Por Daniela Ribeiro de Gusmão e Maurício Pereira Faro
Diante de uma exigência fiscal supostamente indevida, o contribuinte tem diversas opções para a sua defesa, dentre as quais destaca-se o Mandado de Segurança. O cabimento do Mandado de Segurança em matéria tributária tem guarida, inclusive, no Código Tributário Nacional, que dispõe, no inciso IV do artigo 151, que a liminar concedida em sede mandamental é causa suspensiva da exigibilidade do crédito tributário.
A opção pelo Mandado de Segurança torna-se vantajosa não somente pelo fato da inexistência de condenação em honorários advocatícios para a parte vencida, mas principalmente por ser um importante meio para impugnar um ato abusivo e ilegal já praticado (forma repressiva), um lançamento tributário em desconformidade com a lei, ou ainda a ser praticado (forma preventiva) pelo agente público, além de ser um procedimento sumário e célere.
A impetração do Mandado de Segurança requer a existência de direito líquido e certo, o que significa que toda invocação de direito subjetivo deve ter os respectivos fatos comprovados documentalmente (prova pré-constituída) ou ser desnecessária a produção de prova, independentemente da complexidade jurídica da questão submetida à tutela mandamental.
Apesar de o Superior Tribunal de Justiça já ter firmado entendimento acerca do cabimento do Mandado de Segurança para o pedido de compensação de créditos tributários, alguns magistrados têm negado o direito a tal pretensão dos contribuintes com fundamento nas súmulas 269 e 271, ambas do Supremo Tribunal Federal.
A Súmula 269 estabelece que “o mandado de segurança não é substitutivo de ação de cobrança” e a Súmula 271, que a “concessão de mandado de segurança não produz efeitos patrimoniais em relação a período pretérito, os quais devem ser reclamados administrativamente ou pela via judicial própria” (a aprovação de ambas as súmulas se deu na sessão plenária de 13 de dezembro de 1963) . Não obstante o respeito pelas decisões anteriormente mencionadas, consideramos tal entendimento equivocado, na medida em que o mesmo desconsidera o real objetivo e o histórico das súmulas do Supremo, a evolução da jurisprudência pátria e o entendimento do STJ sobre a matéria.
Isso porque as súmulas 269 e 271 do STF foram aprovadas há mais de 45 anos e os precedentes nos quais se fundamentaram foram proferidos em Mandados de Segurança nos quais funcionários públicos reivindicavam o pagamento de diferença de vencimentos ou proventos em relação a períodos pretéritos. Entendeu o Supremo que a utilização do writ como sucedâneo da ação de cobrança é inaceitável em qualquer hipótese.
Isso não significa que o Mandado de Segurança seja meio inidôneo para amparar lesões de natureza pecuniária. A segurança pode prestar-se à remoção de obstáculos a pagamentos em dinheiro, desde que a retenção desses pagamentos decorra de ato ilegal da Administração. Neste caso, o juiz poderá ordenar o pagamento, afastando as exigências ilegais. O que deve ser negada é a utilização da segurança para a reparação de danos patrimoniais, dado que seu objeto próprio é a invalidação de atos de autoridades ofensivos de direito individual líquido e certo.
Dessa forma, não caberia ao Judiciário convalidar a compensação tributária já efetuada por iniciativa exclusiva do contribuinte na via do Mandado de Segurança, já que é uma questão que demandaria dilação probatória.
Por outro lado, o teor das súmulas editadas pelo Supremo deve ser mitigado em relação à mera declaração do direito à compensação, na medida em que cabe ao Judiciário a declaração do direito à compensação, reservando-se a apuração dos créditos ao procedimento de fiscalização da própria Administração, o que é bem diferente de uma ação pleiteando a cobrança de indébitos pretéritos.
Entendemos, então, que não pode prevalecer a aplicação restritiva das súmulas 269 e 271 do STF aos Mandados de Segurança preventivos que pretendam buscar o reconhecimento do indébito tributário com o pedido de compensação, haja vista que as referidas súmulas não espelham a realidade da controvérsia existente, bem como confrontam a atual jurisprudência do STJ, notadamente a Súmula 213.
Daniela Ribeiro de Gusmão é doutora em direito e presidente da Comissão Especial de Assuntos Tributários da OAB-RJ.