Por Rita de Cássia Serra Negra
A Lei 9.307/96, conhecida como Lei de Arbitragem, completou 15 anos de vigência, na última sexta-feira (23/9). Vale lembrar que antes do advento da lei, o instituto da arbitragem já era previsto no Código Civil de 1916. Porém, a efetiva regulamentação da arbitragem e a delimitação da sua eficácia perante o próprio Poder Judiciário vieram com a Lei Federal 9.307/96.
A arbitragem é instituto de natureza privada, contratual, por meio do qual as partes elegem um árbitro ou tribunal arbitral para dirimir conflitos de natureza estritamente patrimonial. A sentença arbitral, portanto, substitui a sentença judicial, eliminando a controvérsia de forma definitiva, de modo que da decisão do árbitro não é cabível qualquer recurso, ressalvados os casos de nulidade da sentença arbitral expressamente previstos em lei.
As principais vantagens na utilização deste instituto são o sigilo, a celeridade, a flexibilização do procedimento e a especialização do árbitro. Em outras palavras, as partes por meio de uma cláusula contratual, chamada compromisso arbitral ou cláusula compromissória, estabelecem que eventuais conflitos decorrentes daquela relação jurídica (contrato) serão dirimidos por um árbitro livremente escolhido por elas.
O árbitro, via de regra, é um técnico, alguém que conhece a fundo a questão envolvida nesta relação jurídica, de modo que o procedimento arbitral acaba por se resolver de forma mais rápida, uma vez que em alguns casos se dispensa a realização de perícias e provas técnicas — o que normalmente não ocorre no processo judicial estatal. Além disso, a especialização do árbitro permite um julgamento mais adequado e equitativo do conflito. Por fim, tendo em vista que as próprias partes escolhem as regras que irão permear a arbitragem, este transcorre de forma mais flexível, sendo praticados apenas os atos que realmente importam na solução do conflito, dispensando-se aqueles que as partes entendam desnecessários.
No entanto, embora inúmeras sejam as vantagens desse procedimento, o que vem se observando ao longo destes 15 anos é que a arbitragem vem sendo utilizada em casos de maior expressão econômica, que envolvam relações internacionais, empresas de grande porte e de diversas nacionalidades, não só pelo sigilo das questões ali debatidas, como também pela celeridade e eficácia.
Entretanto, a arbitragem ainda parece um pouco distante do cidadão comum. Primeiro, porque o cidadão comum, em tese, desconhece o instituto e as suas vantagens, também não entende como ele se processa; segundo, porque na maioria das vezes confunde a arbitragem com o processo judicial estatal e, terceiro, porque a arbitragem, muitas vezes, tem um custo elevado, em geral superior ao processo judicial estatal, que, em alguns casos, chega até a ser gratuito.
Embora tenha se visto a proliferação de tribunais e câmaras arbitrais em todo o país, nestes anos, ainda se confunde esta atividade de caráter eminentemente privado com a jurisdição estatal. Os próprios regulamentos de alguns destes órgãos arbitrais se assemelham tanto à legislação processual, que fazem parecer a arbitragem simplesmente um “processo privado”. É preciso lembrar, que a origem da arbitragem vem do direito anglo-saxão e traz em seu bojo uma série de pressupostos e princípios que não encontram correlação em nosso sistema jurídico (romano-germânico), sendo certo que os regulamentos que reproduzem a legislação processual civil brasileira fatalmente levam à descaracterização do instituto.
Além disso, devemos lembrar que a origem da arbitragem é contratual, logo, as partes somente deverão se submeter aos órgãos arbitrais quando houver inequívoca manifestação de vontade neste sentido, sendo certo que notificações de comparecimento expedidas por entidades arbitrais, mesmo que a pedido de uma das partes, sem que haja convenção prévia a este respeito, não têm efeito vinculante e não precisam ser atendidas.
Este, talvez, seja o ponto central: esclarecer a população acerca da arbitragem para que os cidadãos possam optar de forma consciente por este mecanismo privado de solução de conflitos e para que tenham subsídios até para, eventualmente, desconsiderar uma notificação oriunda de um órgão arbitral, caso não tenha interesse na solução pela via da arbitragem e nada tenha sido convencionado entre as partes neste sentido.
Realizadas todas estas considerações, concluímos que, ao longo deste tempo, não se pode dizer que a arbitragem tenha se enraizado de forma definitiva em nossa cultura, como ocorre em outros países, mas não se pode negar os avanços da sua aplicação e uma certa “desmistificação” do instituto. Mas é inegável que ainda há muito por fazer, no sentido de tornar a arbitragem mais difundida e mais acessível aos cidadãos em geral.
Rita de Cássia Serra Negra é especialista em Direito Contencioso Cível e coordenadora da área no escritório Mesquita Pereira, Marcelino, Almeida, Esteves Advogados.