Por Marcelo Nobre
Em 2011, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) viveu momentos difíceis. O amplo e incondicional apoio ao CNJ pela sociedade brasileira e pelos seus representantes no Senado Federal e na Câmara dos Deputados e as críticas de uma parte da magistratura criaram sentimentos distintos na discussão acerca da competência desta grande instituição brasileira chamada CNJ.
O ano de 2011 até que começou de forma serena, pois a composição era a mesma desde julho de 2009 e os programas e projetos seguiam seus cursos. Os julgamentos dos processos e as propostas dos membros da Corte Administrativa eram aqueles – na sua grande maioria – conhecidos e com boa aceitação entre todos componentes que sempre mantiveram uma boa convivência.
Durante esse período vivenciamos momentos produtivos e também uma importante e necessária tranquilidade interna. Um dos vários exemplos disso é o Fórum da Saúde, capitaneado pelo CNJ e sob a coordenação de Milton Nobre, Nelson Tomaz Braga e eu. Por outro lado, tivemos alguns pequenos embates. O mais expressivo deles foi a inesperada e despropositada argüição de suspeição formulada por um dos membros do colegiado contra outro, quando cabe à parte alegar tal suspeição (nunca um colega).
Outro exemplo, que vale a pena mencionar, é uma portaria do atual presidente. Este exemplo mostra como as decisões de um presidente precisam ser muito bem analisadas antes de publicadas. Esta estabeleceu que todas as diárias dos membros do CNJ para viagens fora da sede como, por exemplo, convites dos tribunais para posses, participação de lançamentos de programas dos tribunais e etc. devem ser analisadas antes pelo presidente. E estes só poderão comparecer, com o recebimento de tais diárias (para pagar as despesas), se o presidente os designar para representá-lo, mesmo que o próprio presidente não tenha sido convidado.
Essa portaria foi feita para atender a um desinformado clamor da mídia que, dias antes, divulgara matérias sobre diárias pagas pelo CNJ. O que ninguém disse nem mostrou, porque não interessava, é que os números apontam que os gastos de diárias altas são em relação aos juízes auxiliares. Ao invés de separarem as diárias dos únicos representantes constitucionais do CNJ, quais sejam, os conselheiros, daqueles convocados para os auxiliarem (na Presidência e na Corregedoria), foi muito mais cômodo misturar todos no mesmo saco. Todavia, estamos falando de água e óleo. Podem se esforçar o quanto quiserem, mas não conseguirão misturar o que não se mistura.
A mencionada portaria, ao invés de esclarecer a mídia, conseguiu amputar a atuação dos membros do Conselho, inviabilizando o bom contato necessário entre os presidentes dos tribunais e os membros que decidem todas as questões referentes às suas administrações.
Foi a primeira vez na história do CNJ que isso aconteceu. A boa relação dos presidentes dos mais de 90 tribunais do país com os conselheiros sempre se deu em razão da proximidade estimulada pelos presidentes do CNJ. Essa convivência não existe mais. Isso é péssimo para todos! Sempre tivemos uma relação positiva e próxima e que auxiliava no entendimento das questões a serem decididas, pois sabemos que conhecer a realidade dos tribunais e a real intenção dos seus dirigentes ajuda sobremaneira na avaliação sobre o que está sendo discutido. Com esta malfadada portaria, a Presidência conseguiu afastar os membros julgadores de conhecer a realidade dos tribunais, empurrando o CNJ na contramão do que deve promover.
Apesar destes contratempos, temos alguns dados que se encontram disponíveis no Justiça em Números do CNJ do ano de 2010 e que são bem interessantes – os dados de 2011 ainda não foram todos compilados e, por isso, não se encontram disponíveis para o público externo neste momento.
Os dados que merecem destaque são os seguintes:
Na Justiça Estadual: tivemos em primeiro grau 7.665.688 novos casos; 1.860.106 no segundo grau e 3.559.247 nos juizados especiais. Enquanto isso, o número de servidores em todos Brasil atingiu 236.538, portanto, 76 servidores por 100 mil habitantes. Em média, a Justiça Estadual arrecadou 20% a menos dos valores que gastou em 2010, sendo a diferença subsidiada pelo orçamento do Estado. E 8.971.513 dos processos foram baixados em primeiro grau no ano de 2010.
Na Justiça do Trabalho: 72% dos gastos do orçamento são em recursos humanos, portanto R$ 52 por habitante; por já se encontrar bem avançada na área de tecnologia da informação, gasta apenas 1,6% do seu orçamento com essa área; esta Justiça especializada arrecada 17,5% de seu custo com execução previdenciária e 11,2% em imposto de renda nas ações trabalhistas; a taxa de congestionamento em segundo grau é de 27,5%; em relação ao número de processos novos ajuizados a Justiça do Trabalho baixou 104%.
Na Justiça Federal: foram 466.817 novos casos em primeiro grau e 445.151 em segundo grau; nos juizados especiais federais, 1.709.885 ações pendentes, enquanto nas turmas recursais, 620.980 aguardam julgamento; a assistência judiciária gratuita da Justiça Federal representa menos de 1% do total da despesa; o Tribunal Regional Federal com maior número de demandas é o da 4ª Região com 449.882 demandantes contra 140.443 demandantes na 1ª Região.
O CNJ, tendo em mãos estes e outros dados, realiza inúmeros programas ainda poucos conhecidos da população, mas que operam importantes resultados junto aos tribunais, como por exemplo:
1. O Justiça Plena, que monitora o andamento dos processos de grande repercussão social em conjunto com oito outros protagonistas: o Ministério da Justiça, a Advocacia Geral da União, a Secretaria de Direitos Humanos, o Conselho Nacional do Ministério Público, a Ordem dos Advogados do Brasil, a Defensoria Pública da União e dos Estados e a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão.
2. O Cadastro Nacional de Entes Públicos: lista os entes da Administração das três esferas do poder público que são demandados ou demandantes em algum órgão do Poder Judiciário.
3. O Comitê Nacional de Gestão de Tecnologia da Informação e Comunicação do Poder Judiciário: diagnostica situações e apresenta sugestões de uniformização e padronização do sistema.
4. O Espaço Livre: tem o objetivo de remover dos aeroportos brasileiros as aeronaves que estão sob custódia da Justiça. São 119 aviões nesta situação.
5. O Proname: programa com finalidade de implementar uma política de gestão documental que atenda as peculiaridades do Judiciário brasileiro. Cuida da preservação e divulgação dos documentos com valor histórico.
6. O Judiciário em Dia: mutirão judiciário para acelerar julgamentos de processos antigos na Justiça Federal.
7. O Justiça Aberta: sistema de consulta que facilita o acesso dos cidadãos as informações sobre localização das varas, tribunais e cartórios além de relatórios de produtividade das secretarias processuais.
8. A numeração única: padroniza os números dos processos, facilitando o acesso e as informações processuais.
9. As tabelas processuais unificadas: uniformiza as classificações processuais em todos os tribunais, facilitando o acesso e o entendimento das várias fases dos processos.
Nova composição
Assim, caminhamos até agosto, quando chegou a nova composição.
Até o final do período desta terceira composição, as marcas conquistadas com muita luta e que caracterizam o CNJ foram mantidas com responsabilidade. São elas: proibição do nepotismo; regulamentação do teto salarial; a transparência dos gastos dos mais de 90 tribunais do país; divulgação dos números da estrutura do Poder Judiciário; investimentos em informatização dos processos; fiscalização e limitação das obras e contratações desnecessárias; denunciações e combates ao descalabro do sistema prisional; fixação de metas de produtividade e etc…
É inegável o protagonismo do CNJ na construção da credibilidade da Justiça!
Todos os membros do CNJ têm consciência da responsabilidade social que representa a segurança jurídica (desde a respeitabilidade dos contratos celebrados, a celeridade das decisões judiciais até a previsibilidade destas decisões). Isso pode significar uma enxurrada de investimentos estrangeiros de bilhões de dólares que mudam a vida de qualquer país.
A fina análise dos investidores internacionais, que é feita antes da escolha definitiva do país aonde aportarão seus vultosos investimentos, passa, obrigatoriamente, por todos esses aspectos que dizem respeito diretamente ao Judiciário.
Desta forma, exerço minha função no CNJ antes mesmo da chegada da corregedora Eliana e do presidente Peluso, representando a Câmara dos Deputados em três composições (a segunda, a terceira e nesta quarta). Por essa razão, posso afirmar que as mudanças de composição sempre trazem consigo um elemento que, no início, causa certa desestabilização natural.
Explico!
Todos os operadores do direito que se encontram fora do CNJ tendem a ter uma visão/opinião muito crítica e ácida quanto a nossa atuação. Seja porque alguns acham que fazemos pouco (deveríamos ser mais duros com os magistrados), seja porque outros acham que avançamos em searas que não são nossas. Estes mesmos, quando têm a grande e única oportunidade de colaborar com seu país fazendo parte do seleto grupo que compõem os 15 membros do CNJ, chegam energizados para aplicar as mudanças que acreditam ser necessárias. É por isso que na troca de composições temos sempre grandes divergências e embates.
Com esta última composição – a quarta – que trocou 10 membros e que tomou posse no mês de agosto, não foi diferente. Ainda bem que muitos chegam, também, com outro espírito, cheios de vontade em colaborar para reafirmar os acertos dos seus antecessores. Em regra, estes membros são os representantes de fora da magistratura (OAB, MP e Congresso Nacional). Todavia, as composições anteriores nos ensinaram que existem excelentes exceções a essa regra, graças a Deus.
Este ponto de vista tenta explicar, de forma simplista, a luta interna que se estabeleceu neste segundo semestre no CNJ. Acrescente-se a isso o que disse o presidente Peluso, quando da posse dos novos membros desta composição: “acompanhei muito de perto as escolhas de cada um dos novos membros pelos seus órgãos de origem e que agora tomam posse”.
Quando escrevi a retrospectiva de 2010, acreditei que a explicação de alguém que viu por dentro o círculo virtuoso do sempre presidente Gilmar Mendes em seu último ano, pudesse servir, no mínimo, para a reflexão da atual administração e assim ajudar a salvar o seu último ano. Fiz a minha parte! Confesso que até agora não sei qual é a marca da gestão Peluso. E quando pergunto se alguém sabe, a resposta sempre é a de que é exatamente essa a marca. O presidente Nelson Jobim colocou o CNJ de pé (foi o primeiro presidente) e lutou muito para que o Poder Judiciário respeitasse este maravilhoso novo órgão e para isso contou com seu incansável e brilhante secretário-geral, Flávio Dino.
A presidente Ellen marcou sua gestão na conciliação e na informatização. Já o presidente Gilmar deixou marcada a sua gestão na destemida atuação no sistema penitenciário, além de ter ampliado os convênios com inúmeros outros órgãos e exercido o ativismo do CNJ com a grande parceria dos então corregedores Cesar Asfor Rocha e Gilson Dipp. Além disso, o ministro Gilmar ainda teve ao seu lado, como secretário-geral, somente no seu último ano, o juiz Rubens Curado. Tenho certeza de que ele hoje deve lamentar por não ter colocado o juiz Rubens na Secretaria-Geral desde o início da sua gestão, pois se o tivesse feito teria ganhado dois anos inteiros ao invés de apenas um.
Portanto, conclui-se que ter um secretário-geral habilidoso e que cumpre o que combina é fundamental para o sucesso da gestão no CNJ. Aqueles que perceberam isso a tempo, marcaram a história da sua passagem pelo órgão.
É importante esta oportunidade também, para fazermos justiça à grande atuação da desbravadora primeira composição do CNJ. Eles são até hoje muito criticados por terem tido a coragem de punir severamente alguns maus juízes e por não terem podido implementar nenhum programa/projeto de profundidade que contribuísse para o aprimoramento do Poder Judiciário. Esses críticos se esquecem de que na primeira composição não existiam informações sobre o até então desconhecido Poder Judiciário. Hermeticamente fechado!
Hoje, um pouco menos. O único elemento que a primeira composição do CNJ possuía eram as denúncias que chegavam. Não se sabia qual era o total de juízes no país! Quantos servidores, etc… Como podiam prescrever o remédio adequado ao paciente se não tinham o seu diagnóstico? Eles agiram com responsabilidade. Decidiram as questões que chegavam. O Brasil estava ávido por um órgão que, no mínimo, respondesse as dúvidas que pairavam sobre vários procedimentos duvidosos no Poder Judiciário, como já havia acontecido nos outros poderes.
Com a criação do esperado CNJ o povo viu uma luz no fim do túnel, ou seja, teria uma resposta aos seus reclamos. E para o regozijo de todos os cidadãos de bem, o CNJ correspondeu à expectativa e conquistou o respeito e a confiança do povo brasileiro.
Agora, porém, apesar dessa atuação eficaz e merecedora de aplausos do CNJ, com a mudança de comando nas associações nacionais de magistrados (AMB, Ajufe e Anamatra), que contam com o apoio do presidente do STF e do CNJ, começamos uma nova luta de reafirmação dos poderes estabelecidos pelos representantes do povo quando da elaboração da Emenda Constitucional 45 que criou o CNJ.
Com essas novas peças no tabuleiro do Poder Judiciário, vivemos em setembro, ou seja, apenas um mês depois do inicio das atividades da nova composição, o que viria a ser o primeiro tempo da “crise” com exposição pública. A corregedora Eliana Calmon concedeu uma entrevista a um jornal impresso afirmando existir “bandidos de toga” no Poder Judiciário. A veiculação se deu no mesmo dia em que tínhamos sessão plenária no CNJ. Por essa razão, ficamos 1h30 minutos antes do início dela, fechados na sala utilizada para as sessões administrativas, ouvindo o inconformismo do presidente e a não concordância de todos nós com a generalização infeliz de que todos os membros do Poder Judiciário seriam “bandidos de toga”.
Falo por mim. Não concordei com o termo utilizado e citei como exemplo de que não são todos os magistrados, a própria corregedora, o presidente, a minha esposa e um mundo de outros magistrados honrados que conheço. Por fim, tive a intuição de que a decisão de divulgar uma nota contra a expressão infeliz (acreditem, no gerenciamento daquela crise, a nota foi o mal menor) seria interpretada pela mídia e pelos leigos como sendo um ataque ao poder concorrente do CNJ. Por dever de lealdade, no final da discussão, levantei a questão e fui duramente criticado pelo presidente que disse que eu estava misturando assuntos, pois ninguém estava tratando da competência do CNJ. Infelizmente, eu estava certo. O que se sucedeu, todos sabem. Foi uma verdadeira corrida pública de posicionamentos sobre o poder do CNJ.
Os que têm opinião definida favorável ou não ao poder pleno/concorrente do CNJ escreveram artigos em jornais e deram entrevistas. Outros preferiram não expor as suas opiniões. Os representantes do CNJ que não são da magistratura, Bruno Dantas, do Senado Federal; Jorge Hélio Chaves, da OAB; Jefferson Kravichychyn, da OAB; Wellington Saraiva, do MP; Gilberto Valente, também do MP; e eu, da Câmara dos Deputados, escrevemos um artigo em defesa do poder concorrente do CNJ para o jornal Folha de S.Paulo que foi veiculado no dia 2 de outubro com o título: O CNJ faz de cada cidadão um fiscal.
Um grande aliado da tese de que o CNJ tem contribuído positivamente com o país e com o Poder Judiciário através da sua atuação plena e democrática é a Ordem dos Advogados do Brasil. Em todos os momentos de embate entre aqueles que defendem a competência plena do CNJ e aqueles que querem que ela seja fictícia, a OAB sob o comando de Ophir Cavalcante se posiciona de forma clara e contundente, sempre a favor de uma competência ampla e irrestrita.
Essa exposição pública sobre o poder do CNJ foi muito relevante para inserir a sociedade brasileira na discussão, pois ela precisa se posicionar sobre o que o CNJ representa para ela e o que ela tem a dizer sobre a atuação das corregedorias locais.
E isso é muito importante, porque foi ela, sociedade brasileira, que criou o Conselho Nacional de Justiça, concedendo a ele as mais amplas, gerais e irrestritas competências.
E por que criou? O que a sociedade espera do CNJ?
Transparência judicial
Parece-me que a resposta é muito simples. Criou porque dos três poderes, o Judiciário estava a merecer mais transparência, mais controle e democratização, acompanhando o que já aconteceu aos outros poderes (Executivo e Legislativo).
Parece-me, também, que a sociedade acredita que o CNJ contribui para que o Poder Judiciário elimine, de uma vez por todas, o corporativismo que o alimenta e, assim, ajude este fundamental poder a ganhar mais credibilidade e confiança junto aos seus cidadãos.
Foi com esse intuito que o CNJ foi constitucionalmente criado e ganhou todos os poderes necessários para realizar as mudanças que o povo deste século XXI espera. O compromisso do CNJ é com o país!
Sabemos o quanto é difícil eliminar privilégios. Mas essa mudança de mentalidade é um caminho sem volta. Aqueles que ainda não perceberam que esse movimento não tem retrocesso terão de se adaptar rapidamente para não virarem sucatas do mundo moderno.
No início do mês de dezembro tivemos as eleições no maior tribunal do mundo, o Tribunal de Justiça de São Paulo. Alguns poucos dias depois da proclamação do resultado, o vice-presidente do tribunal se dirigiu ao CNJ colocando em dúvida a eleição havida para presidente e corregedor. Quis o destino que eu fosse o relator. Apesar das insistentes solicitações para que arquivasse o Pedido de Providências sob a alegação de que havia sido judicializado no STF antes do ingresso no CNJ, entendi e continuo entendendo que o exercício dos altos cargos da República exige coragem e que as pessoas que aceitam tais cargos não podem e não devem se furtar a cumprirem as suas obrigações, já que não é por acaso que elas foram designadas para exercê-los.
Assim, após analisar todos os documentos juntados com a inicial, tive a grata satisfação pessoal em ver que o tribunal onde dei “meus primeiros passos jurídicos” mostrava a todo o país o exemplo de democracia que o move. O comparecimento maciço dos desembargadores às urnas é motivo de felicitações. Foi uma festa da democracia. Os candidatos eleitos o foram como em toda democracia, por maioria de votos.
É por essa razão que, quando li nos últimos dias de dezembro no jornal O Estado de S.Paulo, a entrevista do presidente eleito do TJ-SP dizendo que CNJ é ditadura, não pude acreditar. Este grande órgão da nação brasileira que é o CNJ, ao decidir sobre a eleição do tribunal de São Paulo não só enalteceu o espírito democrático que prevaleceu na mencionada eleição como também respaldou a decisão da maioria dos desembargadores tranqüilizando a todos os paulistas e brasileiros, operadores do direito ou não, de que não paira qualquer suspeita sobre os dirigentes eleitos democraticamente para comandar o próximo biênio do maior tribunal do mundo.
Espero, sinceramente, que o presidente eleito se convença de que a eleição acabou e que agora o momento é outro. E que se convença, também, que o CNJ é seu parceiro e pode contribuir muito para o seu sucesso na administração do tribunal. Acreditem, sem o CNJ é muito mais difícil realizar as mudanças almejadas em tão pouco tempo de mandato. Isso, se não for impossível.
Quando achávamos que as discussões sobre o tema da competência do CNJ tinham se encerrado por termos chegado ao final do ano e por estarmos prestes a iniciar o recesso do judiciário (funcionando através de plantões para urgências), que graças ao CNJ, pela primeira vez, os mais de 90 tribunais do país acompanharão o recesso sem a publicação de decisões e, portanto, sem a contagem dos prazos para os advogados, recebemos a notícia de que o respeitado e admirado ministro do STF, Marco Aurélio, havia concedido uma decisão liminar no último dia útil antes do recesso judiciário entendendo que a competência do CNJ é subsidiária, ou seja, que o CNJ não pode averiguar/investigar e decidir denúncias contra qualquer juiz antes da averiguação/investigação e decisão pelas corregedorias locais.
Portanto, esta decisão faz com que cada cidadão tenha que, obrigatoriamente, buscar as corregedorias locais para solucionar as suas denúncias contra magistrados sem a possibilidade de se socorrer diretamente do CNJ.
Neste último dia útil, antes do recesso, tivemos outra decisão do também respeitado e admirável ministro Ricardo Lewandowski, do STF, suspendendo a atuação da Corregedoria do CNJ nos tribunais de justiça de São Paulo e do Rio de Janeiro.
Abstenho-me de entrar nas discussões apaixonadas sobre as decisões prolatadas no último dia útil antes do recesso do Poder Judiciário, bem como, sobre estas terem sido em forma de liminares. Permito-me apenas opinar sobre as discussões de fundo – a tese e a conseqüência.
É indiscutível que o Supremo é a única Corte competente para julgar todas as decisões do CNJ e os seus membros. Por isso, as associações dos magistrados ingressaram com ação contra o CNJ no STF, questionando o alcance do seu poder. Para estas entidades, que cuidam dos interesses apenas dos seus associados – juízes – o CNJ não pode investigar antes das corregedorias locais (dos Tribunais de Justiça; dos Regionais Federais; Regionais do Trabalho; Justiça Militar).
Ora, o Poder Judiciário tem mais de 400 anos de Brasil. O CNJ foi criado exatamente porque as corregedorias locais, atuantes ou não, nunca ganharam a confiança e o respeito dos cidadãos. Dizer agora que uma decisão judicial conseguirá incutir nos cidadãos a crença de que tudo mudou e que, a partir de agora, todas as corregedorias locais funcionarão sem corporativismo e que todos podem confiar cegamente, é pura ilusão.
Só existe um caminho para as corregedorias locais conquistarem a confiança e o respeito dos seus cidadãos, ele se chama CNJ. Quanto à decisão que entendeu que o CNJ não pode levantar os dados acerca dos pagamentos havidos aos desembargadores, temos de deixar uma coisa bem clara. Ter havido o pagamento, por si só, não merece crítica, pois se trata de direitos/créditos que os magistrados possuem por lei.
O que merece e precisa ser verificado é se os pagamentos desses créditos foram calculados de forma correta e se os períodos computados estão de acordo com a lei, ou seja, se não existe período prescrito pago. E é óbvio que estes cálculos, períodos e demais análises devem ser feitas, inclusive para o bem dos próprios juízes que receberam. Os magistrados não fazem os cálculos e também não dizem quais são os períodos a que têm direito. Eles apenas fazem os seus requerimentos de pagamento conforme as certidões que o departamento responsável pelo cálculo dos créditos emite e assim aguardam o momento em que o tribunal pode e decide pagar.
Não são os magistrados que dizem quanto devem receber. Estão invertendo as coisas. Vamos levantar estas questões sim, para o bem dos próprios juízes perante seu povo. Pois se algum equivoco houve nos pagamentos, quem tem de se explicar são os responsáveis pelos cálculos e não quem recebeu o pagamento e que, ao que se sabe, não tem interferência nos cálculos nem no período computado. De duas uma, ou o foco está errado ou existem fatos que não querem tornar públicos.
Vamos eliminar a emoção que atrapalha a razão e vamos mostrar ao povo brasileiro que o Poder Judiciário é composto por uma imensa maioria de pessoas sérias, trabalhadoras, vocacionadas, preparadas e que honram a toga e o país. O povo brasileiro precisa conhecer o Poder Judiciário por dentro para poder respeitá-lo. Precisamos dar mais transparência a esse Poder, bem como, precisamos também democratizá-lo.
Só assim, a valorização dos magistrados que é bandeira de todos da carreira, será alcançada. Enquanto esta valorização não vier do jurisdicionado e dos operadores do direito, e, mais ainda, do povo, não existirá a tão sonhada, tão desejada e tão merecida valorização dos juízes brasileiros.
Marcelo Nobre é representante da Câmara dos Deputados no Conselho Nacional de Justiça, decano do órgão no exercício de seu segundo mandato (2008-2012).
Revista Consultor Jurídico, 5 de janeiro de 2012