionado pelo artigo 19 da Constituição Francesa, de 4 de novembro de 1848.

Vejamos, então, o artigo 16 da sobredita Declaração, in expressis verbis:

Artigo 16 – Toda a sociedade na qual a garantia dos direitos não estiver assegurada e a separação de poderes determinada, não tem Constituição (Toute societé dans laquelle la garantie des droits n’est pas assuré, ni la séparation des pouvoirs déterminée, n’a poit de constitution).

Como bem anotado e, principalmente, pelos pontos lógico-jurídicos do tema a ser abordado, tem-se como certo, que os Direitos Sociais são direitos fundamentais do homem, liberdades positivas de observância obrigatória em toda a sociedade democrática de direito. E essa verdade jamais murchará.

A Lei 8.009/1990, que dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família, nos dispositivos do artigo 1º, caput, revela de forma inquestionável o direito constitucional à moradia, que é consagrado nas normas do artigo 6º, da Carta Política de 1988, este que Paulo Bonavides entende deveria ter sido protegido pelo constituinte pátrio sob o manto das cláusulas pétreas.

Bem, como anunciado acima, atentemos ao texto do artigo 1º, caput, da Lei 8.009/1990, verbo ad verbum:

Art. O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.

Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.

A propósito, a matéria pertinente à aplicação da Lei 8.009/1990, se encontra guarnecida sob os bons auspícios da Súmula 205 do Superior Tribunal de Justiça.

In casu, buscamos apenas para discussão, uma vertente da norma que se reporta ao direito constitucional à moradia relativa à possível ocorrência de impenhorabilidade de bem imóvel de pessoa solteira.

E, nesse diapasão, surge a figura do intérprete que, sempre inquieto, transborda o sentimento de jurista que é, nos casos isolados, que escapam da genialidade do legislador.

Em recente julgado, o STJ, para não esmaecer frente à súplica do recorrente solteiro, no que pertine ao enfrentamento do caso concreto relativo à norma sub examine resolveu, corajosamente:

DIREITO À MORADIA. BEM DE FAMÍLIA. SOLTEIRO. IMPENHORABILIDADE. A interpretação teleológica do art. 1º, da Lei 8.009/90, revela que a norma não se limita ao resguardo da família. Seu escopo definitivo é a proteção de um direito fundamental da pessoa humana: o direito à moradia. Se assim ocorre, não faz sentido proteger quem vive em grupo e abandonar o indivíduo que sofre o mais doloroso dos sentimentos: a solidão. É impenhorável, por efeito do preceito contido no art. 1º da Lei 8.009/90, o imóvel em que reside, sozinho, o devedor celibatário. (STJ-Corte Especial, RSTJ 173/40, RT 818/158).

Como se pode observar o STJ, em momento de extrema lucidez, o que lhe é peculiar, leciona que a norma em destaque merece interpretação ampliativa, alcançando em cheio a frase inicial das garantias fundamentais da Carta Magna: todos são iguais perante a lei.

3. Identificação do problema a ser solucionado

Em questionamento puramente acadêmico, que se direciona, claro, para o jurídico, ressai a indagação sobre o fato abordado da impenhorabilidade do imóvel em que reside a pessoa solteira.

A bem da verdade, o direito à moradia amplamente consagrado e protegido pelos tribunais superiores, como já demonstrado quanto ao STJ, no sentir do intérprete, envolve-se de uma textura muito forte, no universo da acepção jurídica, enquanto a entidade familiar, como um todo. Ou seja, em seus mais variados sentidos ou formas, houver se apresentado na sociedade e por ela reconhecida, como tal, na plenitude de sua definição, que remonta a épocas bíblicas.

Concordamos, plenamente, que a Lei 8.009/1990 foi concebida para garantir a dignidade e funcionalidade do lar. Não foi propósito do legislador permitir que o pródigo e o devedor contumaz se locupletem, tripudiando sobre seus credores. Na interpretação da Lei 8.009/1990, não se pode perder de vista seu fim social. (STJ-Corte Especial, REsp 109.351-RS, rel min. Gomes de Barros).

Consagra-se, portanto, nos itens acima expendidos, o direito constitucional à moradia. A matéria surge com tanta proficiência no campo jurídico-constitucional que é agasalhada no direito pátrio como norma de ordem pública, valendo dizer que a renúncia ao benefício da impenhorabilidade do bem de família em cláusula contratual não tem qualquer validade jurígena: É nula de pleno jure.

Na busca incessante de argumentos fortes para a pesquisa, vale ressaltar, com bastante clareza que, nos dispositivos contidos no artigo 6º da Lex Maxima, ainda em plena vigência, com as mais variadas interpretações, as garantias fundamentais, ali elencadas, devem ser procuradas, insistentemente, nos clássicos que desbordam para o tema, com a preocupação singela do encontro do pouco com o conhecimento.

A escolha do tema em destaque promana de constante aproximação do hermeneuta a todos os direitos sociais escritos na Lei Maior de 1988 que, segundo alguns autores, têm no seu enunciado caráter extremamente exemplificativo.

Em suma, o resultado do trabalho indica que, desde a Constituição Federal de 1934, os direitos sociais são consagrados de forma veemente, contudo somente com a Emenda Constitucional 26/2000 restou acrescentado o direito constitucional à moradia no capítulo dos Direitos Sociais, sempre no artigo 6º da C.F.

Em síntese, no sentido histórico, é o movimento do direito constitucional em direção ao direito processual. O escritor espanhol José Ortega y Gasset (1883-1955), em reflexos de intensa sabedoria nos adverte: “entre o querer ser e o crer que já se é, vai a distância entre o sublime e o ridículo.”

“Ai está posta, ao que em boa hora anotei, a matéria retirada de fragmentos de Controle de Políticas Públicas na Constituição Federal. Em um dos seus momentos de reflexão sobre os princípios atinentes ao convívio social e fonte das doutrinas constitucionais liberais Montesquieu felizmente advertiu.” in “do Espírito das Leis”, São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1962, v. 1, p. 181”.

Tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo dos principais ou dos nobres, ou do povo, exercesse esse três poderes: o de fazer as leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar os crimes ou as divergências individuais.

Em síntese, na lição de Tércio Sampaio Ferraz Júnior, diríamos que o crescimento da forma típica do Estado Social no seio da forma típica do Estado de Direito fez surgir, ao lado da interpretação de bloqueio, o que se chamou de interpretação de legitimação.

Assim, desse trabalho há de se vislumbrar que sirva de vertente de resposta à consulta e ofereça aproveitáveis notas sobre o Direito Constitucional. Busca-se então na importância do tema o real sentido dos seus itens, para que não venha a fluir e precipitar-se e deixar de ser, antes de vir a ser, como diria o gênio de Sêneca.
Megbel Abdalla Ribeiro Ferreira é advogado.

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