Greve e represamento dos processos da União

Por Wadih Damous

Nas últimas semanas, vem sendo noticiado pela mídia a intenção da Associação de Juízes Federais (Ajufe) de tomar duas atitudes como forma de pressionar o governo federal a conceder, aos juízes federais, reajuste de vencimentos e outros benefícios.

A primeira consiste na paralisação dos juízes federais no dia 30 de novembro, o qual é abarcado pela Semana Nacional de Conciliação. O prejuízo para a prestação jurisdicional é evidente, diante do boicote ao esforço louvável de se promover soluções amigáveis para litígios em curso.

A segunda, ainda mais radical, consiste no represamento das citações e intimações referentes aos processos de interesse da União Federal, e sua liberação concomitante após a data da paralisação.

Segundo o presidente da entidade, “a medida estratégica e adicional de represar as intimações e citações nos processos de interesse da União vai ser uma forma efetiva e inteligente de pressão mais eficaz que greve sem molestar a sociedade”.

Entidades representativas da advocacia pública foram as primeiras a se manifestar acerca de tais medidas, lembrando à Ajufe, inclusive, que os juízes que aderissem a tais práticas poderiam, em tese, incorrer em condutas criminalmente tipificadas, em especial o artigo 319 do Código Penal (Prevaricação).

A Ajufe, por sua vez, reagiu afirmando que tais medidas eram legítimas e não prejudicariam “processos de interesse do cidadão”. Afirmou também que a medida teria certo caráter pedagógico, a fim de impor à AGU, ao menos por alguns dias, o ritmo de trabalho que os próprios juízes federais enfrentam no dia-a-dia, muito embora, segundo alegam, aqueles sejam mais bem remunerados do que estes.

A ressalva não convence. É nítida a intenção da Ajufe de se utilizar da máquina judiciária e dos poderes inerentes à função judicante para perseguir interesses pecuniários privados de seus associados. Ainda que não haja prejuízo imediato aos cidadãos individualmente considerados, há enorme prejuízo para a República. Não se pode conceber um Estado democrático de Direito em que membros do Poder Judiciário ajam deliberadamente para prejudicar um órgão do Poder Executivo, de modo a pressioná-lo por melhores salários. Os juízes que aderirem a tal prática estarão, no mínimo, traindo o compromisso que assumiram quando tomaram posse em seus respectivos cargos. Além disso, poderão incorrer, quiçá, em sanções administrativas e até mesmo criminais, como já referido anteriormente.

Queremos uma magistratura bem remunerada e com boas condições de trabalho para a efetiva prestação jurisdicional. Mas isso não pode e não deve justificar medidas dessa natureza.

Merece aplausos, portanto, a iniciativa do ministro Ari Pargendler, o qual, na qualidade de presidente do Conselho da Justiça Federal, determinou abertura de processo adminstrativo e solicitou à AGU que denuncie os juízes que deliberadamente deixarem de intimar a União, fazendo-o de uma só vez, conforme anunciado.

Essa postura da Ajufe apenas reforça o que já vimos falando, no sentido de que alguns juízes, apesar da relevante função que exercem, confundem o público com o privado, sentindo-se donos do Poder Judiciário. Algumas de suas prerrogativas conquistadas especialmente no regime militar, hoje, em tempos democráticos, se converteram em injustificáveis e atávicos privilégios, tais como a pena máxima administrativa de aposentadoria compulsória com vencimentos integrais, as férias de 60 dias, etc. Os prédios suntuosos, os carros oficiais contrastam com as péssimas condições de trabalho impostas aos advogados e partes que se espremem pelos claustrofóbicos corredores da Justiça de 1º grau.

É preciso, portanto, que, além dos advogados públicos, os advogados privados e cidadãos em geral denunciem o retardamento proposital de atos processuais como parte da mobilização anunciada pela Ajufe, a fim de que o Conselho da Justiça Federal possa tomar as providências cabíveis. A OAB-RJ, de sua parte, informará imediatamente a esses órgãos, os fatos dessa natureza que chegarem a seu conhecimento.

Wadih Damous é presidente da OAB-RJ.

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