Por Luís Rodolfo Cruz e Creuz
Os processos regionais integracionistas consideram o impacto da globalização, envolvem países integrantes de uma economia de mercado, e são um fenômeno importante com marcante influência social, política, econômica e jurídica, dado o impacto da circulação e movimentação global/local de fatores de produção e mão-de-obra. Nos modelos globais, a regulação tem buscado a preservação e garantia de existência das economias e dos mercados, inclusive perseguindo o equilíbrio e estabilização das relações internacionais, com ênfase no controle e nas limitações ao poder econômico. No tocante às práticas de Defesa da Concorrência, diversos são os debates em função da regulação aplicável à repressão dos abusos e práticas desleais, dados os padrões mundialmente aceitos no comércio internacional.
O modelo de Direito da Concorrência implantado no Mercosul, até passado recente tinha como norte regulatório o “Protocolo de Defesa da Concorrência no Mercosul – Protocolo de Fortaleza” (PDC). É importante frisar que, apesar de o Protocolo de Fortaleza de ter sido ratificado por alguns Estados-Partes do Mercosul, pouquíssimo avanço foi identificado em muitos anos de vigência, seja por divergências políticas, seja por dificuldades de implantação, e ainda, por questões de conjuntura, em função de crises econômicas mundiais, que naturalmente repercutiram direta e indiretamente na América Latina.
Temos pesquisado o tema nos últimos anos, acompanhando as “idas e vindas” do debate e do marco regulatório. Neste sentido, nossa pesquisa demonstrou que mesmo com a evidente estagnação política do aprofundamento do processo de integração, a cooperação entre os Estados-Partes do Mercosul parece ter existido e sido fomentada não de forma vertical, de cima para baixo, dada a estrutura do bloco, e sim, de forma inversa. Desde 2003, vemos que tem sido fomentada a tentativa de cooperação na aplicação de leis de concorrência (referimo-nos a acordo entre Argentina e Brasil), por meio das Autoridades de Defesa da Concorrência. Este esforço resulta de trabalho desenvolvido pelos agentes dos países, ainda que consideradas as limitações estruturais, na tentativa de criar marcos para a cooperação e para avanços na regulação do Protocolo de Fortaleza.
E neste sentido, o processo regulatório no âmbito do Mercosul, no tocante à Defesa da Concorrência, parece estar sendo construído de forma diversa daquela originalmente pensada ou estruturada por meio do PDC, que apresenta uma estrutura complexa, desde normas sobre condutas e práticas restritivas da concorrência, controle de atos e contratos, e um complexo procedimento de aplicação da norma até compromissos de cessação e sanções. O PDC fixa que os órgãos nacionais de aplicação eram responsáveis por iniciar o procedimento, de oficio ou mediante representação fundamentada de parte legitimamente interessada, com encaminhamento ao Comitê de Defesa da Concorrência, juntamente com avaliação técnica preliminar. Este Comitê, após analise técnica preliminar, deveria proceder à instauração da investigação ou, ad referendum da Comissão de Comércio do Mercosul, ao arquivamento do processo.
Diversas e muito bem balizadas sempre foram as críticas ao PDC, em especial a este complicado modelo regulatório procedimental, especialmente se considerarmos que dois, dos quatro Estados-Parte, sequer possuíam uma instituição tida como “órgão nacional de aplicação” (Paraguai ainda não dispõe e Uruguai criou em março de 2009). Da forma como instituído, o procedimento era complexo, de difícil e demorada operacionalização e criava instabilidades, ainda que existisse a possibilidade de aplicação de medidas preventivas.
Recentemente, o Conselho do Mercado Comum, reconhecendo que a cooperação entre os Estados Partes em matéria de concorrência contribui para o cumprimento dos objetivos de livre comércio, publicou a decisão MERCOSUL/CMC/DEC 43, de 2010, que aprova o texto do “Acordo de Defesa da Concorrência do Mercosul”, e revoga as Decisões CMC 18, de 1996 e 02/97, a saber, o Protocolo de Fortaleza e um anexo sobre multas ao Protocolo.
Esta nova regulação, consolida os marcos regulatórios nacionais, e nomeia os órgãos nacionais de aplicação, alterando substancialmente o modelo anterior do Protocolo de Fortaleza. A previsão de normas sobre condutas e práticas restritivas da concorrência, controle de atos e contratos, foi retirada do modelo e o procedimento de aplicação da norma foi substituído por um modelo de consulta mais coerente e direto, com um capítulo especial para as atividades de coordenação das atividades de aplicação no que diz respeito a um caso específico, e outro capítulo dedicado às atividades conjuntas de assistência técnica para o desenvolvimento, adoção, implementação e cumprimento das leis e políticas de concorrência, inclusive por meio do compartilhamento de conhecimentos e informação.
Este novo modelo, abre espaço para a efetiva aplicação de duas normas, que já indicamos em nossos estudos como evidentes avanços da matéria no âmbito do Mercosul, que são as decisões MERCOSUL/CMC/DEC 4, de 2004 e MERCOSUL/CMC/DEC 15, de 2006. A primeira aprovou o “Entendimento sobre Cooperação entre as Autoridades de Defesa da Concorrência dos Estados Partes do Mercosul para Aplicação de suas Leis Nacionais de Concorrência”, e a segunda o “Entendimento sobre Cooperação entre as Autoridades de Defesa de Concorrência dos Estados Partes do Mercosul para o Controle de Concentrações Econômicas de Âmbito Regional”. Veja-se que ambas normas já estão devidamente integradas nos ordenamentos de Brasil, Argentina e Uruguai.
Vemos, por fim, que a construção da regulação da Defesa da Concorrência tem desenvolvido parâmetros e obrigações dos Estados-Partes no tocante à cooperação, inclusive pela própria nova norma do CMC, a saber, o Acordo de Defesa da Concorrência do Mercosul instituído pela decisão MERCOSUL/CMC/DEC 43, 2010. Lembramos que a Defesa da Concorrência pode representar um forte elemento para políticas de desenvolvimento regional na América do Sul, especialmente para os países integrantes do Mercosul.
Luís Rodolfo Cruz e Creuz é advogado, sócio de Creuz e Villarreal Advogados Associados