Apropriação indébita praticada pelo empregador

Por Marcelo Ivo Melo Vanderlinde,
advogado (OAB/SC n.º 23.779)

O crime de apropriação indébita tributária, decorrente da falta de recolhimento, pelo empregador, do Imposto de Renda da Pessoa Física Retido na Fonte, encontra-se tipificado no art. 2º, inciso II da Lei n.º 8.137/90, in verbis:

“Art. 2° Constitui crime da mesma natureza:
II – deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa”.

Exposto o tipo penal que define o tema, passo a abordar os seus aspectos mais relevantes.

O conceito clássico de apropriação indébita nos é fornecido pelo art. 168 do Código Penal, que o define como “apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção”.

A doutrina de Gomes assim discorre acerca do significado do ato de apropriação indébita:

“Apropriar-se, em sentido clássico, significa fazer sua uma coisa alheia, algo que não lhe pertence. Em outras palavras, atuar como dono sobre algo que não lhe pertence. No delito de apropriação, de qualquer modo, a característica fundamental é que a apropriação sucede à posse ou detenção da coisa. […] Essa posse ou detenção, ainda que só contábil, entretanto, é precária ou temporária” [i].

Assim, Correa afirma que o agente, “ao reter o dinheiro que pertence ao Poder Público, pratica inversão na sua posse, em verdadeira apropriação indevida, marcada pelo termo fatal para o recolhimento; atinge o desiderato que é o de aproximar-se da renda” [ii], situação equiparada ao delito de apropriação indébita.

Há aqueles que entendem que não se trata aqui de um caso de apropriação indébita, mas de prisão civil por dívida, onde o Fisco, com a ameaça de restringir a liberdade daqueles que praticarem a conduta descrita no tipo penal, busca um novo meio de forçar o contribuinte inadimplente ao pagamento do imposto devido.

Contudo, este entendimento é falho, pois, conforme defendem Coêlho [iii], Decomain [iv] e Fanucchi [v], ao proceder com a retenção do Imposto de Renda relativo à remuneração de seus funcionários, a empresa está agindo como um agente de arrecadação, um intermediário entre o verdadeiro contribuinte e o Fisco, sendo a responsável por recolher e repassar o tributo a quem de direito.

Assim, ao descontar o valor correspondente ao imposto de renda do salário percebido por seus funcionários, em função da responsabilidade tributária que lhe fora concedida, a pessoa jurídica está se apropriando legalmente do tributo. Posteriormente, ao deixar de, no prazo legal, recolher tais valores aos cofres públicos, a apropriação passa a ser indevida, eis que tais valores pertencem à União, e não à empresa. O que se pune, portanto, não é a inadimplência.

Mirabete assevera que o tipo é “o conjunto dos elementos descritivos do crime contidos na lei penal” [vi], enquanto que os elementos objetivos, conforme Santoro Filho [vii], seriam aqueles constatáveis faticamente, sem a necessidade de um juízo de valor mais aprofundado. Dentre tais elementos se destacariam o verbo, elemento nuclear do tipo e que representaria a conduta do agente, além das circunstâncias de tempo, lugar, meio e modo de execução do delito.

Deixar de recolher. Segundo Costa Júnior, “recolher é depositar a quantia recebida (descontada ou cobrada). Não recolher é a forma negativa da conduta, vale dizer, é a ausência de depósito, é a retenção indevida da quantia descontada ou cobrada do contribuinte” [viii].

No prazo legal. É o prazo determinado pela legislação tributária específica para que o tributo seja pago.

Valor de tributo. É a expressão econômica do tributo, representada em moeda.

Descontado na qualidade de sujeito passivo de obrigação. Segundo Eisele [ix], traduz-se no procedimento contábil pelo qual o responsável tributário arrecada o valor correspondente ao tributo devido pelo contribuinte, abatendo a parcela devida, por ocasião da entrega de uma remuneração que configure fato imponível tributário.

Que deveria recolher aos cofres públicos. Conforme Eisele, “é a dívida tributária, ou seja, a sujeição passiva de obrigação de dar quantia certa em dinheiro (pagar) ao Estado (Fisco)” [x].

marcelo@kussvanderlinde.adv.br

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