Por ANDRÉ LUIZ PAES DE ALMEIDA
Nas salas de aula procuramos sempre salientar a dificuldade de explicar o direito do trabalho aos nossos alunos. Não só em virtude da dificuldade deste ramo em razão de seus princípios próprios, de suas habituais e rotineiras mudanças e atualizações, bem como porque a prática constante em nosso país nos transporta a ficções jurídicas com caráter de realidade, fazendo com que, muitas vezes, acreditemos em algo tão usual que nos parece correto, mesmo não tendo nenhum fundamento legal para tal conclusão.
Ao discorrermos sobre o empregado doméstico, notamos, inclusive em algumas normas legais, manifesta discriminação, como por exemplo no que diz respeito a falta da previsão da estabilidade da gestante. Porém, muito tem se discutido em nossos tribunais com relação a diariedade do serviço da doméstica, que é especificamente o que passamos a salientar.
A pergunta que sempre é feita, em princípio para se extrair ou não se há vínculo laboral diz respeito ao fato do trabalhador doméstico laborar uma só vez por semana em determinada residência.
Se a resposta for positiva temos como decisão majoritária em nossos tribunais que não existe vínculo de emprego, pois aí estamos diante de uma “diarista”, ou como muitas vezes são chamados de “faxineiros”.
Ora, tal fato atualmente representa mais uma discriminação contra ente tipo de empregado. Senão vejamos: A lei nº 5.859, de 11-12-72, em seu artigo 1º conceitua o empregado doméstico como sendo “aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família no âmbito residencial desta”.
Diante desta disposição cumpre por em relevo que a doutrina moderna não diferencia a continuidade descrita na lei mencionada com a habitualidade a que se refere o artigo 3º do Diploma Legal Consolidado. Nas palavras do Notável Professor Sérgio Pinto Martins, “Não vemos como fazer a distinção entre continuidade, prevista no art. 1º da Lei nº 5.859/73 para caracterizar o empregado doméstico, e não eventualidade, encontrado na definição de empregado do art. 3º da CLT”.
O Ilustre Magistrado já citado em sua obra “Direito do Trabalho” ainda traz um paralelo com relação ao direito comparado, alertando que na Argentina, não são considerados domésticos os trabalhadores que prestam serviços por menos de um mês, ou ainda que trabalhem menos de quatro horas por dia. Notem que não é o caso da nossa legislação, que, como já descrito, menciona somente o requisito da continuidade que, repita-se, em nada difere da habitualidade. Desta forma, mesmo que um trabalhador doméstico preste serviços uma só vez durante a semana, desde que exista um dia pré-fixado, existe vínculo laboral sim, sob pena de se estar admitindo flagrante discriminação neste tipo de trabalho, pois, como sabemos, se um professor, um advogado, um médico ou qualquer outro tipo de empregado labora somente uma vez por semana em dias já determinados, todos eles são e sempre foram tidos como empregados. Em razão disso, seria justo somente o doméstico não ter este direito?
Assim, para finalizarmos, cumpre indispensavelmente retornar as primeiras linhas, pois assim veremos a disparidade de alguns julgados, que parecem ter sido contaminados pela prática impondo normas fictícias em nosso ordenamento jurídico, quando determinam que este tipo de relação deve ser entendida como trabalhadora diária, deixando claro, referida configuração, afastar o vínculo de emprego pretendido, fato este novamente inadmissível, pois diarista é simplesmente forma de recebimento, assim, como os horistas e os mensalistas, não podendo, jamais, excluir o vínculo de emprego por si só. Não queremos, com estas singelas linhas, fazer uma preservação de direitos desmedidos a esta categoria de trabalhadores, razão pela qual, em nenhum momento, ousamos discordar do fato destes empregados não estarem incluídos na jornada de trabalho, não tendo, por conseguinte, direitos a horas extras.
Tal fato é absolutamente plausível, pois, para a configuração da jornada suplementar na Justiça do Trabalho, mister se faz sua comprovação robusta, fato este praticamente impossível no doméstico, já que suas horas de trabalho, em regra sempre se confundem com as de lazer, principalmente tratando-se de doméstico que mora na residência onde presta serviço. No entanto, com relação a diariedade dos serviços chegamos a conclusão de que inexiste norma legal que exclua o vínculo deste tipo de trabalhador, mesmo que este preste serviços em várias residências durante a semana, pois nunca tivemos como requisitos de vinculo de emprego a exclusividade.
Sócio do escritório MDP Advogados Associados, professor e coordenador da cadeira de direito do trabalho e processo do trabalho da Rede LFG e de vários cursos de pós graduação pelo país. Autor de várias obras relacionadas a área trabalhista.