Por Alexander Soares Luvizetto,
advogado (OAB/RS nº 42.519)
É tema corrente nas discussões de pós-graduação em Direito a questão da moderna judicialização do Estado, assunto abordado em diversos países, sob diversos regimes judiciais e estatais. Por respeito à introdução, resumirei o tópico como sendo a intervenção cada vez mais acentuada do Judiciário para solução de questões que deveriam ser solucionadas naturalmente pelo corpo estatal (como vagas em hospitais, reparação de erros indiscutíveis dos agentes etc.).
O Estado tem poder de polícia constitucionalmente assegurado (e mais que isso, socialmente respeitado). Este poder de polícia autoriza-o a declarar responsabilidades e multar, seja em matéria ambiental, seja em matéria de trânsito ou dentre outras.
Então por que precisamos do Judiciário para averiguar a responsabilidade por um acidente de trânsito com danos materiais? Bastaria uma unidade especializada dirigir-se ao local, fazer um levantamento dos fatos e elaborar um laudo (como se faz na necropsia, na balística, na engenharia). Se a pessoa apontada como possível responsável pelo acidente não concordar, ela que procure o Judiciário para invalidar aquela ação.
Por que precisamos do Judiciário para resolver cada uma das milhares de discussões entre operadoras/concessionárias e os respectivos consumidores. Bastaria as agências de regulação fazerem o mesmo: averiguarem o fato e determinarem a reparação (pró ou contra o consumidor). Quem discordar desta determinação, este sim procura o Judiciário.
Por que usar o Judiciário para retomar a posse de um imóvel invadido por terceiros, se temos o título de propriedade e testemunhas de que somos os legítimos possuidores? A polícia deveria ser suficiente para garantir que os documentos estatais fossem respeitados.
Nosso sistema Judicial está emperrado e não há perspectivas de revitalização do mesmo a curto prazo. É possível que o Judiciário “goste” de ter ao seu crivo tamanha quantidade de processos, porque isso lhe dá poder (e orçamento). Mas estamos enveredando para uma cultura onde se finge que respeita a lei e a lei finge que regula a vida das pessoas. O resultado disto é falta de condições estatais para a resolução de coisas mais importantes.
O primeiro raciocínio que precisa ser incorporado para a diminuição desta judicialização desnecessária é: todos os conflitos de interesse que puderem ser resolvidos de imediato precisam sê-lo. Não temos que adiar o que pode ser feito com segurança de imediato.
O segundo raciocínio é combater ao máximo a impunidade, que gera ao menos três problemas: (a) sentimento de raiva e desrespeito na vítima; (b) sentimento de poder e desnecessidade de adequação no agressor; (c) falta de confiança no Estado e na ordem pública, provocando o uso da autotutela (sim, isso ainda existe, e muito).
Precisamos deixar de gostar do contencioso e aprender a viver em paz, privilegiando os bons não com garantias escritas, mas com efetividades.
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