Ex-promotor enxerga agora os excessos do MP

Por Eduardo Mahon

Diz o adágio popular que Deus escreve certo por linhas tornas. Creio que nosso Criador não seria reprovado num curso de caligrafia. As voltas e reviravoltas que o mundo dá certamente provam, com certa dose de ironia, que as coisas cumprem objetivos estranhos à nossa vontade, mas com uma pontualidade divina. É o caso tormentoso pelo qual passa o novo desembargador Marcos Machado, respondendo por aquilo para o qual nem havia sido contratado ainda.

Foi licenciado do Ministério Público para ingressar na administração executiva do Estado de Mato Grosso e, por lá, perambulou por vários órgãos, tornando-se peça essencial do governo passado. Questionado judicialmente (inclusive por mim) acerca do posicionamento de um promotor de justiça no seio do governo estadual, acabou retornando às origens ministeriais e, por fim, foi aclamado por uma acachapante votação para o Tribunal de Justiça de Mato Grosso.

Noutras palavras – vivenciou, em poucos anos, a experiência em três vetores de poder republicano. Ironicamente, o MPF obteve do Judiciário ordem para bloquear os bens do ex-governador e do atual desembargador, entre outras pessoas envolvidas numa suposta dispensa irregular de licitação para um segmento da saúde pública. Não deixa de ser pitoresca a situação, mas de toda a crise surge uma evidente oportunidade.

O julgador Marcos Machado agora vê o que o promotor Marcos Machado provavelmente não via: os excessos do MP. Há anos, reclamo publica e insistentemente da pirotecnia de investigações que usa a imprensa para fazer o picadeiro escandaloso que as megaoperações demandam para colher o apoio popular. Bloquear bens de alguém que nem sequer era gestor na época dos fatos é uma rotunda ignorância! É um traque, uma blague processual!

Como declarou o atual desembargador, falta ética e compostura ao membro do Ministério Público que nem chegou a ouvi-lo. É sempre assim – as conclusões são tomadas de forma açodada, precipitada, na base da cabeçada como numa aposta em roleta para ver se o Judiciário concede ou não as medidas folclóricas que pretende. Infelizmente, o Conselho Nacional do Ministério Público tem uma atuação bem mais tímida do que o CNJ na apuração e punição desses excessos.

Resta, no entanto, o alento de que a sociedade já entendeu agressivas as medidas tresloucadas contra o devido processo legal. Ainda que encontrem um respaldo passageiro, sempre cairão por terra nos tribunais superiores. Mais distantes do cochicho midiário, mais imparciais, mais formais, mais experientes, os tribunais regionais federais e os tribunais superiores reformam quase a totalidade das decisões oriundas de megaoperações nas quais pude advogar.

São grampos sem autorização e por tempo desarrazoado, quebras de sigilo bancário e fiscal sem comprovação da necessidade, bloqueios de bens absolutamente desproporcionais, precipitados e desfundamentados, prisões desnecessárias, arbitrárias e muitas vezes de pessoas erradas, investigações laterais sem a devida autorização, referências incorretas no processo, problemas de distribuição, enfim, uma coleção de ilegalidades que custam à sociedade dispendiosas operações que são anuladas.

Felizmente, o mundo dá voltas. E as voltas que o mundo dá conduziram um atuante, militante e apaixonado membro do Ministério Público ao Poder Judiciário para lá sofrer com os abusos de seu órgão de origem. Após reverter a bisonha decisão contra si, ganharemos um julgador não só preparado, mas portador de experiências de vida que vão garantir ao jurisdicionado o direito ao devido processo legal que o desembargador não teve até agora.
Eduardo Mahon é advogado em Mato Grosso e Brasília, doutorando em Direito Penal e membro da Academia Mato-Grossense de Letras.

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