Usucapião se aplica em uniões estáveis e homoafetivas

Por Antônio Rodrigues de Lemos Augusto

O Código Civil Brasileiro recebeu uma alteração recente que gerou um novo tipo de usucapião, diretamente relacionado ao Direito de Família. Agora, quem abandonar o lar poderá, dentro de determinados requisitos, perder o imóvel para o cônjuge ou companheiro. A Lei 12.424/11 é a responsável pela mudança no Código Civil, criando o art. 1240-A. Diz o texto da lei:

“Art. 1240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.”

“§ 1o O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.”

Os requisitos, portanto, estão bem claros, realçando que o direito ao benefício só pode ocorrer uma vez. Destaca-se ainda que é o menor prazo de usucapião para aquisição de bens imóveis: apenas dois anos. Trata-se de mais um tipo de usucapião de natureza social, tanto que o beneficiário — pessoa física — não pode ser proprietário de outro imóvel, mesmo que rural. E mais: há limite no tamanho do imóvel, que deverá ser urbano: até 250 m2. Enfim, aquele que se favorecer da medida provavelmente terá uma condição social menos privilegiada. O prazo começa a contar a partir da separação de fato do casal. Mas se há ação de divórcio ou de desfazimento de união estável ou mesmo a ação cautelar de separação de corpos, não se aplica o caso em tela.

Claro que a usucapião acima se aplica tanto em relação ao casamento, quanto em relação à união estável. E podemos afirmar que também se aplica nos casos de união homoafetiva, após a histórica decisão do Supremo Tribunal Federal em relação às uniões de pessoas do mesmo sexo. Como o texto da lei não fala em boa fé, penso que não é requisito para este tipo de usucapião, embora provavelmente este ponto vá render ampla polêmica.

Importa uma consideração: Como adequar esta usucapião aos diferentes regimes de casamento existentes? A regra se aplica a todos os regimes de casamento? Particularmente, penso que não, pois devemos observar que o legislador enfatizou a expressão “cuja propriedade divida com ex-cônjuge”. Assim, somente será beneficiado aquele que, pelo regime de casamento, também seja proprietário do imóvel. Enfatizo que a lei fala em “divisão de propriedade” e não em “divisão de posse”, o que faz muita diferença.

Podemos afirmar que favorecerá aquele que estiver no imóvel se for casado em regime de comunhão universal de bens. Também favorecerá aquele que estiver no imóvel se for casado em regime de comunhão parcial, desde que o imóvel tenha sido adquirido na constância do casamento. Mas penso que não se aplica esta usucapião nos casos em que o imóvel pertencer a apenas um dos cônjuges, como no regime de separação total de bens ou quando o regime for de comunhão parcial e o bem tenha sido adquirido antes do casamento ou ainda nos casos de exceções previstos na lei, em que o bem não se comunga, mesmo nos regimes de comunhão.

Vamos supor que João e Maria sejam casados em separação total de bens e o imóvel pertença a João. João abandona Maria e sai de casa. Dois anos depois, Maria poderia usucapir? Pelo meu posicionamento, não caberia este tipo de usucapião, porque o imóvel pertence apenas a João. Caberia se o imóvel tivesse a propriedade partilhada. No entanto, nada impede que Maria busque a usucapião em outra modalidade. Pode ser que, com cinco anos de abandono, Maria se enquadre na usucapião habitacional.

E poderá ocorrer acessão de tempo? Penso que não. A natureza da usucapião em tela é personalíssima: exige o caráter de ex-cônjuge ou companheiro para usucapir. Não tem como ocorrer a cessão de direitos de posse neste caso. Será, dos tipos de usucapião de aquisição de bens imóveis, o único que efetivamente não admite acessão, embora a doutrina critique a acessão em outras modalidades.

Repito que o entendimento acima é particular e o debate sobre esta modalidade de usucapião está apenas começando. Há textos na internet criticando duramente este novo tipo de usucapião, no entanto penso ser uma medida positiva, que contribui para a solução de um problema social muito comum no país.

Antônio Rodrigues de Lemos Augusto

é advogado, jornalista e professor em Cuiabá

lemosaugusto@uol.com.br
Antônio Rodrigues de Lemos Augusto é advogado, jornalista e professor em Cuiabá

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